Brasil, um oásis a céu aberto para o tráfico humano
15/07/2023 às 19:00 Ler na área do assinanteAntes de mergulharmos nessa crise que assola o país de ponta a ponta, da educação à saúde, passando pela economia, segurança pública e agora, recentemente, aprofundada para uma crise ideológica, moral e ética, o Brasil já vivia tempos obscuros em matéria de criminalidade.
Se com a nação economicamente estabilizada, o tráfico humano já imperava em nossas terras, imaginem daqui por diante, com o país caindo em queda livre nesse precipício comunista, em que a miséria e a fome vão tomar de assalto as famílias brasileiras. Preparem-se para o caos!
No macabro leque de segmentos de atuação do crime organizado, um especialmente merece destaque, seja pela natureza cruel, covarde e desumana desse ramo criminoso, seja pelo rastro invisível que vai deixando pelo caminho, imperceptível à sociedade: estamos falando do tráfico de pessoas.
Em todo o Planeta, o tráfico de pessoas é o terceiro negócio ilícito mais rentável, em seguida ao tráfico de drogas e de armas. A prática desse crime não exclui nenhum país, nem indivíduos, mesmo que mulheres, crianças e adolescentes sejam as principais vítimas. Os países mais vulneráveis ao tráfico de seres humanos e à exploração sexual são os marcados pela pobreza, instabilidades políticas, desigualdades econômicas, países que não oferecem possibilidade de trabalho, educação e perspectivas de futuro para os jovens.
Quem não lembra dos navios negreiros? Essa página da História marca o séc. XV a XVII da nossa civilização. Os romanos, muito antes disso, já escravizavam os povos conquistados na Idade Média ( de 476 a 1453). Apesar de atual, o tráfico humano acontece há séculos.
Como não poderia deixar de ser, num segundo momento através dos navios negreiros, mulheres europeias eram trazidas por redes internacionais de traficantes para as colônias dos Estados Unidos, com o fim de trabalharem como prostitutas, além de serem traficadas dentro do próprio continente europeu. Em decorrência do pânico causado pelo tráfico de escravas brancas que o mundo começa a reivindicar mecanismos de erradicação dessa prática criminosa – e isso foi no século XIX.
A partir de 1904 surgem os primeiros instrumentos legais para combater o tráfico nacional e internacional de mulheres, que mais tarde foi chamado de tráfico de pessoas. As convenções compreendiam o tráfico como todo ato de captura ou aquisição de um indivíduo para vendê-lo ou trocá-lo.
Em 1998 o Estatuto do Tribunal Penal Internacional passou a definir a escravidão sexual e a prostituição forçada como crimes internacionais de guerra, contra a humanidade. A partir de 2000, vários protocolos e convenções foram adicionados a mecanismos da ONU para que os Estados-membros mantenham esforços de combater o tráfico de seres humanos.
Apesar de todos os esforços da comunidade internacional no combate ao tráfico de pessoas, o Brasil parece não acordar para esse problema que persegue os países menos privilegiados economicamente.
No final de março desse ano a Polícia Federal estourou uma fábrica clandestina de cigarros em Duque de Caxias (RJ), ocasião em que foram resgatados 19 paraguaios que trabalhavam em condições análogas a de escravo. Os estrangeiros estavam alojados na própria fábrica e trabalhavam 12 horas por dia, sete dias por semana (inclusive de madrugada) e sem descanso semanal. Esses trabalhadores se encontravam em local sem as mínimas condições de higiene, convivendo com animais, esgoto a céu aberto e com os próprios resíduos da produção dos cigarros. Eles não recebiam qualquer remuneração pelos serviços prestados, tinham a liberdade de locomoção restrita e ainda eram forçados a laborar sem equipamentos de proteção.
Esses homens foram trazidos do Paraguai com os olhos vendados com a ilusão de que iriam trabalhar na produção de roupas, mas foram encaminhados para as instalações da fábrica, onde foram mantidos presos até o resgate pela polícia. Esses estrangeiros sequer tinham conhecimento da localidade em que se encontravam. Só tinham contato com uma única pessoa, que era o responsável por lhes trazer mantimentos. Essa pessoa só aparecia armada e com uma máscara que ocultava o seu rosto.
No ano passado ocorreu a mesma situação e na mesma cidade. Os paraguaios tiveram seus celulares confiscados pela quadrilha e perderam contato com seus familiares.
Diariamente as páginas dos jornais e as redes sociais denunciam o desaparecimento de crianças, mulheres e homens. Alguns são encontrados, mas a grande maioria some sem deixar rastros. Chega a causar a impressão de que o Brasil é o açougue do mundo, em que pessoas são raptadas e seus órgãos destinados a doentes das mais variadas nacionalidades - de mafiosos asiáticos a milionários europeus.
O tráfico de pessoas está entranhado nos países latinos e no Brasil atua de forma fantasma. Sem chamar a atenção, vem agindo nos bolsos de pobreza, nas grandes metrópoles e na zona rural – do norte ao sul do país. As vítimas não aparecem para contar sua histórias e o poder público, de forma criminosa, finge que não vê.
A academia nos aponta três frentes de ação para se combater o tráfico humano - a prevenção, a proteção e a criminalização. O governo brasileiro não está atuando em nenhuma dessas frentes.
Carlos Fernando Maggiolo
Advogado criminalista e professor de Direito Penal. Crítico político e de segurança pública. Presidente da Associação dos Motociclistas do Estado do Rio de Janeiro – AMO-RJ.