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Era uma vez um balão de gás

Era uma vez um balão de gás

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Uma das alegrias das crianças, numa época em que se brincava nas ruas, era correr arrastando balões coloridos inflados a gás. Era uma festa a chegada de circos e parques de diversões trazendo o homem das “bexigas” e o seu enorme cilindro de gás. E o descuido das crianças era fatal, quando um balão sumia no céu para o desespero de seu pequeno condutor. Hoje raramente se vê crianças admirando esses balões coloridos.

Houve ainda uma época em que automóveis de passeio e de trabalho começaram a ser objetos de desejo de muito poucos endinheirados. Era o sensacional “Ford Modelo T” ou “Ford Bigode”. Aliás, esses fordinhos trilharam e forjaram as estradas da fronteira com o Paraguai e do Pantanal, substituindo os carros de bois que traziam e levavam mercadorias e passageiros. Ao mesmo tempo, o mundo também mudou acelerado pelas transformações e rupturas provocadas pelos avanços da tecnologia nas comunicações, na energia, nos transportes e outros mais, e em decorrência dos conflitos mundiais que aconteceram até meados do século XX.

A Segunda Guerra Mundial foi um desses acontecimentos que afetou o Brasil e enviou soldados para o “front” europeu, onde muitos perderam suas vidas. Enquanto o território brasileiro permaneceu distante da crueza do front, esse grande conflito permitiu que o país se voltasse ao esforço de guerra, produzindo bens de consumo para o abastecimento das áreas conflagradas. Isso permitiu, coisa rara na história brasileira, um acúmulo favorável no saldo da nossa balança comercial.   

Com o fim da guerra, as nações vitoriosas e poderosas, mas endividadas, passaram a “empurrar” sucatas industrializadas e quinquilharias diversas aos países pobres, como o Brasil. Em pouco tempo voltamos a amargar o velho e histórico déficit da balança comercial. Era presidente, na época, o general Eurico Gaspar Dutra, cuiabano de “chapa e cruz”. Em contrapartida, a modernidade espalhou e democratizou bens de consumo por todos os rincões brasileiros.

O velho fogão de lenha foi superado pelos fogões a gás. As primeiras geladeiras domésticas que surgiram na praça podiam funcionar a gás ou a querosene, onde a energia elétrica ainda era um luxo. O petróleo tornou-se vital, com seus derivados, na construção e no desenvolvimento das grandes potências. Foi a peça fundamental na mobilização das tropas no conflito mundial, e motivou muitas outras guerras pelo seu controle.

Pouco tempo depois, o governo de Juscelino Kubitschek com seu plano de desenvolvimento para avançar “cinquenta anos em cinco”, teve como prioridade o setor de transportes com a implantação de indústrias estrangeiras de montagem de carros. O país foi paulatinamente inundado de automóveis de todos os tipos, mas com uma malha rodoviária muito limitada, frágil e esburacada como queijo suíço.

De lá para cá, dependendo do fornecimento e das oscilações no mercado internacional de petróleo, e sofrendo suas cíclicas crises, o Brasil anunciou outros caminhos (incluindo a Petrobrás e seus esforços para desenvolver tecnologia de ponta), com o surgimento de uma idéia luminosa: utilizar o gás como alternativa barata para movimentar a gigantesca frota de veículos do país. Assim, incentivados pelo merchandising do governo, muitos proprietários de carros de passeio e utilitários embarcaram nessa canoa furada. Mas, ao “vender” no mercado interno a panaceia do gás, o governo federal não desenvolveu o setor das indústrias de base e de infraestrutura, como a construção de termoelétricas, fundamentais para a economia nestes tempos de crise energética e de “apagões”.

O governo tirou ainda outro coelho da cartola:  investiu nas reservas de gás boliviano e na construção de um imenso gasoduto. Mas esqueceu de combinar com os bolivianos o que eles deveriam fazer diante dos investimentos brasileiros em seu país. O atual (que parece eterno) presidente da Bolívia, Evo Morales, cumprindo suas promessas de campanha, deu uma rasteira na política energética brasileira, quebrou contratos, nacionalizou a Petrobrás em seu território, impôs arrochos tributários e provocou um desastroso prejuízo na nossa economia. Até os corumbaenses ficaram no prejuízo, pois esperavam uma injeção de desenvolvimento a partir do gasoduto e da construção (abortada) de termoelétricas na região.

Além do fantasma do “apagão elétrico”, tivemos em certa época um “apagão de gás” no eixo Rio-São Paulo, deixando muitos donos de carros movidos a gás veicular a pé e com cara de trouxas, e ainda empresários e responsáveis por termoelétricas, apavorados.

Na época, muito espertamente, o presidente Lula reagiu com declarações minimizando a crise do gás e afirmando que foi uma “coisinha de nada” e que não faltaria gás. Na contramão dessas declarações, o seu ministro de Minas e Energia, Nelson Hubner, deitou falação desaconselhando conversões de carros a gás, deixando como bobos os empresários que acreditaram na propaganda do governo e investiram na prestação de serviços para a modificação dos carros e na adaptação de postos de combustível. O governo de Mato Grosso do Sul gastou milhões para quebrar o asfalto e instalar uma caríssima rede de distribuição de gás.

Até a minha sogra, Dona Maria Ignez, que não é a velhinha de Taubaté, mas acredita em tudo que vê e ouve na televisão, ficou ressabiada diante do anuncio feito pela então ministra Dilma Roussef, sobre as maravilhosas descobertas de novas reservas de petróleo e de gás. 

Dilma tornou-se presidente, sucedendo Lula e nada mais nada foi dito sobre a necessidade de investir pesadamente em novas tecnologias para explorar os milhares de barris de petróleo, que dizem existir nas profundezas do mar.  Seu governo acabou, explodiu o escândalo do Petrolão, e todos sabemos em que situação vivemos hoje. A Petrobrás continua pelo terceiro ano consecutivo a amargar prejuízos. Agora é colocar todas as nossas esperanças na Lava Jato e nas possíveis mudanças na política de investimentos em energia e demais urgências.

O futuro de estabilidade econômica, de desenvolvimento sustentável e de (pelo menos) diminuição da desigualdade social está voando nos céus como um balão de gás colorido, lindo, mas quase irrecuperável.

Valmir Batista Corrêa

Foto de Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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