Da 'Reforma Francisco Campos', passando pela LDB/1961, pela Lei Nº 5.692/1971, pela Lei 9.394/1996, pela Lei 12.796/2013 e outras tantas complementares, chegou-se à MP 746/2016. E lá se foram 85 anos de 'reforma' da educação brasileira sem que se chegasse a um contexto aceitável. A crise política é consequência da estrutura educacional do povo.
A professora Lighia B. Horodynski-Matsushigue (USP), o professor Marcelo T. Yamashita (UNESP) E o Professor Otaviano Helene (USP), em detalhado e profundo estudo sobre a evolução da “política educacional brasileira”, afirmam que “Há vários mitos sobre a educação cuja aceitação é bastante ampla. Como consequência, têm-se um entendimento equivocado da realidade, que leva grande parte da população a julgar positivas propostas totalmente inadequadas. Descontruir esses mitos é fundamental”. Mas eles não acreditam que o conteúdo da MP 746/16 possa fazer essa necessária desconstrução estrutural.
Educação deveria ser um processo (realização continua e prolongada) dinâmico e ininterrupto, permanente. Mas no Brasil o sistema é estanque e segmentado servindo como instrumento de manutenção do status quo, porque elitista. Periodicamente, quando as crises se tornam mais agudas, também serve como instrumento político para deixar as coisas como sempre foram.
Após a “revolução de 30”, vencedores e vencidos se encontravam perdidos em um emaranhado de tendências ideológicas não consolidadas. Eis que surgiu uma “válvula” para dissipar a pressão reinante: por decreto (em 1931) institucionalizou-se uma nova ortografia, simplificada e de comum acordo com Portugal, a pátria mãe. Para reforçar, a “Reforma Francisco Campos”, no início do governo de Vargas, trouxe mudanças para a desorganizada e obsoleta educação vigente,
A Constituição de 1946 previu a definição de um sistema nacional de educação como competência do Poder Legislativo. Em 1948, em mensagem presidencial, foi apresentado um anteprojeto elaborado pelo “Departamento Nacional de Ensino do Ministério de Educação e Saúde” ao Congresso. Os parlamentares “analisaram e aperfeiçoaram” o anteprojeto por treze anos, sendo aprovada a Lei de Diretrizes Básicas em 196l (ano da renúncia de Jânio Quadros). Eram os tempos da “guerra fria” (comunismo e anticomunismo) liderada pelos EUA.
A Lei 5.692/71 (forjada em decorrência do Acordo MEC/USAID), foi aprovada no governo militar e visava, objetivamente, à profissionalização do ensino secundário, na tentativa de unificar o antigo ensino primário e o ensino médio, eliminando as diferenças entre os ramos secundários (agrícola, industrial, comercial e normal). A tramitação no Congresso foi rápida, sem negociação com os submissos parlamentares que aprovaram a proposta ditatorial sem ouvirem os educadores, as instituições educacionais e as famílias.
As principais características desse sistema eram, basicamente, as seguintes: um núcleo comum para o currículo de 1º e 2º graus e uma parte diversificada em função das peculiaridades locais; disciplinas de educação moral e cívica, educação física, educação artística e programas de saúde como matérias obrigatórias; ano letivo de 180 dias; ensino de 1º grau obrigatório dos 7 aos 14 anos; educação a distância como modalidade do ensino supletivo; formação preferencial do professor para o ensino de 1º grau (da 1ª a 4ª série), em habilitação específicas do 2º grau; formação preferencial dos especialistas da educação em curso superior de graduação ou pós-graduação; dinheiro público não exclusivo às instituições de ensino públicas; os municípios deveriam gastar 20% do seu orçamento com educação (não previa dotação orçamentária para a União, nem para os Estados); progressiva substituição do ensino do 2º grau gratuito por sistema de bolsas com restituição; permitia o ensino experimental e o pagamento por habilitação.
Essa estrutura educacional privilegiava o caráter utilitário do conhecimento, em detrimento dos conteúdos considerados “teóricos” ou abstratos, implantando um caráter tecnicista que contrariava a “ideologia” e a tradição dos educadores brasileiros. O sistema fracassou deixando graves sequelas na sociedade justamente porque os “reformadores” não conversaram com o público alvo.
A Lei 9.394/1996, aprovada no governo de FHC, impôs uma nova estrutura e uma nova sistemática operacional para o sistema educacional do país, já levando em consideração os conceitos do neoliberalismo. A educação escolar passou a ser composta de educação básica (formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e educação superior. Não atingiu os objetivos propostos e foi abandonada após vários remendos desastrados. Essa estrutura foi alterada em 2013 pela Lei 12.796 (uma verdadeira colcha de retalhos feita pelo Congresso Nacional), que estabeleceu as novas diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a formação dos profissionais da educação.
Os principais pontos da mudança foram: a) educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos dezessete anos de idade (pré-escola, ensino fundamental, ensino médio); b) educação infantil gratuita às crianças de até cinco anos de idade; c) atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino; d) acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não os concluíram na idade própria; e) atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
Como o Brasil é especialista em elaborar leis que não são cumpridas, o artigo 5º da Lei 12.796/13 (assinada por Dilma Rousseff e Aloisio Mercadante) estipulou, categoricamente: “O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo”. Muitos desvios de objetivos (e muita corrupção), muitas denúncias e nenhum resultado prático.
Dilma Rousseff foi defenestrada, assumindo seu vice, Michel Temer, que nomeou José Mendonça Bezerro Filho (o Mendoncinha de Belo Jardim, Pernambuco) para o MEC (segundo os bastidores políticos, por indicação do bispo Silas Malafaia). Daí para uma proposta radical de reforma do sistema de educação nacional foi “vapt vupt”, surgindo a MP 746/2016, cuja relatoria é do senador Pedro Chaves de Mato Grosso do Sul.
O professor Roberto Leher, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sintetiza o que penso a respeito dessa pretensa “reforma” imposta pelo governo Temer: “É possível encontrar na MP nº 746/2016 semelhança com o projeto da ditadura empresarial-militar [Lei nº 5.692/1971], notadamente no intento de formação profissional no ensino médio, na formação simplificada do magistério e na descaracterização das ciências sociais, naquele contexto ressignificadas como Educação Moral e Cívica”.
Se não deu certo quando a ditadura era ostensiva e as liberdades democráticas totalmente cerceadas, dificilmente dará certo agora que o povo está começando a protestar em praça pública. A MP assusta, principalmente com a declarada tentativa de redução de gastos públicos no setor, por 20 anos sucessivos. As crianças e os jovens das gerações futuras sofrerão as consequências dos desmandos e desvarios dos políticos da atualidade.
Quem viver verá!
LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.
Landes Pereira
Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.