A hora e a vez do relógio de Corumbá

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Em agosto de 2000 foi inaugurada a réplica do relógio público de Campo Grande, agora situado em novo local, no cruzamento das avenidas Afonso Pena com a Calógeras. O monumento original antes estava instalado no cruzamento da rua 14 de julho com a avenida Afonso Pena, mas foi infelizmente derrubado em 1972 para dar prioridade ao tráfego urbano de veículos, mesmo que para isso fosse preciso destruir um monumento histórico.

Era o relógio da 14 um referencial aos campo-grandenses de encontros sociais, culturais e políticos. Neste local, em 10.6.1967, foi encerrada uma grande passeata com comício, comandada por estudantes e trabalhadores em defesa da criação de uma universidade federal em Mato Grosso, sede em Campo Grande. Era também o local da realização do ‘footing’ nos fins de semana. Para quem não é da época, o “footing” foi uma sensacional invenção dos jovens para flertar (paquerar), aliás uma prática disseminada em todos os cantos do país. Os rapazes ficavam na calçada, encostados na parede, enquanto as moças passeavam num vai e vem contínuo na mesma calçada, trocando olhares fortuitos e sorrisos que muitas vezes acabavam em namoros e casamentos. Bons tempos aqueles!

No entanto, apesar de toda a sua importância e referência sentimental da cidade, não se conhece por parte da população campo-grandense qualquer manifestação espontânea em defesa da preservação do monumental relógio.

Somente em 1996, por iniciativa do médico Renato Rezende e com o envolvimento do Rotary Clube, começou uma mobilização popular para a construção de uma réplica do referido relógio. Foram quatro anos de lutas, convencimentos, estudos e pesquisas sobre a planta arquitetônica original e a promulgação de uma lei municipal para as adequações necessárias. Hoje, o relógio reconstruído já se incorporou novamente ao cotidiano dos campo-grandenses.

O que chama a atenção é a relação deste, como de outros dois relógios, com a saudosa Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, também, e infelizmente, destruída.  Em Três Lagoas, início das estradas ferroviárias no Estado, foi erguido um relógio da mesma dimensão que, para o orgulho de seus habitantes, é até hoje preservado. O terceiro relógio público, na ponta terminal da estrada de ferro em Corumbá, foi construído no cruzamento das ruas 13 de junho com a Frei Mariano. O mesmo argumento de que o relógio atrapalhava o trânsito local justificou a sua demolição. E, lamentavelmente, esse crime contra o patrimônio histórico foi assistido igualmente com passividade pela população corumbaense. O que é pior, é que desapareceram máquinas, mostradores e ponteiros. Como sempre acontece, ninguém soube, ninguém viu.

 Ainda teimo em esperar, como aconteceu em Campo Grande, o retorno, mesmo sob a forma de réplica, daquele belo relógio em algum ponto central da Cidade Branca, quem sabe, no canteiro central da rua XV de Novembro, paralelamente ao jardim público.

Fica aqui a minha sugestão para uma campanha digna de ser empreendida pela população de Corumbá e pelos sul-mato-grossenses, já que se trata de recuperar a história regional e seus símbolos. Nenhuma cidade realmente moderna e civilizada despreza seus símbolos, suas tradições e seus monumentos históricos. Pelo contrário, elas conciliam o “antigo” com o “moderno” de forma criativa e isso é sinônimo de progresso e cultura. Só por aqui é que acontece o contrário.

Depois, vem gente dizendo que não temos identidade cultural.

Pudera!

Valmir Batista Corrêa

Foto de Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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