Nunca na história deste país, a mulher esteve tão desprotegida como agora

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Mais de oito mulheres estupradas por hora, 205 por dia ou 6.244 casos por mês. Esse é o número oficial publicado no Anuário de Segurança Pública divulgado na quinta-feira (20). Como se não bastasse, mais de 61% das vítimas têm até 13 anos de idade. Esses são os dados do ano passado, em que foram registrados 74.930 estupros em todo o Brasil. 

Pasme, mas em 64,4% dos casos em que a vítima possui até 13 anos de idade, o abusador é um membro da família e quando ela tem mais de 14 anos, esse número cai para 37,9%, ainda absurdo. 

Só que a situação é de maior descalabro, porque os casos de violência contra a mulher são os campeões de subnotificação no país. A censura da sociedade, a vergonha, a culpa, o medo de represálias – tudo concorre para que a mulher não proceda ao registro de ocorrência policial. Assim, a realidade fática aponta, pelo menos, para o dobro desses números. 

Esses números estratosféricos são o resultado de políticas públicas ineficientes ou quase inexistentes, incrementados por um machismo cultural exacerbado, falta de investimento na preparação de uma polícia realmente especializada e na sensação de impunidade que reina no nosso país – ou seja, um total descaso das autoridades públicas no que se refere à proteção da mulher. 

O Brasil virou referência do turismo sexual e o governo é omisso, quando não é complacente com campanhas publicitárias repletas de mensagens subliminares estimulando essa atividade lucrativa. Ora, o turista traz divisas para a nossa economia...

Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Estranhamente essas estatísticas da criminalidade são divulgadas com um “delay” abissal - os números de 2022 só foram apresentados agora, no segundo semestre de 2023. Sete meses para reunir dados que constam em sistemas informatizados e que extraem relatórios quase que de forma automática é, no mínimo, curioso. 

Mas nada é tão ruim que não possa piorar, pois a percepção é que nesse ano o  panorama tenha se agravado ainda mais, o que só poderá ser constatado no segundo semestre do ano que vem. 

Como se não bastasse, no mesmo dia em que foram divulgados esses números, o ministro da Justiça, Flávio Dino, publicou uma lista de ações a serem adotadas pelo governo para combater essa criminalidade covarde e cruel e, dentre essas ações, está o controle de armas, quando se sabe que a sociedade armada é o inibidor mais eficaz para essa espécie de delito (e todos os outros).

Dessa forma, a atuação do Ministério da Justiça está para o combate à criminalidade como um macaco solto em casa de louças e cristais. Só nos restará catar os cacos em 2026. 

De que adianta uma legislação dura se a política pública criminal é benevolente com o criminoso? É liberdade condicional, progressão do regime de pena, saidinhas de feriado, auxílio-reclusão que ultrapassa o salário do trabalhador, tudo conspira de molde a estimular a prática criminosa. 

O pior é ver um governo eleito defendendo a bandeira das minorias e dos mais desprotegidos e praticando atos totalmente contrários a essas causas. 

Nunca, na história desse país, a mulher esteve tão desprotegida quanto agora.

Realmente, o amor venceu.

Foto de Carlos Fernando Maggiolo

Carlos Fernando Maggiolo

Advogado criminalista e professor de Direito Penal. Crítico político e de segurança pública. Presidente da Associação dos Motociclistas do Estado do Rio de Janeiro – AMO-RJ. 

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