No Brasil, todo poder emana do povo? De que povo?
25/05/2022 às 13:41 Ler na área do assinanteEnsina-se em quaisquer faculdades de "direito" no atual Brasil distópico, assim como se discute ou repete acriticamente em incontáveis mesas de bar ou manifestações de rua, que "todo poder emana do povo".
Não é para menos: é no que a Constituição, de modo ilusório ou mesmo mal-intencionado, fez com que milhões de incautos acreditassem. Mas só não disse como fazer, na prática, essa declaração constitucional valer e ser respeitada por autocratas em cargos públicos. Porque o que presenciamos no dia a dia em nosso contexto jurídico e político transforma a afirmativa constante no art.1.°, parágrafo único, da CF, em espécie de escárnio normativo. Por que disso? Vejamos algumas razões.
Primera razão. A Constituição de 1988, fruto da Assembleia Nacional Constituinte, traduziu os anseios do povo? Hoje, quase 34 anos após a sua promulgação, fácil constatar: não. A Constituição foi textualmente elaborada para viabilizar exatamente o oposto: o controle da população por pseudodemocratas inescrupulosos, feito de forma velada, por meio da manipulação espúria da parte principiológica de seu texto, sempre com respaldo dos tais "especialistas" e de suas doutrinas de conveniência, que se prestam a avalizar a opressão gradativa do povo.
Extensa, prolixa, enganosa e utópica, a Constituição prometeu demais e entregou de menos. Em especial, prescreveu um Estado Democrático, mas, ultrapassadas três décadas, nos entregou uma ditadura socialista meia-boca do Judiciário, construída por um ativismo judicial golpista e criminoso, em conluio com uma representação legislativa interesseiramente submissa e cúmplice.
Os modos de operação são vastos: excesso de normatizações que dificultam ou inviabilizam o empreendedorismo e a prosperidade, tornando cada vez mais o indivíduo dependente senão refém do Estado; confisco aparentemente legal de renda dos cidadãos pelo aumento homeopático e frequente de impostos; supressão progressiva do pluralismo de ideias e opiniões do sistema educacional e de comunicação, dominados por gente descompromissada com o ensino, a verdade e a pátria; garantia da impunidade de corruptos e lavadores de dinheiro assegurada pelo Judiciário; perseguição de policiais por agentes subversivos do Ministério Público, sem qualquer legitimidade popular; construção de conteúdo politicamente correto e sua imposição à sociedade pelo sistema totalitário de justiça, em detrimento da língua portuguesa e da biologia humana; apelos incessantes e oportunistas à palavra "democracia", à medida que vem se buscando o cerceamento das liberdades individuais; busca ininterrupta do revisionismo histórico e a consequente demonização das Forças Armadas; dentre outros.
As necessidades do povo foram completamente desprezadas, e ainda vêm sendo.
Segunda razão. E o povo? Ou melhor: o que significa "povo"?
i) Um mero conceito abstrato e retórico, usado para malandramente "avalizar" qualquer ato normativo ou decisão judicial, como se este ou aquele estivessem respaldados em alguma carência popular e, não, em intenções inconfessáveis?
ii) Grupo de milhões de cidadãos que vão às ruas pacificamente para manifestar suas insatisfações sem o mínimo de postura intimidatória, sendo, porém (e por isso), não só ignorado pelos autocratas no poder, mas - pior - acusado de praticar atos "antidemocráticos"? iii) População patriota e consciente dos descalabros institucionais, capaz de fazer o necessário para destituir de seus cargos os que atacam reiteradamente as suas liberdades fundamentais e tripudiam de suas necessidades mais básicas?
Intuitivo e compreensível por que, até então, nenhum poder tenha emanado do povo.
Terceira razão. Na certeza da inexistência de um povo concreto e de que o povo - vivendo por décadas alienado - desconhece o poder que tem, presumível que, mesmo quando chamado para exercer o poder diretamente, o cidadão-eleitor seja imperceptivelmente enganado por seus representantes legislativos de fachada.
i) Iniciativa popular de lei? A lei da ficha limpa (LC 135/2010) está aí, demonstrando o engodo que é. A qualidade da legislatura atual fala por si.
ii) Plebiscito? Outra farsa. Deixar à escolha da população - à época apolitizada e, ainda agora, majoritariamente semianalfabeta ou analfabeta funcional - a forma de governo (república ou monarquia?) e o sistema de governo (presidencialismo ou parlamentarismo?) não é coisa de país sério. Referendo? O caso do estatuto do desarmamento (lei 10.826/2003) é exemplar. Esta lei entrou em vigor em 22/12/2003. Em 2005, a população eleitora rechaçou o desarmamento. O art.2.°, parágrafo.2.°, da lei 9709/98, é inequívoco: o resultado do referendo revogou o estatuto do desarmamento. Logicamente, o comércio de armas deveria estar liberado, como estabelece o art.170, parágrafo único, da CF. Pois é: na ditadura da toga, teoria é uma coisa; no mundo dos fatos, é outra. Aliás, muito simples resolver essa questão. Mas o presidente da República terá que estar disposto a impor legítima e necessariamente o seu poder sobre o Judiciário usurpador e o Congresso Nacional disfuncional e leniente. A edição de um simples decreto presidencial, baseado no art.78, da CF, reconhecendo a revogação do estatuto, assegurando o comércio de armas, assim como facilitando a posse e o porte, solucionaria a questão.
Quarta razão. Se ninguém pode alegar desconhecer a lei para se justificar de besteiras que fizer (LINDB,3.°), logicamente, deduz-se que todos temos o dever de saber o que é obrigatório, proibido ou facultativo fazer. Novamente intuitivo: se psicopatas, bandidos presumidamente "inocentes", semianalfabetos, palhaços e até gente do bem, inteligente, intelectualmente honesta e sem conhecimento jurídico, podem integrar o Poder Legislativo e fazer leis, torna-se democraticamente incabível a colocação de um intermediário "iluminado" entre a lei e o cidadão, para dizer-lhe o sentido do que está escrito na lei ou na Constituição. Em suma, a judicialização da política e da vida, patrocinada por agentes subversivos do Estado em prol da implantação da causa progressista, é de natureza antidemocrática e juridicamente fraudulenta.
Diante desses "detalhes" expostos, pergunta que não quer calar: como fazer valer, de fato, a afirmativa constitucional inconteste, segundo a qual "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente", nos termos da Constituição - que, por ora, não passa de uma "folha de papel" (como disse o socialista alemão, Ferdinand Lassale)? Simples: com a palavra, sua excelência, O Povo (ainda em sono profundo, sem previsão para o despertar), ou o senhor presidente da República, comandante-supremo das Forças Armadas (mais desperto do que todos os que dele desconfiam e absolutamente no controle da situação).
Renato Rodrigues Gomes
Mestre em Direito Público, ex-oficial da Marinha do Brasil (EN93), escritor (autor da trilogia Conscientização Jurídica e Política, disponível na Amazon).