Mesmo aposentado, continuo a conviver com colegas que ainda estão em plena atividade em sala de aula. E cada vez mais fico preocupado com o que está acontecendo nas escolas. Sou daquele tempo em que o professor era um herói para seus alunos, fossem crianças ou adolescentes. O respeito era tão grande que o aluno considerava seu professor tanto quanto seus pais. É verdade que alguns docentes mantinham esse respeito pelo medo, com atitudes autoritárias, mas isso não era a regra. A grande maioria se dedicava aos alunos como a seus filhos. E a escola era como uma igreja: um local sagrado.
Hoje, a violência entre alunos e contra professores não é mais uma novidade em nossos dias. Cito como um caso exemplar a ocorrência em uma instituição de ensino público de Campo Grande. Já faz um certo tempo. A escola desenvolvia um programa de aproximação da comunidade chamado Amigos da Escola que foi interrompido por uma tragédia.
Basicamente, o programa abria a escola nos fins de semana para uso da comunidade, independente de ser ou não aluno ali matriculado, para atividades recreativas.
Penso que esta política de aproximação pode levar a comunidade a defender e respeitar a escola como um patrimônio de todos e como um espaço comunitário de multiuso. Infelizmente este processo de aprendizado vem sendo confrontado com a violência cotidiana cada vez mais intensa e com a sua irmã siamesa, a impunidade. No caso em pauta, um adolescente, que jogava bola na quadra, foi estupidamente assassinado por outros adolescentes.
Cada vez mais, estamos assistindo à banalização de crimes contra pessoas praticados por menores, protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que não acompanha a evolução da nossa sociedade. Parece até uma posição politicamente incorreta, mas é incompreensível para quem sofre uma violência ver um assassino menor de idade, após sofrer as chamadas medidas socioeducativas, ser solto pouco tempo depois de completar a sua maioridade. Esse é o grande desafio do momento.
É nesta sociedade conflituosa que se insere o educador e seu campo de trabalho, a escola. Para conhecer melhor as condições de trabalho na capital, recorro aos resultados de uma pesquisa realizada tempos atrás, mas que penso ter a sua atualidade. Foram consultados 4000 professores que, voluntariamente, responderam a um extenso questionário. A pesquisa trabalhou com um universo representado por uma amostragem de 20%.
O resultado foi estarrecedor. Segundo os professores consultados, 23,5% dos que trabalham em escolas municipais já sofreram algum tipo de agressão, o mesmo ocorrendo com 13,7% dos professores de escolas estaduais. Ainda no universo dessa pesquisa, 55% dos professores estaduais e 46,1% dos municipais consideram-se vítimas de desrespeitos, insultos e ameaças. Outros dados estarrecedores coletados na pesquisa dão conta de que mais de 50% dos professores denunciam uma sobrecarga de trabalho, resultado de baixos salários que os obrigam a trabalhar em várias escolas e que, se fosse possível, mudariam de profissão. Em tais condições é fácil compreender o expressivo número de licenças médicas provocadas por depressão, lesões ortopédicas e vocais e até necessidade de acompanhamento psiquiátrico.
Já foi o tempo em que a atividade do exercício do magistério era uma missão ou um sacerdócio. Agora, com certeza, é uma profissão de alto risco. Tem-se a impressão de que os educadores estão sendo colocados num circo de leões sem a necessária proteção do Estado. Desse modo, esses dados devem ainda servir de alerta à atual Secretaria de Educação do Estado e também do município, de que alguma coisa está errada e urge uma reforma profunda na política educacional. Quem sabe chegou o momento da realização de um grande projeto envolvendo todos os segmentos da sociedade sul-mato-grossense e de enfrentar esses problemas com toda a coragem possível. A oportunidade agora é a reforma do ensino médio proposta pelo governo federal para resolver parte do problema e tornar a escola mais atrativa aos adolescentes. Estudando, eles se afastam da delinquência.
É só começar.
Valmir Batista Corrêa
Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.