O Brasil vive o momento mais delicado de sua História. Diz-se que o país está “polarizado”, atolado no duelo de forças antagônicas. É uma quase verdade. No fundo, o povo brasileiro decidiu que o mais adequado é ser politicamente bipolar: ora condenando corruptos, ora patrocinando a nata do colarinho-branco nacional; para afastar pilantras do poder, aceita-se aliança com bandidos doutra cor. Vivemos o auge de um tempo quando o jeitinho desvergonhado — falso ingênuo — transformou-se em “instrumento democrático”. Convenhamos, é bizarro!
Senão, vejamos: dezenas de delatores confessam esquema bilionário de roubo dos cofres públicos para abastecer o criminoso caixa dois do PT e de seus satélites e para o enriquecimento ilícito de algumas excelências. Imediatamente, temos cidadãos nas ruas protestando, pessoas esmurrando panelas, piscando a luz de seus apartamentos, buzinaços, palavras de ordem, gritos histriônicos e congêneres. Dá-se o “fora Dilma”, o “Lula na cadeia já” e a exigência de cassação do registro do partido junto à Justiça Eleitoral.
Ato contínuo, os mesmos delatores também confessam ter abastecido, via caixa dois e com dinheiro roubado dos cofres públicos dos pagadores de impostos, as contas de campanha do PMDB, do PSDB e de seus satélites. Onde estão as multidões de manifestantes? Agora, panelas são de vidro? Moradores de edifícios estão sem luz? Nenhum processo pede a cassação do registro partidário de PMDB, PSDB, DEM e afins. É ensurdecedor o silêncio conivente da plateia do circo.
Noutro clássico, em 2015, a então presidente Dilma Rousseff foi fartamente criticada por permitir que o Ministério da Cultura enfiasse mais de R$ 1 milhão em cachês e passagens aéreas para um evento com show de um célebre cantor brasileiro. Deu-se a fuzarca nas redes sociais. Agora, em novembro de 2016, o presidente Michel Temer vai torrar quase R$ 600 mil em um show de sambistas no Palácio do Planalto. Quer dizer que, para celebrar o centenário do Samba, seus nobres vocais só aceitam participar da solenidade com pagamento de cachê? Pagar R$ 15 mil para alguém cantar o Hino Nacional? Em pleno processo de falência e no meio de um ajuste fiscal severo, exigir que o povo brasileiro aceite “sacrifícios” e ainda pedir que pague por uma festinha de samba é de lascar, dói no bolso e na alma. Mas, parece que agora poucos estão “disponíveis” ao protesto veemente e muitos estão aceitando cordialmente financiar o descalabro.
Fique claro: esta reflexão não é uma competição; não é beócio revanchismo; não é tolo toma-lá-dá-cá; não é uma variante tupiniquim para a espécie Lex talionis. Tão somente, é respeito ao princípio fundamental da Constituição Federal de 1988, que em seu Art. 5º, caput, assevera com clareza meridiana: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Trata-se apenas de Justiça, um conceito que parece ter virado “modinha”, mas revela-se absolutamente démodé no cotidiano de uma sociedade massacrada, porque viciada em arremedos e jeitinhos, bandeirantes do rifão: “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Qualquer mudança real, perene e efetiva no tal “jeito de fazer política” passará pelo indisputável espelho da casa de cada um dos cidadãos, pelo umbigo, pelo modus operandi do nosso povo. Porque o Brasil permitiu-se transformar na terra do “safado favorito”, da “aliança útil e redentora”, do “vagabundo necessário”. Tornamo-nos o país do “é canalha, mas é meu amigo”. É a lama!
HELDER CALDEIRA, Escritor.
www.heldercaldeira.com.br – helder@heldercaldeira.com.br
*Autor dos livros “Águas Turvas”, “O Eco”, “Pareidolia Política”, entre outras obras.
Helder Caldeira
Escritor, Colunista Político, Palestrante e Conferencista
*Autor dos livros “Águas Turvas” e “A 1ª Presidenta”, entre outras obras.