A 'estratégia do bode' continua sendo usada pelo governo Temer: coloca um bode (algo que assuste a população) no barraco do peão (povo brasileiro) prometendo tornar as coisas piores do que estão e, logo em seguida, tira o 'bode' de lá deixando tudo como está. A vítima agradece pela bondade.
Consta que um poderoso fazendeiro, dono de terras e gente, mantinha um casal e seus três filhos morando em um casebre de dois pequenos cômodos em um de seus “retiros”. O velho peão, certo dia, reivindicou um puxadinho para seu barraco alegando que a família precisava de maior conforto. No dia seguinte o capataz da fazenda trouxe um belo bode, reprodutor premiado, para que o dedicado peão cuidasse por alguns dias, com a recomendação de que o animal não poderia tomar sol em excesso e deveria dormir em ambiente fechado. Ao peão só restou acomodar o bode junto à cama dos filhos, gerando maior desconforto.
Passado uma semana o bondoso rancheiro veio pessoalmente retirar o bode do casebre, recebendo os agradecimentos do peão por esse ato de bom senso. Assim são as MPs e os projetos de Michel Temer: trazem “bodes” que são retirados logo após os impactos assustadores, deixando tudo como estava antes.
O povão respira aliviado porque as coisas se complicam naturalmente, sem necessidade dos impulsos alentadores da Presidência. Um novo e enorme “bode” foi colocado na cozinha da sociedade brasileira: a Reforma do Ensino Médio por uma MP formatada nos porões do MEC, sem qualquer discussão com os principais interessados.
O projeto de reforma do ensino médio encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, por medida provisória (MP), lembra a velha estrutura dos anos 1950/1960, quando se fazia o primário e o ginasial e depois tinha-se a disposição um leque de alternativas. O científico destinava-se aos que pretendiam cursos como engenharia, medicina e outros que necessitassem de matemática, física, química e disciplinas afins; o clássico para os que pretendiam cursar direito, filosofia, letras, etc.; o normal destinava-se para quem pretendia à educação; e cursos técnicos tais como contabilidade, técnico de laboratório, e outros tantos, para os que visavam mercado de trabalho sem curso superior. Mas não havia flexibilidade de matérias.
A MP de agora prevê a flexibilização curricular, com opção de os alunos escolherem trajetórias de aprofundamento, dependendo dos investimentos dos governos estaduais, sem comprometimento direto do governo federal. Somente parte da grade será comum a todos, nos três primeiros semestres. Para os três semestres seguintes haverá a opção de aprofundamento em cinco áreas: linguagem, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e ensino técnico.
No primeiro olhar, considerando a necessidade de uma profunda reestruturação no sistema atual, a proposta chega aparentar ser uma boa proposta. Mas com o olhar mais crítico, chega-se à conclusão de que as aparências enganam.
O coordenador da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Daniel Cara, avalia que “Do jeito que está, sem prever questões estruturais, não creio que essa reforma terá concretude. Ao contrário, poderá servir para desorganizar tudo (...) e diminuir os critérios de gasto do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação”.
Em síntese pode-se dizer que a “parte básica” do Ensino Médio será reduzida a três semestres, seguindo para mais três semestres de “itinerários formativos”: matemáticas, linguagens, ciências da natureza, ciências humanas e profissionalizante. O detalhe é que as cinco áreas não serão (obrigatoriamente) ofertadas em todas as escolas, isto porque cada escola poderá ter apenas uma delas.
Fica mais ou menos claro que nas periferias das grandes cidades só haverá a opção “profissionalizante”, devido a exigência do mercado. Está previsto, ainda, a concessão de certificados intermediários de “qualificação” para o trabalho (o estudante no meio do curso poderá ser encaminhado para o mercado de trabalho) onde terá remuneração segundo suas aptidões.
Está previsto, por outro lado, que a carga horária passará de 800 horas para 1400, o que seria muito interessante para um bom processo educacional, se houvesse recursos suficientes para tal. Entretanto, parte dos créditos poderá computar experiência profissional, atividades à distância e outros artifícios não esclarecidos. Retira-se, também a obrigatoriedade de artes, educação física, sociologia e filosofia (que ensinam a pensar e dão asas à imaginação e à participação social). A MP prevê a obrigatoriedade do inglês (exigência do mercado) e o aproveitamento de créditos do ensino médio no ensino superior, uma bizarrice inexplicável.
As classes superiores da sociedade apoiam esse procedimento e prometem que os jovens pobres identificados com notória inteligência, poderão ser deslocados para outras escolas melhores apetrechadas e, se for o caso, cursar o nível superior. Dessa forma não se desperdiçaria talentos.
O professor não mais precisará de diploma de licenciatura porque o “notório saber” é suficiente, precarizando a categoria do magistério, já desvalorizada e desmotivada. Não haverá necessidade de formação pedagógica e institucionaliza-se a “categoria do bico” nas escolas para complementação salarial dos profissionais que estão empregados, mas são mal remunerados em suas empresas.
Finalmente, cabe lembrar que essa reforma se encaixa no espírito da PEC 241 que impõe um teto de gasto com a educação para os próximos 20 anos. São propostas que lembram o Acordo MEC/USAID do tempo dos militares no poder: o ensino instrui ao invés de educar. É um duro ataque ao sistema educacional brasileiro, atingindo especialmente a educação pública, mas também afetará as escolas privadas que terão que oferecer dois turnos de aulas, aumentando os custos e as mensalidades.
É esperar para ver o que acontecerá no futuro próximo.
LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.
Landes Pereira
Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.