Já não tem retorno!

14/06/2022 às 07:03 Ler na área do assinante

O clima político no país se agravou, enormemente, nessas últimas semanas de anteato pré eleitoral. Todas as tentativas de reequilíbrio na relação entre os Poderes constitucionais, particularmente no que respeita ao desejável recuo do STF em sua sanha militante de interferência direta no jogo político (para o que não tem incumbência, nem legitimidade), ruíram em definitivo.

Ficaram estampados, a céu aberto, a inocuidade e o engodo da propalada pactuação que teria ocorrido entre o presidente Bolsonaro e o ministro Alexandre de Moraes (intermediada pelo ex-presidente Michel Temer), no pós-7 de setembro de 2021, revelando que  tudo não passou de uma burlesca e irrisória pantomima.

Fato é que, ao contrário da retirada estratégica e tempestiva da Corte Suprema da arena política, em favor da pacificação do cenário – o que representaria a atitude mais correta e consonante à sua específica (e apolítica!) função institucional –, seus magistrados, notoriamente capitaneados por Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, decidiram acirrar ainda mais os ânimos, com premeditadas e ostensivas investidas contra o Governo, induzindo a que houvesse uma reação proporcional por parte do próprio Chefe do Executivo, com elevação máxima da temperatura política de conjuntura.

Por todas as evidências em cena, de suprema hostilidade e absoluta ausência de diálogo entre as partes em conflito, fica patente que já não há mais possibilidade de recuo e/ou conciliação entre os atores em beligerância, caminhando a contenda para um final virtualmente trágico e, quiçá, violento, com envolvimento limítrofe da população civil no centro do campo de batalha – dependendo dos desdobramentos subsequentes do cotejo.

O jogo já entrou na atmosfera irracional do tudo ou nada. Do “olho por olho, dente por dente”.  Não há mais respeito, compostura ou civilidade entre os contendores. Os Poderes se testam e se insuflam, mutuamente, até os limites (muitos deles já rompidos) da ordem e da lei (há muito alquebrada), em provocações que soam verdadeiras declarações de guerra, cujo objetivo precípuo parece ser, unicamente – na contramão dos fundamentos mais basilares da ética  democrática –, a aniquilação (e não apenas a derrota) do adversário “indigesto” – transformado,  insensatamente, em “intolerável inimigo”.

O STF, desafortunadamente, em indubitável adulteração e degenerescência, descolou-se de suas funções institucionais de origem e metamorfoseou-se num partido político de oposição (o mais agressivo de todos!), hoje constituindo-se no principal fator de desestabilização do  ordenamento jurídico e político nacional, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, responsável  pela ruptura do Estado democrático de Direito e pelo ataque à Constituição de 1988 (inclusive  a medulares cláusulas pétreas), pelo que deveria zelar e salvaguardar como missão suprema.

A “guerra brasileira” tende a ganhar dimensões ainda mais dramáticas à medida que se aproximam as eleições de outubro, sobretudo em função da perdurável querela (longe de remediação) em torno da vulnerabilidade das urnas eletrônicas, diante do que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – também dirigido por ministros do STF –, ao invés de cumprir o papel de instância moderadora e protetora da transparência do processo – eliminando incertezas pendentes de forma franca, dialógica e republicana –, preferiu assumir, em antinomia ao bom senso, uma conduta contraditória e inadequada de confrontação, seja por simples empáfia de afirmação do próprio ego coletivo (típica das corporações autocentradas), seja por razões mais suspeitosas e subterrâneas, de hipotéticas e cabulosas motivações (ou ambos os casos) – capturando, ao fim e ao cabo, um poder que, numa democracia, não lhe pertence, mas ao povo soberano (que tem todo o direito de exigir lisura incontroversa no escrutínio sagrado do voto). 

No frigir dos ovos, pelo andar da carruagem, anunciam-se momentos de altíssima tensão e provável ruptura institucional na linha já perceptível do nebuloso horizonte, de desenlace terrivelmente sinistro, incerto e imprevisível, de dificílimo prognóstico. Uma catástrofe há muito  prenunciada, para a qual todos Poderes instituídos, sem exceção – mas sobretudo o STF e o  Congresso Nacional –, terão contribuído de maneira direta, desvairada e irresponsável.

Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).

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