Este País é o Brasil, a Pindorama querida, “Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”, segundo os Espíritas. O País mais católico do mundo, a pátria do Bispo Edir Macedo, do missionário R.R. Soares, do profeta Valdemiro Santiago e do bispo Silas Malafaia. Mas também é o País governado por Michel Temer (presidente da República), Renan Calheiros (presidente do Senado), Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados), Carmen Lúcia (presidente do Superior Tribunal Federal) e Rodrigo Janot (Procurador-Geral da República). Acrescente aí os demais parlamentares, governadores e prefeitos.
Uma velha e irreverente “piadinha canônica” diz que São Pedro, deslumbrado com a beleza e as riquezas naturais que Deus colocou neste rincão do continente americano, perguntou: “Senhor, por que tanta riqueza em um local só?” Deus, triste, teria respondido: “Pedro, espere para ver os políticos que vou lá colocar, de onde sairão seus governantes”.
Eduardo Cunha, o “bandido do bem” (porque era um dos instrumentos para o impeachment de Dilma), foi defenestrado da presidência da Câmara dos Deputados porque era réu no STF (esse foi o motivo alegado). Agora o próprio STF mantém o réu Renan Calheiros na presidência do Senado sob o argumento de que isso não é motivo suficiente para defenestrá-lo do poder (ele seria meio bandido, apenas não podendo exercer a presidência da República).
Afinal, o povo quer saber: réu pode ou não pode exercer a presidência de uma das Casas do Legislativo? Se pode, Eduardo Cunha tem que ser reconduzido ao seu lugar de direito. Se não pode, Renan Calheiros tem que deixar a presidência do Senado. Ou nem todos são iguais perante a lei?
Será que Eduardo Cunha é mais réu (mais bandido) que Renan Calheiros, que seria um réu de segunda categoria (menos bandido)? São questões em debate em todos os botecos do território nacional. E o que é pior, os políticos ironizam seus críticos porque sabem que os eleitores têm “memória curta” e que muitos deles se reelegerão em 2018, como aconteceu em 2016. Pobre povo que de vez em quando vai para as ruas apoiar seus juízes e seus promotores, protestando contra a corrupção.
Eduardo Cunha é uma vítima da incoerência da legislação, ou será que Renan Calheiros (que chamou os juízes federais de “juizecos” e afrontou uma liminar do STF) é um parlamentar que assusta a Suprema Corte? Uma nação onde seus governantes não respeitam seus magistrados maiores, e onde a própria Suprema Corte não demonstra firmeza em suas decisões, é uma nação que assusta seus habitantes e afasta qualquer investimento sério.
Uma nação onde a justiça é dúbia e o Senado é presidido por um réu, torna-se uma “terra de ninguém” para bandidos e aventureiros de todas as espécies chafurdarem nas riquezas pátrias. O perigo é aparecer por aí um “salvador da pátria”, um “caçador de marajás” ou um Bolsonaro bem sucedido.
Quem acompanhou as manifestações de ruas dos últimos anos, de 2013 para cá, observou grandes diferenças na organização, no “grito de guerra” e no entusiasmo dos populares que lá estavam. O que faltou nas ruas no dia 04/12? O brado contra a corrupção foi fraco, o grito “fora Renan” foi tímido, enquanto o apelo pela intervenção militar aumentou, sorrateiramente. Será que a corrupção diminuiu e que o governo melhorou assim de repente, ou será que os congressistas e as empreiteiras deixaram de ser corruptos?
Enfim, qual tempero mágico estava ausente para que a TV Globo, a TV Record e outros órgãos da grande imprensa não se engajassem, e para que os políticos não vibrassem como antes? Nas ruas de Campo Grande (MS) um desconhecido senhor, em cima de um enorme carro de som, puxou um Pai Nosso e depois pediu um minuto de silêncio em memória das vítimas da Chapecoense. Para início da parte política, bradou: ”O segredo da liberdade é a eterna vigilância”, lema da velha UDN de Pena Boto e Eduardo Gomes. Em seguida veio o velho refrão “abaixo o comunismo“ e “Lula na Cadeia”. Até o “Fora PT” foi lembrado.
Ao que parece, antes havia um suculento prêmio em disputa: a presidência da República e o butim do poder (cargos e benesses outras) para ser dividido entre os vencedores. E o povo? O povo era apenas massa de manobra nas mãos do PMDB, do PSDB, do DEM e da poderosa Rede Globo, que intercalava a convocação popular com as convincentes novelas que encantam as famílias brasileiras.
Não que o governo da coligação PT/PMDB não fosse corrupto e incompetente, ou que merecesse permanecer no comando da nação. Mas o barulho era realmente desproporcional à causa em jogo, abafando o bom senso e a análise dos fatos e argumentos usados na mobilização popular.
O que se viu na semana que antecedeu à movimentação popular, lamentavelmente, foi uma ferrenha briga intestina entre os quatro poderes da República (três constitucionais mais um de acréscimo) - Executivo, Legislativo, Judiciário e “Ministério Público”. Uma pequena parcela de militantes (em se considerando as manifestações anteriores) saiu em defesa do MP e do Juiz Sergio Moro contra as represálias do Poder Legislativo. Mas não convenceu as massas populares. Mesmo assim, deu fôlego para que também houvesse represálias contra o Legislativo.
A sorte é que os militares estão quietos, satisfeitos com as demonstrações dadas pelos poderosos governantes de que seus privilégios permanecerão intactos, qualquer que seja o rumo da política econômica. Os banqueiros querem estabilidade nessa área, pois não é recomendável cutucar a fera com vara curta. O grito pedindo “intervenção militar” é dado pelos militares da reserva e servem como sinalização que essa é uma possibilidade (que existe brasa entre as cinzas), mesmo que remota.
Enquanto isso, o desemprego aumenta, a inflação corrói os salários, as finanças públicas continuam desequilibradas, a saúde e a educação se aprofundam no caos, os políticos continuam se locupletando nos cofres públicos e a impunidade continua solta. A dívida pública continua aumentando. Os Estados e os municípios estão falidos, mas os políticos continuam brigando pela distribuição de cargos e benesses outras, muitas outras.
O articulista Matias Spektor falando sobre a ordem jurídica nacional comenta que “Os sinais de esgotamento proliferam por todo o país. Se nada mudar, terminaremos com o pior”. E o que é o pior: continuar com a bandalheira institucional vigente ou cairmos em uma ditadura onde um caudilho qualquer, um salvador da pátria, se imponha frente ao descontentamento da espoliada população brasileira? A história é rica de exemplos, aqui e no resto do mundo.
Por outro lado, cabe ressaltar o que diz Roberto Dias: “Além da corrupção, outra praga a devorar instituições é a vaidade. O flagrante do risonho tricô de Sergio Moro com Aécio Neves na entrega de um prêmio costura uma imagem bem ruim para a 13ª Vara Federal de Curitiba, que comanda a Lava Jato”. Ao que parece, a oposição liderada pelo PT, tem um pouco de razão quando afirma que o heroico juiz federal tem certo apreço para com o PSDB.
Finalmente, o povo brasileiro tem que concordar com o réu (meia-boca) Renan Calheiros, o incorruptível, quando diz: “A democracia, mesmo no Brasil, não merece esse fim”.
LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.
Landes Pereira
Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.