O ministro Moraes e o STF não podem impor ao deputado Daniel Silveira pena de multa diária, nem bloqueio de bens

Ler na área do assinante

Como advogado, com mais de 40 anos de militância, me sinto mal, irritado, inconformado, afrontado,  diante das anomalias que o ministro Alexandre de Moraes, em seu nome e em nome da corte que integra (STF), vem cometendo contra o deputado Daniel Silveira, que não é nenhum santo. Mas não será pela falta de santidade do deputado que o ministro pode subjugar Silveira ao que não é legal. Das muitas anormalidades (barbaridades, mesmo), vamos tratar aqui de uma delas.

Moraes vem impondo a Silveira multa diária por descumprir a determinação de utilizar tornozeleira. Moraes, Moraes, será que o senhor ministro não sabe que nas leis penais não existe a pena de multa diária - que os franceses chamam de "astreinte" -?.

O senhor ministro não sabe que multa é pena, é punição, é condenação, acessória ou não, para quem cometeu crime ou contravenção penal?

E que pena de multa - que é de valor fixo e não pode ser imposta de forma diária - só pode ser cobrada depois que a sentença for definitiva, conforme reza o artigo 686 do Código de Processo Penal?

"Artigo 686, CPP - A pena de multa será paga dentro em dez dias após haver transitado em julgado a sentença que a impuser".

Ao impor ao deputado multa diária, o ministro Moraes está aplicando disposição que não existe nas leis penais, mas apenas e exclusivamente no Código de Processo Civil.  Somente no âmbito cível - em causas cíveis, portanto -, e nunca em causas penais, é que a lei prevê a pena de multa por dia de atraso no cumprimento de obrigação de fazer, ou não fazer, e de entregar coisa certa. A conferir:

Código de Processo Civil

"Artigo 814 - Na execução da obrigação de fazer ou de não fazer...o juiz ao despachar a petição inicial fixará multa por período de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida"
"Artigo 806 - O devedor de obrigação de entregar coisa certa será citado para, em 15 dias, satisfazer a obrigação..."
"Parágrafo 1º - Ao despachar a petição inicial, o juiz poderá fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, ficando o respectivo valor sujeito a alteração, caso se revele insuficiente ou excessivo".

E não seria justificável se o senhor Ministro invocasse a analogia para utilizar, no processo penal, regras e disposições existentes também no processo civil. Isto porque o processo penal trata e cuida, explicitamente, da pena de multa, acessória ou principal, e como ela, a pena de multa, deve ser cobrada. Portanto, quando a lei processual penal cuida de determinada questão que a lei processual também cuida, não cabe a analogia, que é somente aplicável quando a lei processual penal for totalmente omissa a respeito, o que não é o caso.

Conclusão: todas essas multas que o ministro Moraes vem impondo ao deputado Daniel Silveira são nulas. De nada valem.

É mais outro forte motivo que compromete a legalidade do processo aberto no STF contra Silveira.

Para terminar: o ministro Moraes também não pode determinar bloqueio de bens do deputado, com a finalidade do pagamento da multa. Isto porque o Código de Processo Penal, como visto e transcrito acima (artigo 686) cuida dessa questão e indica como o juiz deve proceder para cobrar o valor de multa imposta a quem for condenado a pagá-la.

O STF e seus ministros não são juízes de execução. Lá é uma Corte Recursal. Em matéria constitucional, a última corte. E na eventualidade da Corte expedir uma ordem, excepcionalíssima que seja, o STF é obrigado a emitir Carta de Ordem ao juiz competente da primeira instância para cumprir o que for determinado. E nada disso vem ocorrendo no processo contra o referido deputado. Neste embate, STF X Silveira, o STF assumiu o poder e a competência para resolver tudo, tudo e tudo.

Foto de Jorge Béja

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

Ler comentários e comentar