Corrupção nos campos de futebol

11/02/2017 às 14:41 Ler na área do assinante

Tudo começou quando Charles Miller, nascido no Brás, bairro da cidade de São Paulo, foi estudar na Inglaterra. Quando voltou ao país, em 1894, trouxe na sua bagagem uma bola de um novo jogo que usava o movimento das pernas. Nasceu no Brasil, então, uma grande paixão nacional: o futebol, antigamente chamado de esporte bretão. E nesse belo esporte já fomos 5 vezes campeões mundiais.

O futebol é um esporte que leva milhares de torcedores aos estádios, com manifestações de alegria, tristeza e até de violência que, infelizmente, acontecem em muitos lugares.  Não se pode omitir que o futebol, pelas dimensões que hoje tem movimentado muito dinheiro, convive uma gama de indivíduos que se locupletam desse setor da economia do esporte profissional. Refiro-me aos cartolas, presidentes de clubes, diretores de clubes e empresários de jogadores que enriquecem e se perpetuam no poder nos principais clubes brasileiros. São empresários que, como mafiosos, estabelecem contratos leoninos e tiram proveito de jovens que sonham um dia atingir a glória e a riqueza através dos seus pés na bola.

Esse viés empresarial foi combatido através de leis encabeçadas por grandes craques do passado: Pelé e Zico. Esta legislação permitiu uma relativa proteção aos jogadores, que eram a parte mais vulnerável nesses negócios. Em contrapartida, os clubes de futebol ficaram em papos de aranha, arcando com os prejuízos e muitos deles encontrando-se completamente falidos.

Agora, existe outra legislação chamada Estatuto do Torcedor, desafiada por muitos indivíduos que não sabem se comportar em público, e nem se preocupar com as represálias da lei. Segundo esta norma, é obrigatório fazer o cadastro dos membros das torcidas organizadas, que se tornaram verdadeiras gangues e têm denegrido a imagem do torcedor e quase sempre estão a serviço (financiadas) por cartolas. O torcedor malcriado e com más intenções (quando não for, de fato, um bandido) precisa se cuidar.

Essa legislação prevê o controle de bebidas alcoólicas nos estádios, mensagens políticas e ofensas discriminatórias e também o arremesso de objetos, fogos de artifício e invasão do campo. Mesmo assim, continuo a ver imbecis levando e acendendo sinalizadores nas arquibancadas. Parece até que não serviu de lição a morte de um menino boliviano por um sinalizador atirado por um torcedor irresponsável. Para esses palhaços o castigo é a expulsão dos estádios e, se pertencem às torcidas organizadas, as mesmas são responsabilizadas e afastadas dos estádios por prazos de meses.

Mas, será que esta legislação está sendo aplicada com rigor?

A lei é tão rigorosa que o malfeitor que provocar tumulto ou violência num raio de 5 km do estádio, ou mesmo portar equipamentos para seu uso em brigas de rua e a prática de violência, pode pegar até dois anos de prisão e mais multa. Com isso, famílias que admiram e torcem pelos seus times favoritos podem frequentar os estádios brasileiros com tranquilidade elevar suas crianças.

 A corrupção que envolve, em muitos e lamentáveis casos, cartolas e juízes de futebol pode estar com os dias contados (será?) e quem ganha com isso é a lisura do futebol brasileiro. Fatos muitas vezes denunciados sem a correspondência penal podem agora receber punição de até 6 anos de prisão mais multas. Espera-se que os cafajestes manipuladores de resultados sob suborno, especialmente aqueles que transformam o futebol em negócio particular e ilícito, estejam em extinção.

Deixei para o fim a referência a uma atividade que me incomoda muito: a ação dos cambistas que infestam os arredores dos estádios e os guardadores de carros, os tais “flanelinhas”. A lei é clara quanto aos vendedores clandestinos que vendem a preços extorsivos os ingressos de partidas importantes, bem diferente do preço impresso no bilhete. Estes espertalhões também podem pegar até dois anos de prisão mais multa. Neste nefasto negócio, o cambista não age sozinho, pois ele só existe porque é uma ação de mão dupla. Explico. O cambista conta com a parceria de quem vende os bilhetes, ou seja, esse revoltante negócio começa nas bilheterias. Nestes casos, a lei é dura para esses vendedores com pena que pode chegar até 4 anos mais multa. E não fica nisso, pois a pena pode ser agravada em 1/3 para quem forneceu bilhetes aos cambistas, se forem servidores públicos, dirigentes da organização do evento ou mesmo empresas responsáveis pelos ingressos. Isso sem falar dos ingressos falsificados, como ocorreu até nas Olimpíadas recentemente.

Como no Brasil tudo pode acabar em pizza, basta andar em volta dos grandes estádios, ou mesmo relembrar as negociatas na Copa do Mundo e nas Olimpíadas, pois a malandragem grassa ainda. E a violência também.

Pobre futebol. Pobres torcedores. Não bastam os dissabores que temos com políticos e administradores públicos para nos entristecer. A corrupção contamina tudo, até as nossas paixões.

Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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