Guerra e Paz no Oriente Médio: Quantos cozinheiros são necessários para estragar uma sopa?
23/10/2023 às 08:40 Ler na área do assinanteO Secretário-Geral da ONU, Sr. Antônio Guterres, escreveu um artigo pedindo o fim do “ciclo horrível de violência e derramamento de sangue em constante escalada” no Oriente Médio, a propósito das ações das Forças de Defesa de Israel em Gaza.
O Sr. Guterres foi Primeiro-Ministro de Portugal e Secretário-Geral do Partido Socialista Português. É um político experiente que tem um dos cargos mais difíceis do mundo, tentando equilibrar as ambições políticas de seus 193 “chefes”, os países soberanos que compõem a ONU.
Ao contrário do que muita gente pensa, o Secretariado da ONU não tem nenhum poder para mandar nesses países. Pelo contrário, a ONU só pode agir se receber um mandato de seus países membros.
O Sr. Guterres não é ingênuo, mas faz o seu papel ao usar palavras moderadas. Ele disse que “as duas partes neste conflito não podem alcançar uma solução sem ação coordenada e forte apoio de nós, a comunidade internacional”. Mas, respeitosamente, ele parece ter omitido alguns pontos:
1) Nunca houve forte apoio da comunidade internacional. O que há é uma forte falta de consenso devido aos fortes interesses geopolíticos na região. Não se trata apenas de um conflito entre duas partes, Israel e Hamas. Na verdade, isso é sintoma de um conflito maior entre o Ocidente, China/Rússia e ramificações do fundamentalismo islâmico. Mas isso o Secretário-Geral da ONU não pode dizer.
Há um sábio ditado português: “muitos cozinheiros estragam a sopa”. Nesse caso, a paz necessariamente parece depender de muitas mãos.
Isso é muito importante: não é Israel que estaria causando um conflito mundial. Israel é um peão em uma complicada “guerra por procuração” (proxy war) no xadrez mundial entre ideologias rivais que testam sua força e suas armas. Segundo o Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo, os gastos militares mundiais foram de 2.2 bilhões de dólares no ano passado. As ações das indústrias de defesa já valorizaram em média 5% desde o início dessa guerra.
O Brasil, como presidente temporário do Conselho de Segurança, tenta protagonizar um papel de pacificador imparcial. Mas, talvez inspirado por um viés político-partidário, se revela cada vez mais tendencioso ao apoiar um dos lados no conflito, agravando seus aliados tradicionais no Ocidente. Isso é bom para os brasileiros?
2) O Hamas sempre usou Gaza para atacar Israel com mísseis e através de túneis. A ONU nunca teve uma forte ação coordenada para impedir isso.
3) Relembrando fatos: a Resolução 181 (Resolução da Partilha) aprovada pela ONU em 1947 estabeleceu a criação de um estado judeu e um estado árabe. Em maio de 1948, Israel declarou a sua independência. No dia seguinte, o pequeno país recém-criado foi imediatamente invadido pelos exércitos do Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e Síria, mas venceu.
4) Ao contrário de Israel, o Egito e a Jordânia não apoiaram a criação de um novo Estado árabe em 1948, que poderia ter se chamado “Palestina”, ou qualquer outro nome. O Egito controlou a Faixa de Gaza e a Jordânia controlou a Cisjordânia até 1967, quando o Egito, a Síria e a Jordânia invadiram novamente Israel. Estes países foram derrotados na chamada “Guerra dos Seis Dias”.
5) Em 2005 Israel devolveu Gaza espontaneamente para o Egito, em um gesto de paz. Gaza passou a ser administrada pela Autoridade Palestina do partido Fatah, fundado por Yasser Arafat.
6) Em 2007 o Hamas assassinou membros da Fatah/Autoridade Palestina e tomou o poder em Gaza.
7) As “eleições” do Hamas nunca foram supervisionadas pela ONU ou por qualquer órgão internacional imparcial.
8) O Hamas sempre usou a população palestina como escudos humanos.
9) O Hamas é considerado uma organização terrorista pela União Europeia, EUA, Canadá, Japão, Austrália, Nova Zelândia e outros países civilizados.
10) O Hamas não quer paz. Eles querem destruir Israel e todos os judeus. E depois os cristãos. Eles acham que vão para o paraíso ao derramarem sangue infiel.
11) O Irã tem um objetivo parecido: seu fortalecimento na região, incluindo, segundo alguns, o restabelecimento de um califado no Oriente Médio. O Departamento de Estado dos EUA considera o povo do Irã “brutalmente subjugado por uma teocracia religiosa contra o Ocidente”. O maior rival geopolítico do Iran é a Arábia Saudita.
12) A Arábia Saudita estava para assinar um acordo de paz histórico com Israel, intermediado pelos EUA. Com o conhecimento do Irã, o Hamas foi particularmente brutal ao massacrar civis inocentes e temporariamente conseguiu sustar o andamento da paz entre Arábia Saudita e Israel.
13) Esse teria sido o primeiro passo na direção de uma paz duradoura na região. Isso teria colocado as ambições do Irã em segundo plano. O Irã já se posicionou a favor da destruição de Israel.
14) A China agora tenta ser protagonista de uma “paz” entre Irã e Arábia Saudita, mas na verdade também quer expandir sua influência no Oriente Médio.
15) O objetivo militar imediato de Israel é muito claro: acabar com o potencial militar do Hamas para que nunca mais ataque Israel. O Hamas não tem apenas 199 reféns israelenses. Tem 2 milhões de reféns palestinos vivendo sob seu domínio.
16) O pedido do Secretário-Geral, em termos históricos, equivaleria a um pedido para que os aliados não bombardeassem a Europa nazista na Segunda Guerra Mundial para não ameaçar a vida de civis alemães.
17) Os alemães eram na verdade “reféns” de Hitler e, após entenderem isso, nunca o perdoaram. A Alemanha se reergueu e hoje é um país rico e civilizado, com fortes leis contra o nazismo.
18) Se existir de verdade um “forte apoio internacional”, seria desejável vermos os palestinos se reerguendo das cinzas e vivendo em paz com seus vizinhos, livres da ditadura do Hamas.
Para isso, só precisaríamos de uma “ação coordenada e forte da comunidade internacional”.
Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista, tendo 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior para inovação e políticas públicas da ONU em Nova York.
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