Pesquisador e ex-funcionário explica como é a Penitenciária de Mossoró e desvenda o que pode ter acontecido
18/02/2024 às 09:22 Ler na área do assinanteDurante 2 anos, trabalhei na Penitenciária Federal de Mossoró. Foi uma das experiências profissionais mais importantes e desafiadoras da minha vida. Fui professor e não abandonei o meu olhar de pesquisador enquanto estive lá.
A roupa: antes de iniciar as idas, a gente recebe um e-mail com informações sobre as vestimentas. Roupas sem nada de alumínio, botão, zíper. Nada de jeans. Só calça de academia, tênis apenas de pano e borracha. Cada profissional usa roupa de uma cor para ser id pelas câmeras.
15 dias antes de ir ao presídio, enviamos nossos documentos. São enviados para a inteligência em Brasília e colocam nossa vida de cabeça pra baixo. Fazem uma investigação profunda. Só entra quem tem nível alto de confiança. Se não mandou documentos antecipadamente, não entra.
Material de estudo: tudo impresso, folhas numeradas e paginas coladas. Nada grampeado, encadernado, nada. Tudo é colado. Nada de alumínio passa do portão. Celulares no carro, pendrives, nada. Detector de metais na entrada, nos corredores e nos pavilhões. Muito + seguro q aeroporto.
Os presos usam o tubinho interno de tinta da caneta bic para escrever. Ele recebe o tubinho de manhã, é recolhido a tardezinha. Na cela, só colchão, livro, sua roupa e nada mais. Nem lençol tem, para que não se suicidem ou fujam. Uma latrina, pia e 1 chuveiro a uns 6 mt de altura.
Os presos estão sempre em celas individuais e saem 2 h por dia para um pátio para tomar sol. Eles podem fazer atividade física em duplas no máximo. Correr, fazer flexão, abdominal.
Os mais perigosos ficam em regime diferenciado: não saem para nada.
Os portões principais pesam toneladas, são a prova de explosões, resgates, tiros, etc. Eu contava brincando 20 portões da rua até a sala de aula onde encontrava os alunos. Eu coordenava 9 alunos da educacao superior. Tudo muito limpo, silencioso, com câmeras em todos os corredores.
Detectores de metais e body-scans em cada entrada de pavilhão. Inclusive os policiais penais que vão de um pavilhão ou ala para outra, passam pelos detectores também. Livros, pastas, papéis e até a garrafa de água tem que passar pelo detector.
O presídio tem câmeras fotográficas próprias. Eles mesmos registram atividades religiosas, médicas e educacionais e nos enviam as fotos posteriormente. Está rolando uma foto da parede quebrada dentro da cela. Acho MUITO difícil que seja verdadeira.
O presídio é feito para funcionar e funciona. Essa fuga precisa ser investigada com todo rigor. Em dois anos circulando pelos corredores, nunca vi presos perto de onde tem obras, nunca vi prestadores de serviço próximo às celas, nunca vi erro.
Nunca vi coisas estranhas. Policiais penais educados, chamam os presos pelo nome, pedem licença ao entrar na sala de aula, pedem que a gente saia para retirá-los e levar de volta pras celas.
Eu já cometi uma ou outra gafe, mas nada comprometedor. Num momento de descontração de uma aula, eu mencionei o bairro em que eu morava em Natal. Levei uma cotovelada na hora e entendi que tudo lá tem que ser dito com muito cuidado.
As Penitenciárias Federais brasileiras são referências. Uma falha como essa deve ser apurada com rigor e sem populismo penal. É preciso levar em consideração a atuação de organizações criminosas na coação de funcionários e terceirizados. Como fugir dela usando um alicate?
Muita gente me mandando mensagem perguntando o que eu acho de forma bem objetiva. Eu aposto na tese de que algum funcionário foi coagido, teve parente sequestrado ou alguma coisa muito grande. Não creio muito em fuga comprada. A organização criminosa não pode ser subestimada NUNCA.
Texto de professor Guto. Professor, pesquisador, palestrante, cientista social (UERN e UFRN). Especialista em Segurança Pública e Sistema Prisional.
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