“Em política o que importa é a versão, não o fato”. (Gustavo Capanema (1900-1985), político e ex-ministro da Educação).
É do jogo!
Essa foi a frase mais repetida pelos parlamentares governistas que tomaram de assalto a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigava a baderna ocorrida no dia 8 de janeiro. Desordem essa que já havia ocorrido em governos anteriores, todas praticadas por petistas/comunistas e seus satélites que nunca foram presos e nem chamados de terroristas.
Mas essa invasão, segundo a imprensa, foi cometida por elementos ligados ao Presidente Jair Bolsonaro. Então é golpe! Sim, bradaram aos quatro ventos os jornais, tvs, rádios que hoje, desavergonhadamente, funcionam como porta-voz do governo: são todos golpistas! A invasão dos prédios é um golpe de estado! São terroristas!
Prenderam todos. E aí descobriram que não havia armas, nem tanques, nem bombas, nem metralhadoras, nem exército, nem sangue. Os invasores, em sua maioria portavam Bíblias. Velhinhas. Velhinhos. Homens. Mulheres. Trabalhadores. Jovens e vagabundos infiltrados.
Desconfiados os parlamentares da oposição e o resto do país que possui mais de dois neurônios se perguntava:
- “Como o lugar mais vigiado da nação permite a entrada, graciosamente, de elementos desarmados que promovem um quebra-quebra durante horas sem a segurança reagir, sem fazer absolutamente nada. Como e por que isso foi possível”?
E resolveram criar uma CPI que investigasse as ocorrências. O governo, que deveria ser o principal interessado no esclarecimento dos fatos, esperneou, gritou, disse que era contra e batalhou para que não houvesse CPI. Mesmo assim a Oposição conseguiu as assinaturas e a CPI foi instalada.
Por que o governo Lula, um dos mais corruptos da historia do Brasil e seus asseclas que hoje compõem o governo, mais a imprensa abocada de forma indecorosa nas tetas gordas do governo, junto com artistas, influenciadores, ONGs, apresentadores, de modo obsceno afirmavam que a Oposição iria dar “um tiro no pé”? Por que todos os agentes do governo e parlamentares não queriam a investigação?
Ora, se eram terroristas deviam ser investigados! Se eram golpistas tudo devia ser averiguado para saber que tipo de golpe é esse inventado no Brasil, algo inédito no mundo, onde os invasores não possuem armas, nem tanques, nem Exército!
Instalada a CPI, o governo do Presidente mais corrupto da história do Brasil tratou de pervertê-la, desmoralizá-la e ordenou que seus áulicos tomassem de assalto a CPI que é uma prerrogativa da Oposição nos governos democráticos.
E assim foi feito. Os que não assinaram, os que não desejavam, agora eram os “donos” da CPI. Tudo se passaria como eles ambicionavam. Estavam no comando. A narrativa, não a verdade, seria explicada ao país por eles. E coube a uma mulher a relatoria da CPI. Ela não havia assinado a CPI. Era uma das vozes que gritavam contra a instalação da CPI. Mas agora era a Relatora. Um braço do Ministro da Justiça, Flávio Dino, dentro da CPI. E de forma vil ela não negou a relação. Uma vergonha para todas as mulheres que lutam por dignidade e direitos. Infame o seu comportamento e desempenho. Eliziane Gama é o seu nome.
É do jogo, afirmaram todos os governistas e demais lambe-botas da situação!
Em 1955, Nelson Rodrigues escreveu um texto intitulado “Conveniência de Ser Covarde”:
- “Há tempos, fui à rua Bariri, ver um jogo do Fluminense... Nos primeiros trinta minutos, houve tudo, rigorosamente tudo, menos futebol. Uma vergonha de jogo, uma pelada alvar, que não valia os cinco cruzeiros do lotação. E, súbito, ocorre o episódio inesperado, o incidente mágico, que veio conferir ao match (jogo) de quinta classe uma dimensão nova e eletrizante.
Eis o fato: - um jogador qualquer enfiou o pé na cara do adversário. Que fez o juiz? Arremessa-se, precipita-se com um élan de Robin Hood e vem dizer as últimas ao culpado. Então, este não conversa: - esbofeteia o árbitro”.
Pois é, amigos, assim como o juiz da crônica de Nelson Rodrigues, o povo brasileiro levou um tapa da bancada governista. Ao tomar de assalto a CPI da oposição, o ato infame repercutiu pelas redes sociais e o povo esbofeteado, atônito, não sabia o que pensar ou fazer.
- “Ora, um tapa não é apenas um tapa: - é, na verdade, o mais transcendente, o mais importante de todos os atos humanos. Mais importante que o suicídio, que o homicídio, que tudo o mais. A partir do momento em que alguém dá ou apanha na cara, inclui, implica e arrasta os outros à mesma humilhação. Todos nós ficamos atrelados ao tapa”.
Depois do “tapa” no povo, lambendo os beiços de satisfação, a Relatora iniciou os trabalhos que consistia em ouvir apenas o que lhe interessava. Quem a oposição convocava a Relatora, ou fazia ouvidos de mercador ou se ausentava da mesa.
-“... Mas o episódio não esgotara ainda o seu horror. Restava o desenlace: - a fuga do homem. Pois o juiz esbofeteado não teve meias medidas: - deu no pé. Convenhamos: - é empolgante um pânico assim taxativo e triunfal, sem nenhum disfarce, nenhum recato. Digo "empolgante" e acrescento: - raríssimo ou, mesmo, inédito”.
Isso mesmo, amigos, o juiz esbofeteado correu. Deu no pé, segundo Nelson. A oposição, não. Aguentou firme todo desenrolar da farsa em que se transformou a CPI. O povo atordoado e o governo em festa. Eliziane Gama posava de heroína da CPI que não havia assinado e dava entrevistas afirmando que puniria “os golpistas”...
- “Via de regra, só o heroísmo é afirmativo, é descarado. O herói tem sempre uma desfaçatez única: - apresenta-se como se fosse a própria estátua equestre. Mas a covardia, não. A covardia acusa uma vergonha convulsiva. Tenho um amigo que faz o seguinte: - chega em casa, tranca-se na alcova, tapa o buraco da fechadura e só então, na mais rigorosa intimidade - apanha da mulher. Mas cá fora, à luz do dia, ele é um Tartarin, um Flash Gordon, capaz de varrer choques de polícias especiais”.
Assim, como descreve Nelson, se comportaram todos os que não assinaram a CPI. A covardia, o medo de assinar, depois o esforço para tomar as rédeas da investigação, para aprovar apenas os intimados que diriam aquilo que a situação queria ouvir.
-“Pois bem. Ao contrário dos outros covardes, que escondem, que renegam, que desfiguram a própria covardia - o juiz correu como um cavalinho de carrossel”.
Eliziane, a Relatora, após cinco meses de “trabalhos”, apresentou e aprovou o relatório final que aponta o ex-presidente como responsável pelos atos, que ela, o governo e a imprensa chamam de “golpistas de 8 de janeiro”. Nele pede o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (que nunca foi ouvido) e de outras 60 pessoas, incluindo cinco ex-ministros... O relatório foi aprovado por 20 votos a 11, sem abstenções.
O povo esbofeteado não reagiu, apenas ficou pasmo, com um sentimento de espanto e surpresa diante de algo que não se espera. Assombrado perante tanto cinismo de Eliziane e seus pares governistas.
O relatório aprovado pede que Bolsonaro seja indiciado por quatro crimes: associação criminosa; golpe de Estado; abolição violenta do Estado democrático de Direito e emprego de ações para impedir o livre exercício de direitos políticos. Somadas, as penas podem chegar a 29 anos de prisão.
- “Note-se: há hoje toda uma monstruosa técnica de divulgação, que torna inexequível qualquer espécie de sigilo. E, logo, a imprensa e o rádio envolveram o árbitro. Essa covardia fotografada, irradiada, televisionada projetou-se irresistivelmente. E quando, em seguida, a polícia veio dar cobertura ao árbitro, este ainda rilhava os dentes, ainda babava materialmente de terror”.
No documento de 1.333 páginas, a relatora afirma que "Bolsonaro nunca nutriu simpatia por princípios republicanos e democráticos". "Prova disso é a extensa documentação trazida ao conhecimento desta CPI e que comprova tais fatos", declarou Eliziane.
É do jogo, afirmaram os governistas. Não, isso nunca foi do jogo, afirmo eu, na minha tola ingenuidade. O jogo tem regras escritas, mas também tem regras morais, éticas, que não estão registradas.
- “Acabado o match (jogo) a multidão veio passando, com algo de fluvial no seu lerdo escoamento. Mas todos nós, que só conseguimos ser covardes às escondidas, tínhamos inveja, despeito e irritação dessa pusilanimidade que se desfraldara como um cínico estandarte”.
Sim, agora que está tudo acabado, Eliziane e seus pares governistas, sorridentes, acreditam que os brasileiros ficaram com inveja de seus atos, de seu desempenho. Ela, o governo, deputados e senadores nos deram uma lição de covardia. Às claras. Abertamente. Sem medo de ser feliz, orgulhosamente, hastearam a bandeira da fraqueza moral para que todos vissem e soubessem com quem estão lidando. Assim como o árbitro da crônica de Nelson Rodrigues.
Carlos Sampaio
Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)