O ‘Manual’ da polêmica, a liberdade de cada um e as determinações do tucano Pery Cartola
24/01/2017 às 05:53 Ler na área do assinanteUma reportagem, exibida no programa Fantástico da Rede Globo, neste domingo (22), deu o que falar, especialmente, quanto à determinação do tucano Pery Cartola, presidente da Câmara de São Bernardo do Campo, ao criar um Manual de Etiqueta — da altura da saia ao aperto de mão.
Indagado sobre o motivo de criação do manual, ele argumentou ser a Câmara, uma casa pública, com funcionários do povo, salientando ainda que, “tempos atrás, servidores vinham de regata, short e chinelo. É inadmissível”.
Ele vetou, por exemplo, os “tapinhas” nas costas, considerando este ato nojento, afirmando que acontece comumente na política.
Para ele, “a classe política já está totalmente marginalizada. Se a gente não se portar bem, não sei onde vamos parar”, afirma e assevera:” Trabalhei no setor privado e tento institucionalizar o que vi nas empresas. Quem vem com “ô meu amigo” e dá tapinha nas costas é falso”.
O manual sugere que “o aperto de mão não deve ser mole ou apenas com a ponta dos dedos; deve ser firme e com três sacudidas compassadas”.
A razão desta atitude, para o presidente da Câmara de São Bernardo do Campo, é que “muitos dão a mão mole, olhando para o outro lado, como se a pessoa fosse um leproso”.
Indagado se recebeu ajuda para escrever essas recomendações, ele responde: “nas questões femininas, mostrei o texto às minhas filhas e à minha mulher. Elas concordam que algumas meninas se vestem de forma imprópria”.
Indagado sobre o que seria uma forma “imprópria” ele afirma: “Tipo periguete mesmo. Saia curta não é legal, nem muita maquiagem e saltos altíssimos. Aqui não é um ambiente de festa. Fora do trabalho, você vai me ver de bermuda, de camisa de time de futebol e chinelo. No trabalho, temos de saber nos portar”.
Quanto aos homens ele recomenda, não usar meias claras e brancas com trajes escuros. Para ele, alguém de terno e gravata com meias brancas lembra o Michael Jackson dançando moonwalk?”.
Quanto à reação das pessoas, muitas têm achado estranho, segundo ele, tem levado “umas porradinhas de uns petistas, porque minha cidade é o berço do PT. Mas a maioria diz ‘que legal’, ‘parabéns’.”
Vamos ponderar aqui, algumas considerações sobre as medidas adotadas pelo presidente da Câmara de São Bernardo do Campo.
Diria que, a atitude de criar um Manual de Etiqueta, não é algo estranho a qualquer poder, mesmo porque, considero legítima a atitude de respeitar o espaço onde autoridades do Legislativo, se encontram. Ora, falo com base na minha experiência de vários anos como servidor público, confesso que já vi de tudo, gente, usando roupas inadequadas, especialmente em uma repartição pública, onde existem regras diretas quanto ao uso de roupas inadequadas.
Imagino que, se alguém entra em uma igreja com roupas extravagantes, ou vestimentas inadequadas, isso causaria um estado ruim, um sentimento de inadequação das pessoas, à convivência com alguém que está naquele lugar.
Caso alguém use uma “entrada de banho”, ou simplesmente, esteja enrolado em uma toalha, isso seria motivo para alguém reprovar a atitude de quem adentra um santuário com atitudes que não condizem com as vestimentas daquele espaço.
Não é radicalismo querer que alguém se vista dignamente, em lugares públicos, é questão de disciplina, não de etiqueta simplesmente.
Outro fator abordado, foi, a ideia dos “tapinhas nas costas”, olha, eu acho que não é necessário, “paparicar” político, aprontar a gravata desarrumada, limpar as caspas do paletó, enfim, “babação”, “frescura”, o que for, não faz parte do roteiro de servidores sérios, comprometidos com a vivência política.
Quanto ao aperto de mão, sou sincero, não precisa ser intenso, basta ser sincero, ao que parece ele pensa que o ato de repetir seria um gesto verdadeiro, eu discordo, eu acho que não, pode ser um ato falso, mentiroso também.
Agora ele provou que usa de preconceito contra as mulheres, ao chamar de “imprópria” a forma de uma mulher se vestir, e ainda nivelando a mulher a uma” periguete”, isso é preconceito e pode gerar processo, afinal, por que a mulher não pode usar saia curta, nem maquiagem ou saltos altos?
Se ele não gosta de ver mulheres bem produzidas, elegantes, o problema é dele, mas eu sinceramente acho que ele não está em nenhum templo tradicional religioso que censura a mulher da cabeça aos pés, é algo inaceitável, ridículo, cercear a liberdade feminina, acho que as mulheres sabem se vestir, sabem ser elegantes, sensuais, agora achar que o uso de uma maquiagem e roupas, torna uma mulher “periguete”, é ofensivo e abusivo, neste sentido, ele poderia ser processado por injúria, por julgar criminosa a atitude de mulheres que se vestem livremente e que na essência não são “mulheres de programa”, mas, gente compromissada, dedicada ao serviço público, com honradez e caráter.
Acho que merece uma resposta jurídica à atitude preconceituosa do presidente da Câmara de São Bernardo do Campo.
Se ele tem um modelo de pensamento, que use para ele, mas, é essencial entender que não se pode tolher a liberdade alheia, delimitando e confinando o espaço do outro, a seu bel prazer.
A forma como trata os homens, também revela uma postura grosseira, não gosto de regras infantis, como se as pessoas não tivessem o direito e a liberdade de usar um par de meias que julgam combinar com a roupa.
Ora, tudo isso, é um jogo cênico, que transfere para o público, para a sociedade, uma leitura disciplinadora da Câmara, mas, será que os parlamentares, estariam dispostos a usar de decoro, ética, responsabilidade fiscal, zelo pelo patrimônio, sem ser tentados a usar de caixa 2, peculato, formação de quadrilha, estelionato, corrupção ativa, seria o caso de haver uma indicação para que os parlamentares fossem orientados a não confiscar os bens públicos, a não usar verbas indevidamente, a não gerar notas frias, enfim, se a regra do jogo político é de querer moralizar o serviço público, que se comece então com os parlamentares, que eles sejam o modelo para bem servir.
Quanto às roupas, eu diria que, o discurso do presidente, se assemelha a leitura do Cristo diante dos fariseus, seria algo hipócrita, mentiroso, afinal, naqueles tempos, as autoridades religiosas e políticas, eram quais “sepulcros caiados”, bonitos por fora, podres por dentro, ou seja, entre a essência do ser e a aparência do ser, prefiro a verdade do íntimo, contrária a todas as formas e/ou regras que podem parecer morais, mas, que também, podem trazer uma interpretação equivocada quanto à liberdade de cada um.
Acho que todos têm o direito de escolher o que devem fazer de suas vidas, mas, daí, considerar opiniões infundadas como legítimas, é algo inaceitável.
É sempre bom lembrar que vivemos em um mundo, onde os homens amam as coisas e usam as pessoas, isto não é jogo de palavras, é fato, contudo, podemos também optar por confiar, isto depende de nós somente.
Preservar o íntimo, não é violar a sua liberdade, revelar sua vida, é algo que só compete a quem opta livremente por acreditar nas pessoas, afinal entendo que pessoas precisam de pessoas, contudo, nunca é demais pensar na coerência diante de nossas atitudes.
Pio Barbosa Neto
Professor, escritor, poeta, roteirista
Pio Barbosa Neto
Articulista. Consultor legislativo da Assembleia Legislativa do Ceará