O ministro Edson Fachin, na condição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), vem de criar um grupo de trabalho para combater a “violência política nas eleições”, sob o argumento da “necessidade de assegurar o pleno exercício dos direitos fundamentais”, como se ele próprio e demais membros da Corte Suprema (da qual também faz parte) não fossem os primeiros a descumprir, traiçoeiramente, tal prescrição e como se “violento” não fosse o notório e faccioso ativismo judicial perpetrado por si mesmo e seus respectivos “correligionários” de toga, ao longo dos últimos anos, na condução nada republicana de seus nobres e relevantes métiers.
Trata-se do mesmo ministro que, contra todos os princípios e regulamentos básicos dos procedimentos normativos jurisdicionais, anulou, unilateralmente, em parecer monocrático (com a complacência plenária), as sentenças unânimes (amplamente fundamentadas em provas), em 3 instâncias do Judiciário, de condenação do ex-presidente Lula, decorrentes da Operação Lava Jato, resgatando-lhe, “oportunamente”, em tempos pré-eleitorais, por recurso a mera formalidade casuística, os direitos políticos anteriormente cassados pela Lei da Ficha Limpa.
O mesmo que dispensou (e tem impedido), estranhamente, a contribuição da inteligência das Forças Armadas ao aperfeiçoamento da segurança cibernética das urnas eletrônicas (hoje sob forte tensão e suspeita), sob a alegação irônica e desrespeitosa de que “eleições competem (exclusivamente) a forças desarmadas”, gerando, por tal descabido enfrentamento, maior instabilidade e inquietude no já conturbado ambiente político-institucional tupiniquim.
O mesmo que propagandeou no exterior (EUA), de forma irresponsável (e sem legitimidade para o ato), bravatas sobre uma possível tentativa de “golpe de Estado” no Brasil, em consequência ao resultado eleitoral de outubro vindouro, insinuando comparações aleivosas à célebre invasão do Capitólio, durante as últimas eleições americanas, com o único propósito de causar impacto e repercussão negativa junto às mídias internacionais;
O mesmo que convocou embaixadores para reunião de ofício, sem jurisdição e prerrogativa constitucional para tal, para fins de arguições acusatórias ao atual Governo relativamente às eleições futuras, e que agora cobra e acrimina, hipocritamente, o Presidente da República de idêntica iniciativa (que só existiu em reação à sua própria), como se desconhecesse o Art. 84, inciso VII, da Constituição Federal, que determina, ipsis litteris, que tal diligência (“manter relações com Estados estrangeiros”) é competência privativa (repita-se, p – r – i – v – a – t – i – v – a!) do Chefe do Executivo – a quem compete, com exclusividade, a condução da política externa.
O mesmo que, para além desses episódios mais polêmicos, continua colecionando, continuamente, perfídias e despropósitos (a exemplo de outros pares), sem reação e contrapesos de quem de direito (Senado e Ministério Público).
Sim, o conjunto de atitudes incongruentes do ministro Edson Fachin transluz, de forma patente e inequívoca, postura eminentemente imprópria e indecorosa à nobilíssima função que exerce, de condimentos, inclusive, tipicamente patológicos (já que eivados de suprema egolatria), obsessivamente arraigada a absoluta incoerência e notório desdenho aos intérpretes de plantão, pautada por irrestrita hipocrisia, ampla sordidez, quando não por desrespeitoso escárnio à inteligência mediana do povo brasileiro – dando margem, por conseguinte, a suspeições “cabulosas” de suas reais motivações.
São todas características integralmente incompatíveis com o que está prescrito nos misteres e liturgias para uma Corte de Justiça – sobretudo se “Superior” ou “Suprema” –, tanto quanto em relação aos fundamentos mais básicos da Ciência do Direito, mas que parecem amalgamar, desafortunadamente, a cultura interna e as mentes enfermas dos atuais monarcas togados, insulados em sua corporativa e petrificada “torre de marfim”, cuja “autoridade” restante, há muito, não mais decorre do respeito e da admiração da sociedade – como deveria ser –, mas tão somente da ameaça e do arbítrio (efetivo ou potencial) de suas canetadas e “sentenciamentos”, de temperos predominantemente autocráticos e totalitários.
Por ironia da história, tem vindo das togas (e não das fardas), nos últimos tempos, a maior coação e constrangimento à democracia tupiniquim – aqui inclusa a condução opaca e controversa dos processos eleitorais. Pois são as Altas Cortes, politizadas e partidarizadas, em seu despudorado ativismo judicial, que se insurgem, diuturnamente, contra a Constituição e o Estado de Direito, amesquinhadas em seu ofício e inconfiáveis em sua missão, nada mais contribuindo, “em última instância” – para além da insegurança jurídica generalizada –, que à instauração progressiva de uma sombria e tenebrosa ditadura, imposta, despoticamente, pelo alto e ad hoc, e à “diluição (categórica e inapelável) da República” – nos exatos termos, ao reverso, do próprio ministro Fachin.
Sim, são tempos de trevas e de estupro abusivo e ininterrupto das liberdades e da cidadania. De flagrantes indignidades, infâmias e desmesurada hipocrisia.
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).
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