O "Anjo da Morte" de 1999 do Hospital Salgado Filho (RJ) e o "Anestesista Estuprador" de 2022 do Hospital da Mulher de Meriti (RJ)

13/07/2022 às 14:47 Ler na área do assinante

Os crimes deste anestesista estuprador do Hospital da Mulher de São João de Meriti a todos causou revolta. E me fez reviver o caso que ficou conhecido como "O anjo da morte". Foi em Maio de 1999.

O enfermeiro Edson Izidro, lotado no Hospital Salgado Filho, aplicava uma injeção letal nos pacientes da UPT (Unidade de Pacientes Traumáticos). E tão logo constatada a morte, fornecia nome e endereço das vítimas para os agentes funerários. Era ganho certo. O Tribunal do Júri da Justiça do Rio impôs-lhe pena acima de 70 anos, mas o Tribunal de Justiça reduziu para 31 anos e 8 meses de reclusão. O "anjo da morte" está preso até hoje.

Na condição de advogado de familiares dos pacientes que "o anjo da morte" matou, todos sofremos juntos. E cada familiar que me procurava no escritório eram lágrimas e lágrimas derramadas. Não, nunca esqueci de nada. Tudo está latente na minha memória. Pode até ficar um pouco adormecido. Esquecido, nunca. Ninguém esquece.

E eis que surge, pouco mais de vinte e três anos depois, no Hospital da Mulher em São João de Meriti, no mesmo Estado do Rio de Janeiro, o caso do "anestesista estuprador".

O "anjo da morte" de 1999 era enfermeiro.

Este estuprador de 2022 é médico.

O "anjo da morte" abreviava a vida dos enfermos da UPT do Salgado Filho e matava para ganhar dinheiro.

Já o médico estuprador aplicava alta dosagem de anestesia geral e estuprava mulheres dentro do centro cirúrgico para deleite próprio. Dois monstros.

Espera-se que a Justiça não tarde e que a pena, seja por um ou por mais de um estupro, sejam adicionadas todas as agravantes legais. E que também seja de igual medida - ou até superior - à que foi imposta ao "anjo da morte".

Também que o valor das indenizações por danos morais seja de altíssima expressão financeira, porque punir com o equivalente a 500 ou a 1000 salários-mínimos não é punição financeira exemplar. Neste caso do "anestesista estuprador" forma-se o que em Direito chama-se de "responsabilidade civil solidária". Ou seja, todos são responsáveis: tanto o "anestesista estuprador" quanto a instituição para a qual trabalhava e onde o crime foi praticado.

E não são apenas as mulheres estupradas que podem e devem cobrar a reparação cível. O dano moral é extensivo a todos os seus familiares mais próximos: a criança que nasceu sofre o dano. Seja porque a lei protege os direitos dos nascituros, seja porque a criança vai crescer, e enquanto viver - e até mesmo após sua morte - a marca do estupro que sua mãe sofreu nunca vai desaparecer da história da sua vida. Pais, irmãos e companheiros das vítimas estupradas também são credores da reparação do dano moral.

Seria oportuno, desde já e independentemente do desfecho da ação penal contra o "anestesista estuprador", que as mulheres estupradas e seus familiares dessem  logo entrada na Justiça com pedido de tutela de urgência, a fim de tornar indisponíveis todos os bens, existentes e que venham existir, pertencentes ao "anestesista estuprador" e à instituição sua empregadora. É uma garantia acautelatória que se faz necessária para garantir o ressarcimento do dano moral.

Mas para que tudo aconteça dentro da legalidade é imperioso ressaltar que mesmo em se tratando de um monstro, o "anestesista estuprador" tem todo o direito de defesa, fundamentalmente no inquérito e na ação penal. Sim, defesa. Vamos lembrar o maior dos advogados brasileiros. Certa vez, quando perguntado se defenderia uma pessoa que invadiu uma casa, estuprou a dona da casa, dela tudo roubou e em seguida a matou, o imortal Sobral Pinto respondeu: "Sim, vomitando e enojado defenderia a fim de garantir a legalidade da sentença condenatória. Porque sem defesa, a sentença seria nula".

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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