Sou um socialista que, no momento, anda meio desanimado devido ao contexto político instalado no Brasil. Há algo de podre em todo lugar e isso não é uma novidade na nossa história recente.
Para efeito de análise, penso nos tristes acontecimentos a partir das eleições presidenciais de 2014. Creio que tudo começou nas campanhas eleitorais, quando as baixarias só se igualam à recente eleição nos EUA de Donald Trump. A disputa entre Aécio e Dilma provocou na sociedade brasileira uma fratura que deixou sequelas persistentes até hoje. O segundo governo de Dilma Rousseff dividiu o país e foi marcado pela radicalização da chamada “opinião pública”, pela desesperança de muitos e pelo desemprego sem precedentes. Culminou a queda da presidente sob a capa da legalidade, envolta em dúvidas e polêmicas na interpretação das leis pertinentes ao impeachment.
O governo atual, tendo o vice-presidente a frente, está rebolando para administrar esta herança maldita, mas quem vai pagar o pato, para variar, é toda a população brasileira. Tudo acompanhado pela explosão de denúncias de corrupção de empresários e políticos coletadas pela Justiça. Com despudor, há ainda eméritos malfeitores que tentam conter a ação da Operação Lava Jato que tem apoio maciço dos brasileiros.
A população, que não é besta, apesar de muitos acharem o contrário, deu uma assustadora resposta nas urnas, nestas últimas eleições para prefeitos e vereadores. Houve uma avalanche de votos nulos, brancos e abstenções.
O que foi isso? Simplesmente foi a manifestação do descrédito na política brasileira, diante dos (maus) exemplos dos que detém cargos administrativos públicos e mandatos. O resultado é que a sociedade brasileira não aguenta mais e clama por reformas políticas urgentes.
Apesar de que a velhacaria aflore na superfície como dejetos num mar de lama, ainda é possível encontrar exemplos de política dignificantes, poucos é verdade, como uma agulha neste imenso palheiro. Foi com satisfação, e até mesmo com surpresa, que soube da atuação de uma vereadora, uma senhora de idade avançada que é uma exceção na política, quando a regra tem sido a bandalheira. Coincidentemente, o fato ocorre em Curitiba.
Sobre esta mulher reporto-me a uma notícia que saiu recentemente na imprensa. Refiro-me a Maria de Lourdes Bezerra de Souza, carinhosamente conhecida por Dona Lourdes do Santa Quitéria, uma velhinha arretada que por 12 anos exerce na Câmara Municipal de Curitiba o mandato de vereadora. E, felizmente, Dona Lourdes tem por mais quatro anos seu mandato legitimado e homologado por grande número de votos. Penso que a sua história deveria ser transformada em livro e ser usado como cartilha para os novos vereadores.
Dona Lourdes destaca-se como a mais velha candidata eleita da história brasileira, pois completará ainda neste ano 89 anos. Ela afirma com muito orgulho que “em todos esses anos de Câmara, não faltei nenhum dia, nunca me atrasei ou justifiquei”. É, com certeza, uma figura ímpar.
Ela entrou na política partidária, com filiação no Partido Socialista Brasileiro (PSB), depois de se aposentar como telefonista. Morando sozinha, mãe de duas filhas e oitos netos, o foco político de Dona Lourdes, desde antes de entrar na política, sempre esteve no resgate da cidadania das pessoas mais humildes, e na ajuda para obtenção de documentos como certidões de nascimento, óbito, casamento entre outros. Além disso, ela declara que prioriza a justiça social e a defesa dos direitos dos trabalhadores e excluídos da sociedade. Fala ainda que sua atuação é voltada aos bairros, à cultura popular e ao acesso dos mais pobres à educação e à saúde.
Esta alvissareira e surpreendente matéria me deixou feliz e emocionado, porque, a despeito de toda nojeira que estamos vendo na política brasileira, ainda é possível encontrar pessoas que cumprem o seu dever com honestidade, honrando seus votos.
Ainda que eu ande meio desanimado, sinto uma leve brisa de esperança ao saber do trabalho de Dona Lourdes. Sinto orgulho de compartilhar meus ideais do socialismo com pessoas como ela, que acende uma luzinha no fim do nosso interminável e tenebroso túnel.
Valmir Batista Corrêa
Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.