O tesouro das figurinhas
O interessante é que os colecionadores de hoje são pessoas de todas as idades e condições sociais
20/06/2015 às 21:47 Ler na área do assinanteComo em diversos outros lugares do planeta, está cada vez mais explícita a roubalheira neste país. Dizem até que a ladroagem brasileira é uma antiga e triste herança colonial deixada pelos colonizadores portugueses. Talvez, por isso, exista no Brasil bem enraizado a promiscuidade entre o público e o privado. Ou, numa linguagem popular, é o particular, político ou “civil” passando a mão no dinheiro público, aquele sofridamente pago com o suor nosso em forma de impostos. Isso ficou tão banal que político que rouba o erário público é tido como esperto e goza de declarada impunidade, apesar da caça aos mensaleiros e aos larápios da Petrobrás. Mesmo assim penso que usarão o “jeitinho” brasileiro para saírem desta enrascada. Basta ligar a televisão ou ler um jornal e ser inundado por esta podridão.
Num caso ocorrido há algum tempo a ladroagem atingiu o grau máximo de “caradurismo”. Isso mesmo. Parece piada, mas não é que um grupo de 5 homens armados invadiu uma distribuidora e roubou um lote de 135 mil figurinhas da Copa do Mundo de Futebol, em 135 caixas, no ano de 2010. Parecia piada. Até o delegado que atendeu a ocorrência inusitada, também achou. No entanto, para colecionadores tratava-se, como ainda considerariam hoje os colecionadores de outros álbuns, com certeza, de um verdadeiro tesouro. A confusão ocorreu no município de Santo André, na Grande São Paulo e somente uma parte das figurinhas foram recuperadas em uma favela da região.
Na copa de 2006, estava eu em Toronto, no Canadá, e entrei numa loja especializada em venda de cards e lá estavam elas, imponentes, as figurinhas das seleções de futebol e seus álbuns. Segundo o vendedor era o grande sucesso do momento entre os canadenses. Ao retornar ao Brasil, em São Paulo, presenciei o meu sobrinho colando as referidas estampas em um álbum, que para a minha surpresa era idêntico ao que vi no Canadá. Depois, chegando a Campo Grande, vi o “dito cujo” sendo vendido na minha banca predileta, onde compro diariamente os meus jornais. Hoje, existe nesta mesma banca inúmeras coleções dos mais diversos gostos, infantis, copa mundial feminina, das Américas e até, vejam só, figurinhas de novelas da Globo comemorativas dos seus “50 anos”.
Esses álbuns são produzidos pela editora multinacional Panini que detém o monopólio mundial desse comércio. Fico a pensar com meus botões: este é um negócio de milhões de dólares, pois é um mercado ávido de colecionadores envolvendo gente no mundo inteiro. É a mina de ouro da Panini, que começou a circular na copa de futebol mundial de 1970 e é sempre um tremendo sucesso em toda coleção lançada, com os campeonatos regionais e nacionais.
O interessante é que os colecionadores de hoje não são somente crianças e estudantes do ensino fundamental. São empresários, universitários, donas de casa, aposentados, enfim pessoas de todas as idades e condições sociais, que não precisam usar as velhas desculpas esfarrapadas de que estão adquirindo os pacotinhos para os filhos, sobrinhos ou netos. Também o sistema de trocas de figurinhas repetidas ampliou-se com o avanço tecnológico. Assim, através de ferramentas da Internet, marmanjos internautas estão trocando figurinhas e completando seus álbuns. São os novos tempos.
Creio que esse revival deve-se ao fato de que álbuns de figurinhas são fascinantes, universais e com gosto de infância e de fantasia de tempos passados. Minha geração, com certeza, está se divertindo muito com a nova febre das figurinhas, especialmente aquelas de jogadores de futebol, que tem tomado conta do país ano a ano e provocando até mesmo golpes extraordinários como o que ocorreu em Santo André.
Eu ainda me lembro com saudade de um jogo de virar figurinhas batendo com a mão sobre elas, a famosa bafinha. Isso era tão bom quanto empinar pipas (papagaios), jogar bolinhas de gude (bulitas), andar de carrinho de rolimã e outras brincadeiras que fizeram a alegria da minha infância. Pensei que isso não mais existisse, pois as crianças de hoje não se desligam de smartphones. Assim, foi com agradável surpresa que soube que nas escolas e próximo das bancas de jornal que promovem as trocas, tem crianças brincando como nos velhos tempos.
Valmir Batista Corrêa
Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.