Após a fundação do Forte de Coimbra (1775), o capitão-general Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, então governador da capitania de Mato Grosso, ordenou aos seus servidores portugueses que procurassem na sua fronteira sul um ‘local aprazível’, segundo documentos da época, para a fundação de um povoado.
Dias depois, em setembro de 1778, Marcelino Rodrigues Camponês, vindo do Forte de Coimbra com um pequeno grupo de colonos, fundou no “local aprazível” anteriormente escolhido, uma posse portuguesa que recebeu oficialmente o nome de Albuquerque. A partir de meados do século XIX, o povoado passou a ser conhecido por Corumbá. Foi dali que imensos blocos de calcário foram extraídos e embarcados rio Paraguai acima, passando pelo rio Jaurú até o Guaporé (hoje Rondônia), para serem utilizados na construção do forte do Príncipe da Beira (1782).
Os representantes da coroa portuguesa que optaram por esse lugar, não tinham clareza de que garantiam dessa forma a posse definitiva de uma grande região para o império colonial (e, mais tarde, para o estado brasileiro), incluídas as reservas incalculáveis de riquezas (manganês e ferro) a serem exploradas futuramente: as minas do maciço do Urucum, em Corumbá.
A exploração dessas reservas somente ocorreu a partir da época da chamada Segunda Revolução Industrial e do avanço tecnológico nas últimas décadas do século XIX. Foi a época do neocolonialismo, quando as nações industrializadas buscaram obter o controle direto das fontes de matéria-prima.
Em Corumbá, superada a fase da grande crise provocada pela guerra com o Paraguai, o governo começou a distribuir as primeiras concessões de direito de lavras estimulando iniciativas de exploração dos minérios do Urucum, inclusive para a viúva do Barão de Vila Maria. Contudo, estas iniciativas foram infrutíferas. Em 1906, uma companhia belga adquiriu uma concessão de lavras e conseguiu ir um pouco mais além. Os belgas haviam estabelecido negócios na região mato-grossense, com a compra da gigantesca fazenda Descalvados, ao norte do Pantanal, para a produção de charque e outros derivados da pecuária bovina. Infelizmente, a falta de capital levou-os a abandonar a concessão do Urucum em 1918. E, nessa situação, o manganês que chegou a ser extraído ficou acumulado na boca das minas por mais de 30 anos.
O governo de Mato Grosso passou a lutar, judicialmente, pelo direito da concessão das jazidas, o que obteve somente a partir de 1943. Porém, a exportação dos minérios estava paralisada com a crise advinda da Segunda Guerra Mundial na Europa. Após o conflito, as explorações foram retomadas, incluindo a produção de ferro gusa. Em 1952, finalmente, Mato Grosso obteve a posse definitiva das reservas minerais do maciço do Urucum e do Jacadigo.
A partir daí algumas companhias alternaram-se na exploração, mas sem regularidade em suas atividades. As condições ambientais da região do Urucum e do Jacadigo, bem como os inúmeros contratempos de ordem logística e política, não facilitaram uma exploração viável e, de certa maneira, estas riquezas minerais foram preservadas, constituindo, ainda nos dias de hoje, um potencial econômico de grande significado. Incontáveis quantidades de toneladas foram extraídas dessas montanhas, deixando extensos túneis e fendas que aviltaram a beleza natural dos morros. Corumbá quase nada usufruiu desse processo, a não ser a oferta de empregos periódicos que animavam a população local, apenas temporariamente. Isso sem lembrar a tão sonhada (e frustrada) promessa de instalação na cidade de um pólo siderúrgico.
Além do manganês, ferro e calcário, há uma outra riqueza no solo corumbaense pouco divulgada, considerada estratégica para a segurança nacional. Para a surpresa de muita gente, Corumbá possui uma reserva de calcita ótica de valor incalculável. Trata-se de uma grande reserva, de rara incidência no mundo, talvez a última que sobrou da sanha dos exploradores. E, para quem não sabe, a calcita ótica é um mineral utilizado na confecção de lentes de alta precisão para a mira de armamentos e de raio laser. Durante a Segunda Guerra, os americanos chegaram a dinamitar uma grande reserva existente na Europa, com receio deste minério cair em mãos dos nazistas.
Ainda sobre as minas do Urucum e do Jacadigo, com a criação do estado de Mato Grosso do Sul, iniciou-se uma longa disputa pelo controle entre os dois estados dos 46,6 por cento das ações da Urucum Mineração S.A, sob o domínio da Companhia Matogrossense de Mineração S.A. – Metamat. A Comissão Especial para dirimir dúvidas quanto à distribuição dos bens entre os dois novos estados não conseguiu, por mais de dez anos, convencer os cuiabanos dos direitos sulinos sobre as minas do Urucum.
Em 1985, o governador de Mato Grosso, Julio Campos, tentou vender as ações da Urucum Mineração à Companhia Vale do Rio Doce, o que foi impedido por ação enérgica do então governador de Mato Grosso do Sul, Wilson Barbosa Martins. Até 1990, o governo do MS continuou a lutar pela posse das ações da Metamat.
Mas foi em 1994 que se travou em solo sul-mato-grossense a maior batalha pelas ações das minas do Urucum. O embate deu-se na Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul, para a permissão de ir a leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, na qual seriam vendidas 28% das ações da Mineração Matogrossense (Metamat) e 18,66% das que estavam em poder de Mato Grosso do Sul. Dos deputados estaduais, apenas 8 votaram em apoio aos interesses do estado e da expressiva maioria da população, entre eles o atual governador André Puccinelli e o velho guerreiro Armando Anache. Ao mesmo tempo, um grupo de políticos, entre eles o ex-governador José Fragelli e o médico Moisés dos Reis Amaral, entrou com um processo para impedir a realização do leilão. Curiosamente, o leilão não ocorreu por falta de compradores, porém, mais tarde a própria Vale do Rio Doce comprou as disputadas ações. A novela continuou, pois em 1999, o estado ainda tentava reverter o processo da venda das ações cobiçadas.
E Corumbá? Continuou a ver as chatas abarrotadas de minérios escoarem como uma hemorragia sem fim nas águas do rio Paraguai.
Se Deus é mesmo brasileiro, concedendo a graça de uma natureza rica e exuberante a todos os rincões do país, esqueceu-se da gente corumbaense. Corumbá segue sendo carente da justiça dos homens e, pelo visto, longe da divina.
Valmir Batista Corrêa
Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.