A proliferação do uso e do tráfico de drogas nos arredores do Shopping

02/10/2016 às 05:24 Ler na área do assinante

Os adolescentes de hoje estão sujeitos a muitos perigos e representam, em alguns casos, um problema social. Refiro-me a uma liberdade excessiva, na verdade a permissividade patrocinada pela família e o despreparo desses jovens para a cidadania.    Lembro, a propósito, de um episódio ocorrido perto da minha casa, tempos atrás e que, infelizmente, continua existindo.

De fato, um canal de TV de Campo Grande (MS) apresentou uma matéria sobre adolescentes que frequentavam uma pracinha no início da rua Paraná, com grande repercussão na cidade. O logradouro tem um acesso ao Shopping Campo Grande através de uma escadinha, construída por uma empreiteira. Em vez de ser uma área de acesso e lazer para as famílias da região, onde existem hoje dois grandes prédios de apartamentos, tornou-se um grave problema.

A praça passou a ser frequentada durante a noite toda, sobretudo nos finais de semana, por menores mal-educados, ou mesmo marmanjões oriundos de diversas regiões da cidade. Na presença dos moradores e transeuntes, praticavam sexo livre, fumavam maconha e   outras drogas mais fortes, utilizavam o tal do “narguilé”, tudo isso regado a muito álcool, fácil de ser adquirido no mercado próximo dali. Além disso, o local tornou-se também um campo fértil aos traficantes e interceptadores de objetos roubados que são moedas de troca das drogas.

A vizinhança da pracinha vive até hoje momentos de angústia e de intranquilidade pela barulheira e pela malandragem crescendo a cada semana. Os muros das casas e condomínios da redondeza amanheciam pichados e a sujeira (restos de bebidas e outras coisas impublicáveis) tomava conta dos gramados e das calçadas.

Na época, a reportagem da TV, que filmou esses jovens em plena ação, serviu de alerta às autoridades, até então omissas (uma prática recorrente) e espantou temporariamente esses delinquentes da pracinha. Mas, eles voltaram. Desde então a praça tem sido limpa e iluminada, o que a vizinhança penhorada agradece.

Ouvi as mais diversas explicações e sugestões para solucionar o problema, aliás de alta gravidade social. Entre as sugestões estava uma de espantosa imbecilidade: para o espanto geral, propunha simplesmente o fechamento da escadinha, elo da necessária ligação entre a parte alta do bairro Santa Fé com o estacionamento e todo o complexo do Shopping abaixo.

Essa solução remete à velha piada do marido diante do adultério de sua mulher em sua própria sala de visitas, que tirou o sofá da sala como solução simples e genial do problema. Os que defenderam esta ideia imbecil não perceberam que a escadinha era vital à circulação das pessoas, trabalhadores e consumidores das lojas e do supermercado, dia e noite. Os funcionários que chegavam de ônibus de distantes partes da cidade usavam preferencialmente a escada que permite até hoje um acesso fácil e rápido. Só isso já justificava a real necessidade da manutenção da escada, apesar da depredação que vândalos ignorantes fazem sempre, pichando seus muros e quebrando as lâmpadas que a iluminam durante a noite.

Acredito, a bem da verdade, que essa delinquência de jovens, a maioria deles menores de idade, tem raízes mais profundas e não se resolve com soluções fáceis. Também, não se deve jogar toda a responsabilidade nas autoridades que, evidentemente, não tem condições de resolver questões sociais mais grave.

A questão fundamental está centrada no desajuste familiar, presente em todas as camadas sociais. Não são somente jovens oriundos da periferia, pois alguns que frequentadores da pracinha parecem bem saudáveis, vestem roupas de grife (caras compradas no Shopping) e são de famílias aparentemente de elite. São estudantes e moram por aqui mesmo no bairro de classe média alta. Entendo que, nesses casos, trata-se de um problema de omissão na educação/formação dos filhos, necessária para moldar o caráter e ensinar os princípios elementares de cidadania. Ao serem surpreendidos com a transgressão de seus filhos jovens, justificam-se alegando que não conseguem controlar a rebeldia típica da adolescência.

Que famílias são essas? Como um pai ou uma mãe não sabem o que seu (sua) filho (a) de 15 ou 17 anos faz numa sexta-feira à noite? Onde está a responsabilidade desses pais?

Uma antiga medida socioeducativa tomada em Fernandópolis, interior de S. Paulo, bem poderia ser utilizada por aqui. Lá, os pais de adolescente infrator recebem (por incrível que pareça) uma multa da Vara da Infância e da Juventude. Segundo o juiz local, “a multa é para punir os pais por não exercer o pátrio poder”, aliás um crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 258.

Sei que esta é uma medida polêmica e de difícil aplicação, porém, pode ser uma maneira de coibir a omissão costumeira de pais (ou responsáveis) que não querem enfrentar, dentro de suas próprias casas, esta terrível situação. Uma desejável parceria entre autoridades e pais seria um bom começo e um recado contundente a quem simplesmente faz de conta que o problema não existe.

É mais fácil tirar o sofá da sala, do que admitir a sua parcela de culpa.

Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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