O ser humano foi criado (ou evoluiu do macaco, como queiram) para viver em sociedade, porque ele é uma individualidade incompleta e necessita do apoio de outros seres humanos para sobreviver e progredir. No isolamento o homem se embrutece porque não dispõe das faculdades necessárias à sobrevivência. Filosoficamente há uma lei de sociedade, uma lei de progresso e uma lei de trabalho onde as pessoas interagem com outras pessoas em busca do maior bem-estar individual e coletivo.
Mas as coisas não acontecem de maneira tão simples assim devido ao egoísmo, ao orgulho, a vaidade, a ganância e ao incontido desejo de acumular riquezas materiais. Desde a pré-história da humanidade encontram-se registros, dos mais rudimentares aos mais sofisticados, demonstrando que a ação política de grupos sociais em choques permanentes impulsionam o progresso material e moral, mas não proporcionam a paz sonhada por todos.
Os filósofos e os profetas da antiguidade já se preocupavam com os fenômenos sociais decorrentes da competição desenfreada. As leis mosaicas são claras nesse sentido, e apresentavam um Deus severo para manter a ordem e o equilíbrio social. O Cristianismo manteve a preocupação social e os paradigmas morais, mas suavizou as punições. Está na Bíblia que os discípulos perguntaram a Jesus qual é o primeiro dos mandamentos. O Mestre teria respondido: “Amar a Deus sobre todas as coisas. E o segundo é amar ao próximo como a ti mesmo”. Em outra passagem Ele diria: “Amai vossos inimigos”. Não é fácil, mas eis aí os princípios sociais básicos e necessários ao equilíbrio de uma sociedade politicamente organizada.
Os filósofos iluministas, livres pensadores, nos primórdios da pré-revolução francesa, forjaram um lema que transcende os tempos, mas não é efetivamente aplicado por ninguém: “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. O professor Hippolyte Léon Denizard Rivail (que passou à história com o pseudônimo de Allan Kardec) analisou esse lema com muita propriedade: “(...) a fraternidade está na primeira linha: é a base. Sem ela, não poderiam existir a igualdade, nem a liberdade séria. A igualdade decorre da fraternidade e a liberdade é consequência das duas outras”. Mas para que isso aconteça é preciso desprendimento e respeito ao próximo.
O que diriam os iluministas sobre o Brasil de hoje, considerando que na semana passada 91 presos foram assassinados nos presídios (privatizados) de Roraima e Manaus. As mortes foram associadas a retaliações internas de facções criminosas que comandam os presídios em, praticamente, todo o território nacional. O secretário de Segurança do Amazonas friamente esclareceu: “A polícia não tem como evitar”, e tudo tende a ficar como era antes, com muitas autoridades achando que isso está dentro da normalidade, uma vez que se trata de criminosos. É lamentável.
Um advogado criminalista em um programa de TV onde mais de um entrevistado comenta assuntos temáticos, questionou: “E se os presos do PCC e do CV se unirem aos presos da Lava Jato, o que acontecerá ao País?” Segundo ele, isso tem que ser levado a sério pois fato semelhante já aconteceu quando presos políticos ensinaram “técnicas de guerrilhas” aos presos comuns na época da ditadura militar. Por outro lado, essa união já estaria acontecendo desde o momento em que traficantes de drogas e contrabandistas de armas passaram a financiar campanhas eleitorais, para todos os níveis do poder. Observa-se essa união, também, quando os marginais subornam membros da polícia, do Ministério Público e do próprio Judiciário. A estratégia básica dos criminosos é terem bons advogados à sua disposição.
O governo está, gradativamente, adotando uma política de privatização dos presídios, e alguns agentes públicos recebem propinas das empresas terceirizadas que administram esses “dantescos antros” de degradação e tortura. Os empresários afirmam que não são responsáveis pelos desmandos que ocorrem dentro de suas instalações, e os agentes públicos concordam com eles. É a barbárie implantada, impiedosamente.
O mais triste é ver que o Presidente da República considera o morticínio nos presídios meros acidentes e diz que as facções criminosas “atuam em uma regra de direito fora do estado”. Vai além: “Para surpresa nossa, até quando fazem aquela pavorosa matança, o fazem baseado em códigos próprios. Essa questão ultrapassa os limites da segurança para preocupar a nação como um todo”. O ministro da Justiça, por sua vez, justifica dizendo que a matança desenfreada nada mais é que “acerto de contas” entre membros das facções criminosas.
Como em um filme de terror, Aécio Neves, presidente do PSDB, sugeriu ao presidente Michel Temer a criação de parcerias público-privadas para a gestão de presídios, como solução para a crise do sistema carcerário. O senador justifica a proposta dizendo que “Nas PPPs há o pressuposto de que o setor privado faz o investimento e é remunerado a partir de condicionamentos estabelecidas em contrato, que vão desde o percentual de presos estudando, trabalhando a não haver fuga, nenhum tipo de rebelião. Com o descumprimento, a empresa deixa de receber a remuneração previamente estabelecida”. Simples assim. Quem acompanhou a ”privataria” do governo FHC pode antever a calamidade que seria esse programa.
O “crime organizado”, em suas várias facções e subgrupos regionais, aprova a proposta do neto de Tancredo Neves.
Outra lamentável associação acontece entre políticos e dirigentes das igrejas e seitas neopentecostais onde pastores, bispos, missionários e profetas fazem campanhas eleitorais abertamente em seus templos e nas praças públicas. Elegem vereadores, deputados, senadores e prefeitos com os recursos do Fundo Partidário e “doações” dos adeptos, legislam em benefício próprio e conseguem transferências de recursos públicos para suas instituições. Não pagam impostos e não são fiscalizados pelos órgãos federais ou estaduais. Arrecadam milhões de reais vendendo “curas milagrosas” e a salvação eterna. O Ministério Público a tudo assiste impassível. Até meados do século XX essa atitude era monopólio da Igreja Católica, mas agora o processo foi generalizado. Ainda dizem que Deus é brasileiro e que Pindorama é a “Pátria do Evangelho, Coração do Mundo”.
Como se isso fosse pouco, enorme quantidade obras públicas inacabadas são abandonadas por todos os cantos do País. Obras superfaturadas e que jamais serão finalizadas porque não se justificam. Alguns monumentos históricos foram destruídos, como é o caso do Maracanã, entre outros, para seguirem o “padrão FIFA” e enriquecerem políticos inescrupulosos. A reforma do Maracanã, a título de exemplo, foi orçada em R$ 700 milhões e chegou a R$ 1,3 bilhão. Isto porque a empreiteira pagou 5% de propina ao governador Sergio Cabral e 1% para os conselheiros do Tribunal de Contas.
O Estado do Rio de Janeiro, que sediou a Copa do Mundo e a Olimpíada, além de enriquecer todos os políticos envolvidos nesses processos, é outro exemplo degradante. O Estado faliu e não paga fornecedores e o funcionalismo público porque não tem recursos. Agora, premiando a irresponsabilidade governamental, a ministra Cármen Lúcia, presidente de STF, liberou R$ 373 milhões para o Estado, sem nenhuma contrapartida ou compromisso dos governantes estaduais.
A corrupção continua robusta, mas a propaganda oficial, via Rede Globo, apregoa que as coisas estão melhorando e que o povo deve ter paciência. Enquanto isso, os novos prefeitos e os novos vereadores se comportam como se estivessem no paraíso. Estão felizes porque ficarão no poder por longos quatro anos, e talvez consigam permanecer por mais quatro. Alguns mais entusiasmados se vestem de garis, outros pegam pás e picaretas anunciando que não sobrará nenhuma rua sem varredura e nenhum buraco nas ruas.
Se alguém crítica essa palhaçada e pede seriedade na administração municipal, seus seguidores gritam: “deixem o homem trabalhar. Com o PT seria pior”.
LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.
Landes Pereira
Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.