Guerra híbrida: O “Mecanismo” não admite alternância de poder e agoniza desesperadamente
14/07/2022 às 12:44 Ler na área do assinanteO Brasil tornou-se alvo de uma guerra ininterrupta e implacável desde o dia 1º de janeiro de 2019, quando um outsider e “malquisto” postulante assumiu a Presidência da República, subvertendo a “ordem natural” da transmissão do poder de Estado e causando um inesperado curto-circuito na tessitura do sistema dominante, previamente instalado.
Desde então, planos totalitários de dominação foram abalados e desconcertados. Sequestro de recursos públicos, suspensos. Agendas de operações combinadas, desarranjadas – nada mais restando aos consuetudinários “coronéis” do mando, ante às inauditas e “intoleradas” circunstâncias, que o realinhamento de forças e de interesses para a retomada imediata do poder político, a qualquer custo, com o manuseio irascível de todas as armas e artifícios a seu dispor.
O tradicional e imperante “mecanismo”, de caráter patrimonialista e cleptocrático, essencialmente antidemocrático, não admite alternância do poder (a não ser entre os seus sortidos apaniguados); não reconhece (nem transfere) soberania à maioria popular; não assimila com naturalidade o exercício pleno das liberdades e do pensamento divergente (como costuma propalar em sua simulada e insidiosa retórica).
No limite, se necessário, os verdadeiros “donos do poder” (grandes banqueiros, financistas, narcotraficantes e similares), tal-qualmente uma organização criminosa globalizada, associada a governos nacionais e organismos internacionais por ela mesma mantidos, derrubam mandatários, demonizam líderes políticos, assassinam candidatos indesejados, promovem desestabilizações políticas e econômicas, com indução, inclusive, de rupturas drásticas em ordenamentos constitucionais estáveis, num desserviço frequente ao estado democrático de Direito e às conquistas civilizatórias mais caras e substantivas da alta modernidade.
Não se trata de uma guerra convencional, pautada, majoritariamente, pelo emprego das forças armadas e por batalhas campais, como no passado. Em tempos cibernéticos, as artilharias são de uma outra natureza, múltiplas e heterogêneas, nem sempre evidentes, por vezes sutis, semeadas em inúmeras frentes de combate, como numa contínua e incessante “guerra de posição”, de compósitas e variadas trincheiras.
Trata-se de uma “guerra híbrida”, cuja estratégia recai na promoção ininterrupta de batalhas mescladas e combinadas, complementares entre si, ainda que distintas na sua forma, expedientes e gênero, justo com o propósito de diluir, perante a opinião pública, as conexões de sentido entre os inúmeros eventos e cenários em proeminência, com sombreamento proposital da idêntica (e nociva) causalidade de origem.
Dentre esses inúmeros “fronts”, destacam-se: a manipulação das mídias e das narrativas; a disseminação seletiva de informações, contrainformações e desinformações (fake News); o suborno cibernético; a corrupção generalizada; a captura e instrumentalização de partidos e organismos públicos (setores do Executivo, Legislativo e Judiciário); o ativismo e o arbítrio judicial; as sentenças casuísticas; o anarquismo cultural; os movimentos e ações terroristas; o controle do sistema eleitoral; a fraude eleitoral, etc., etc. – tudo com o objetivo de estremecer e abalar o ambiente político e econômico de conjuntura e enfraquecer as instituições pátrias e suas correspondentes estruturas e programas de defesa (campanha de “desmilitarização”), com graves ameaças à própria soberania do país.
Visa-se, ao fim e ao cabo, a um “golpe branco”, com aparência de “defesa da democracia” e dos valores “civilizados e progressistas”, por meio da desqualificação e demonização dos grupos adversários (taxados de “fascistas”, “retrógrados”, “genocidas” e outros epítetos), tendo-se em vista, unicamente, o aparelhamento e a blindagem, em definitivo, dos aparelhos de Estado (no seu sentido mais amplo) por forças transnacionais de interesse, ilegítimas e clandestinas, sublevadoras da ordem constitucional, ávidas pelo controle totalitário das arenas jurisdicionais e das instituições legislativas e de defesa nacional para fins espúrios e cabulosos.
Eis, em síntese, em traços pontilhados, a “guerra brasileira” ora em curso, que caminha a passos largos para o seu dramático (ou, mesmo, trágico) clímax e desfecho, à medida que se aproximam as eleições presidenciais de outubro – interregno em que tudo, absolutamente tudo (dadas as circunstâncias) pode acontecer!
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).