Carta aberta à doutora Paola Daniel Silveira, advogada e esposa do deputado Daniel Silveira
04/06/2022 às 14:06 Ler na área do assinantePrezada colega doutora Paola Daniel Silveira, esposa e também advogada do deputado federal Daniel Silveira. Acabei de ler agora, às 9 horas desta manhã de sábado, 4 de Junho de 2022, neste site Jornal da Cidade Online, em que também sou leitor e colunista, a notícia que reproduz seu justo desabafo, sua justa revolta contra a ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que também determinou o bloqueio das contas bancárias da prezada colega. Tudo para satisfazer o "débito" de seu esposo, por não ter ele pago as multas diárias que o ministro impôs pelo não uso da tornozeleira.
A prezada doutora Paola está coberta de razão. A questão gira em torno da legalidade. É mesmo estarrecedor, como a senhora escreveu e publicou nas redes sociais.
"Simplesmente não sei o que pensar", escreveu a senhora sobre a decisão do ministro.
Se a nobre colega não sabe o que pensar, vai aqui, como expressão da minha solidariedade, uma orientação, uma sugestão, um caminho a ser seguido, dentro da legalidade, para a senhora saber o que fazer em busca da cassação da ordem do ministro.
Doutora Paola, em edição recente do Jornal da Cidade Online, publiquei artigo em que demonstrei, juridicamente, que o ministro nem poderia impor a seu marido a pena de multa diária, nem o bloqueio de bens. Para facilitar a leitura deste artigo já publicado, aqui vai o link que permitirá à senhora, sem ter o trabalho de fazer busca, conhecer o fundamento do referido artigo
Doutora Colega, dê entrada ainda hoje, ou no mais breve tempo possível, no próprio STF, visto inexistir - infelizmente - outro órgão jurisdicional acima desta Corte para julgar recursos contra suas decisões, ingresse no próprio STF com a ação do Mandado de Segurança. Peça liminar para o desbloqueio dos valores que o ministro Moraes bloqueou de suas contas.
Somo 76 anos de idade e mais de 40 anos do exercício diário da advocacia aqui no Rio de Janeiro. Por vocação e por ter nascido em berço jurídico, pela Ciência do Direito e pela legalidade me apaixonei e me dediquei desde a infância. Daí, a experiência. E sabemos que para se ter experiência não há atalho.
O remédio jurídico é o Mandado de Segurança. Colha a fundamentação do artigo já publicado e aqui referido e que defende que a imposição da pena de multa diária a seu esposo, além do bloqueio de bens, são punições criminais indiscutivelmente ilegalíssimas.
No Mandado de Segurança, defenda também e principalmente, o denominado "Princípio da Intranscendência", segundo o qual só o condenado é que está obrigado a cumprir a pena criminal que, com ninguém mais se comunica e nem se transmite. E quanto à reparação do dano, a obrigação somente pode ser estendida aos sucessores e até o limite do valor do patrimônio transferido.
É o que está escrito no artigo 5º, XLV, da Constituição Federal:
"Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido".
O ministro está repassando e transferindo para a esposa - como se a esposa solidária e co-ré-condenada também fosse - a pena de multa diária (pena indevida, como está demonstrado no artigo referido) imposta ao marido. E também impondo ao cônjuge a obrigação de reparar o dano. Isto é, de pagar a multa que o marido não paga!
Mas que dano, ministro?
Que dano material ou de qualquer outra espécie o deputado causou?
E se causou, quem é a vítima do dano?
Multa é uma das modalidades da pena criminal. E o esposo não foi condenado à pena de multa. A multa que o ministro impôs é, no entender dele, por "desobediência" à ordem de usar tornozeleira. Multa também indevida e determinada e imposta contra a lei, como explicado no artigo anterior.
Também enxergo nesta decisão, que tem peso e força de uma espécie de penhora, que é o bloqueio dos valores que estão nas contas bancárias da doutora Paola, um gravame ao sentimento da prezada colega e também ao sentimento de seu esposo.
Sim, porque quando o artigo 5º, XLV, da Constituição Federal, acima referido e transcrito, menciona o adjetivo "sucessores" (...estendidas aos sucessores...) deixa subentender ter ocorrido a morte do devedor, que no caso STF X Daniel Silveira, seria a morte de seu marido. Deixa entender transmissão de herança. Deixa entender herdeiros e repartição de bens.
Fiz questão de usar o verbo "ser" na primeira pessoa do singular do Futuro do Pretérito ("seria") porque não creio (não creio mesmo) que o ministro atentou para tão delicadas consequências, como são a mágoa, o sofrimento, o tamanho, a interpretação e o alcance que o gesto dele poderia causar. Não se chega a tanto. Mas que além de ilegal a ordem de penhora das contas da doutora Paola, é certo que esta última decisão do ministro deixa um sentimento de dor da perda, isso deixa.
Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)