Carandirú, PCC e a banalidade do mal

11/10/2016 às 06:14 Ler na área do assinante

Cada vez mais se torna difícil e, até mesmo, perigoso falar sobre a violência que nos acompanha quotidianamente. 

A marginalidade aliada ao crime organizado são a mistura perigosa que faz surgir no seio de uma comunidade, acenos claros de um tecido social necrosado, exposto a inúmeras infecções intestinas. 

A capacidade de reposição e reprodução do tráfico lembra um monstro da mitologia grega: a Hidra de Lerna. Tinha muitas cabeças e cada vez que uma era cortada nasciam várias outras. 

As drogas, para além dos eventuais efeitos negativos sobre a saúde pública, constituem a base de uma gigantesca atividade econômica, cujo impacto é infinitamente mais grave e destruidor do que os efeitos negativos do seu uso ou abuso.

As drogas, para além dos eventuais efeitos negativos sobre a saúde pública, constituem a base de uma gigantesca atividade econômica, cujo impacto é infinitamente mais grave e destruidor do que os efeitos negativos do seu uso ou abuso.

O tráfico é uma poderosa fonte de riqueza no meio da pobreza e ceva as “bandas podres” das polícias, da justiça e do sistema penitenciário.

Ele existe em função do mercado composto de viciados e usuários menos ou mais eventuais. Indiscutivelmente, somos, hoje, um importante corredor de distribuição de drogas.

O consumo de drogas, no Brasil, além de um grande negócio para o tráfico e seus beneficiários diretos e indiretos, que podem ser mal ou bem intencionados, o que inclui – não necessariamente no mesmo saco - policiais corruptos, advogados, especialistas em segurança, deputados e senadores que se elegem com a bandeira do combate ao crime, etc., etc., etc., é, fundamentalmente, um problema de saúde pública.

A banalidade do mal, patente no massacre do Carandiru, é a marca do sistema prisional brasileiro, ao mesmo, tempo, em que cria um estado paranoico, e que, ao exigir uma eficaz e competente segurança, está na realidade apelando não só para a lei, a ordem, mas fundamentalmente para uma maior e mais forte repressão. 

Repressão representada por leis, penas e tratamentos mais duros, pelo policiamento armado e ostensivo e, em muitos momentos, pelo apelo às forças armadas. 

Produzem-se competentes cortinas de fumaça e a população em geral passa a acreditar que o tratamento para a violência inclui necessariamente medidas repressivas, duras, arbitrárias e brutais.

O estado de violência e a luta contra ele passam a justificar qualquer ação, qualquer desrespeito, mais violência ainda.

Não há dúvidas, de que temos hoje, o fortalecimento da criminalidade, que culminou com a formação e criação do Primeiro Comando da Capital (PCC), formando assim, uma organização que nascida dentro dos muros dos presídios, transcendeu fronteiras, movido pelo tráfico internacional de drogas, dando formação a criação de um cartel internacional denominado de Narcossul.

Para além das aparências, imaginemos o PCC, como uma “empresa”, esta, certamente, se estivesse dentro da legalidade, sem o tráfico de drogas, resultaria, certamente, na formação de uma empresa, que segundo analistas, estaria à frente, por exemplo, de outras grandes empresas, que movimentam milhões de reais.

Sem dúvidas, um império corporativo cuja base se estende as alianças com quadrilhas africanas e terroristas do Oriente Médio.

Estima-se que o faturamento anual do PCC, como organização criminosa, abocanha nada mais do que 20, 3 bilhões de reais com o comércio de entorpecentes.

Pra se ter uma ideia do tamanho deste mercado, anualmente são gastos mais de R$ 13,2 bilhões com o comércio de cocaína, o tráfico beneficia também usuários de crack, com uma receita de 5,5 bilhões de reais por ano, além de 1,6 bilhões decorrentes do tráfico da maconha.

Estima-se que o confisco de bens herdados do comércio das drogas, tenha chegado a mais de 557 milhões de reais, o que segundo dados oficiais, representariam o triplo do que foi apreendido nos quatro anos anteriores.

Acerca da influência do PCC, a organização criminosa, conta com mais de 10 mil presos, o equivalente a 1,5 % da população nacional, algo em torno de 550 mil presos, diretamente sob suas ordens.

Eles também têm sob seu comando, mais de 3.000 “soldados”, que atuam fora dos presídios, e desde a sua formação, já ocorrem mais de 300 ataques contra prédios públicos e a morte de mais de 42 policiais, ocorridas em 2006.

O elo do tráfico com a política é uma marca da força do PCC, a exemplo do domínio territorial ocorrido na Colômbia, Bolívia, o que acentua o poder de negociação existente entre parceiros envolvidos no comércio das drogas.

A força do crime organizado é o “combustível” para a “irrigação” e fortalecimento de guerras, especialmente em países africanos, através do crack, o que em tese, já culminou com a apreensão de mais de seis toneladas de cocaína em contêineres no porto de Santos.

É surpreendente mesmo saber, que o crime organizado, tem um estatuto dedicado a sua criação, onde em um de seus artigos, faz menção de sua fundação, considerando em tese, o fato que culminou com a sua institucionalização, após o massacre de 02 de outubro de 1992, onde morreram 111 presos.

Sem dúvidas, o avanço da criminalidade, a banalidade do mal, a inércia da justiça, tudo junto e misturado, favoreceu a formação do PCC, restando para todos nós à ideia que estamos todos, irremediavelmente, cerceados, quer pela inércia daqueles que deveriam exemplarmente, punir os culpados na chacina do Carandiru, quer, pela formação de grupos que ostentam poder mercê do tráfico.

Certamente, a sociedade torna-se refém desta realidade, e enquanto a polícia atira para todos os lados, prendendo pequenos traficantes, vemos com preocupação um estado alarmante de crescimento do narcotráfico, devido o aumento da criminalidade, o que sugere pensar que tudo isso ocorre em decorrência clara, da expansão do tráfico e da inércia visível do Estado diante da formação de um poder paralelo, que em si mesmo, institui suas leis, apesar da ilegalidade de suas existências.

Frise-se que no combate ao avanço do narcotráfico, existe a resposta de alguns países, com a aplicação da pena capital, a exemplo do que ocorreu com dois brasileiros, Marco Archer e Rodrigo Muxfeldt Gularte, ambos executados por fuzilamento, por ordem do presidente da Indonésia Joko Widodo.

Em números reais, estima-se que 962 brasileiros estão detidos no exterior por tráfico ou porte de drogas, segundo o o Ministério das Relações Exteriores, o número, atualizado em 31 de dezembro de 2013, representa 30% dos 3.209 brasileiros em prisões fora do país.

Entre os 3.209 brasileiros em prisões estrangeiras no fim de 2013, os registros mostram que 2.459 são homens, 496 mulheres e 36 transexuais. Os 218 restantes não foram especificados. Apesar de presos, pelo menos 1.421 ainda aguardavam julgamento.

Resta refletir as palavras do Joko Widodo, presidente da Indonésia dirigidas a ex-presidente Dilma Roussef, quando afirmou em um trecho de sua fala: “ Se a senhora Rousseff gosta tanto assim de contrabandistas, então ela deveria mantê-los no seu próprio país, ao invés de exportá-los para o país dos outros.

Algo para se pensar, afinal, quem deve comandar o país? Facções, grupos paralelos, “milícias” o crime organizado? Quem ?

Pio Barbosa Neto

Professor, escritor, poeta, roteirista

da Redação
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