Guerra e Paz no Oriente Médio: Quantos cozinheiros são necessários para estragar uma sopa?

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O Secretário-Geral da ONU, Sr. Antônio Guterres, escreveu um artigo pedindo o fim do “ciclo horrível de violência e derramamento de sangue em constante escalada” no Oriente Médio, a propósito das ações das Forças de Defesa de Israel em Gaza.  

O Sr. Guterres foi Primeiro-Ministro de Portugal e Secretário-Geral do Partido Socialista Português.  É um político experiente que tem um dos cargos mais difíceis do mundo, tentando equilibrar as ambições políticas de seus 193 “chefes”, os países soberanos que compõem a ONU.

Ao contrário do que muita gente pensa, o Secretariado da ONU não tem nenhum poder para mandar nesses países.  Pelo contrário, a ONU só pode agir se receber um mandato de seus países membros.   

O Sr. Guterres não é ingênuo, mas faz o seu papel ao usar palavras moderadas.  Ele disse que “as duas partes neste conflito não podem alcançar uma solução sem ação coordenada e forte apoio de nós, a comunidade internacional”.  Mas, respeitosamente, ele parece ter omitido alguns pontos: 

1) Nunca houve forte apoio da comunidade internacional.  O que há é uma forte falta de consenso devido aos fortes interesses geopolíticos na região.  Não se trata apenas de um conflito entre duas partes, Israel e Hamas.  Na verdade, isso é sintoma de um conflito maior entre o Ocidente, China/Rússia e ramificações do fundamentalismo islâmico.  Mas isso o Secretário-Geral da ONU não pode dizer.

Há um sábio ditado português: “muitos cozinheiros estragam a sopa”. Nesse caso, a paz necessariamente parece depender de muitas mãos. 

Isso é muito importante: não é Israel que estaria causando um conflito mundial.  Israel é um peão em uma complicada “guerra por procuração” (proxy war) no xadrez mundial entre ideologias rivais que testam sua força e suas armas.   Segundo o Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo, os gastos militares mundiais foram de 2.2 bilhões de dólares no ano passado.  As ações das indústrias de defesa já valorizaram em média 5% desde o início dessa guerra.

O Brasil, como presidente temporário do Conselho de Segurança, tenta protagonizar um papel de pacificador imparcial.  Mas, talvez inspirado por um viés político-partidário, se revela cada vez mais tendencioso ao apoiar um dos lados no conflito, agravando seus aliados tradicionais no Ocidente.  Isso é bom para os brasileiros?   

2) O Hamas sempre usou Gaza para atacar Israel com mísseis e através de túneis. A ONU nunca teve uma forte ação coordenada para impedir isso.

3) Relembrando fatos:  a Resolução 181 (Resolução da Partilha) aprovada pela ONU em 1947 estabeleceu a criação de um estado judeu e um estado árabe.  Em maio de 1948, Israel declarou a sua independência. No dia seguinte, o pequeno país recém-criado foi imediatamente invadido pelos exércitos do Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e Síria, mas venceu.

4) Ao contrário de Israel, o Egito e a Jordânia não apoiaram a criação de um novo Estado árabe em 1948, que poderia ter se chamado “Palestina”, ou qualquer outro nome. O Egito controlou a Faixa de Gaza e a Jordânia controlou a Cisjordânia até 1967, quando o Egito, a Síria e a Jordânia invadiram novamente Israel. Estes países foram derrotados na chamada “Guerra dos Seis Dias”.  

5) Em 2005 Israel devolveu Gaza espontaneamente para o Egito, em um gesto de paz.  Gaza passou a ser administrada pela Autoridade Palestina do partido Fatah, fundado por Yasser Arafat.

6) Em 2007 o Hamas assassinou membros da Fatah/Autoridade Palestina e tomou o poder em Gaza.

7) As “eleições” do Hamas nunca foram supervisionadas pela ONU ou por qualquer órgão internacional imparcial.

8) O Hamas sempre usou a população palestina como escudos humanos.

9) O Hamas é considerado uma organização terrorista pela União Europeia, EUA, Canadá, Japão, Austrália, Nova Zelândia e outros países civilizados.

10) O Hamas não quer paz. Eles querem destruir Israel e todos os judeus.  E depois os cristãos. Eles acham que vão para o paraíso ao derramarem sangue infiel.

11) O Irã tem um objetivo parecido: seu fortalecimento na região, incluindo, segundo alguns, o restabelecimento de um califado no Oriente Médio.  O Departamento de Estado dos EUA considera o povo do Irã “brutalmente subjugado por uma teocracia religiosa contra o Ocidente”.  O maior rival geopolítico do Iran é a Arábia Saudita.

12) A Arábia Saudita estava para assinar um acordo de paz histórico com Israel, intermediado pelos EUA.  Com o conhecimento do Irã, o Hamas foi particularmente brutal ao massacrar civis inocentes e temporariamente conseguiu sustar o andamento da paz entre Arábia Saudita e Israel.

13) Esse teria sido o primeiro passo na direção de uma paz duradoura na região.  Isso teria colocado as ambições do Irã em segundo plano. O Irã já se posicionou a favor da destruição de Israel.

14) A China agora tenta ser protagonista de uma “paz” entre Irã e Arábia Saudita, mas na verdade também quer expandir sua influência no Oriente Médio.

15) O objetivo militar imediato de Israel é muito claro: acabar com o potencial militar do Hamas para que nunca mais ataque Israel.  O Hamas não tem apenas 199 reféns israelenses. Tem 2 milhões de reféns palestinos vivendo sob seu domínio.

16) O pedido do Secretário-Geral, em termos históricos, equivaleria a um pedido para que os aliados não bombardeassem a Europa nazista na Segunda Guerra Mundial para não ameaçar a vida de civis alemães.

17) Os alemães eram na verdade “reféns” de Hitler e, após entenderem isso, nunca o perdoaram.  A Alemanha se reergueu e hoje é um país rico e civilizado, com fortes leis contra o nazismo.

18) Se existir de verdade um “forte apoio internacional”, seria desejável vermos os palestinos se reerguendo das cinzas e vivendo em paz com seus vizinhos, livres da ditadura do Hamas.

Para isso, só precisaríamos de uma “ação coordenada e forte da comunidade internacional”.

Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista, tendo 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior para inovação e políticas públicas da ONU em Nova York.   

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