Ao bloquear contas bancárias para impedir manifestações coletivas, Moraes comete erro notável
18/11/2022 às 15:50 Ler na área do assinanteA velha lei de segurança nacional (nº7170 de 1983) e as disposições do Código Penal de 1940 que tratam dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, ambas foram extintas pela Lei nº 14.197 que o presidente Jair Bolsonaro assinou em 1º de Setembro de 2021.
À vista do que vem acontecendo no país, referentemente às manifestações que pedem a intervenção militar em face do resultado da eleição presidencial de 2022, é oportuno transcrever, literalmente os artigos 359-L e 359-M da referida lei vigente no país desde Setembro de 2021.
DOS CRIMES CONTRA AS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.
Golpe de Estado
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
Os protestos e as manifestações que estão ocorrendo no país não se enquadram nestes tipos penais, porque são manifestações e protestos sem emprego de violência e sem grave ameaça. São múltiplas, são amplas e estão presentes nos quatro cantos do país. Mas sem o emprego de violência ou grave ameaça. Portanto, não caracterizam "Golpe de Estado" nem "Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito".
Para que um fato ou ato seja considerado crime é indispensável que seja precedido de anterior definição legal. A isto se dá o nome de "Princípio da Reserva Legal" conforme se lê do artigo 1º do Código Penal:
"Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal".
Igual redação contém o artigo 5º, nº XXXIX da Constituição Federal.
Portanto, Código Penal e Constituição Federal não colidem, mas convergem no mesmíssimo sentido.
Daí se conclui que a decisão do ministro Alexandre de Moraes de bloquear contas bancárias de quem, suposta ou concretamente, colabora, direta ou indiretamente, para as manifestações e protestos que ocorrem no país, sem emprego de violência e sem grave ameaça, é decisão que, em tese, são exageradas, não encontram amparo na lei e interferem na vida privada daqueles que sofrem suas consequências.
O ministro precisa rever sua decisão e revogá-la. Se a decisão não constitui empecilho para a livre manifestação do pensamento e de manifestação, seja individual ou coletiva... se não constitui cerceamento ilegal ao direito de propriedade, então é preciso que o senhor ministro justifique qual (ou quais) o(s) diploma(s) jurídico(s) em que sua decisão está firmada.
Como experiente e militante advogado e autor deste breve artigo, como defensor intransigente da legalidade e como cidadão sem paixão partidária e sem preferência política, tanto me encoraja afirmar que não encontro a resposta que peço ao ministro que seja dada. E até que venha a resposta, a decisão judicial é um erro notável.
Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)