Ex-diretor do Multishow, do Grupo Globo, acusado de golpes em hotéis de luxo, exerce o seu Direito de Resposta
23/05/2022 às 06:43 Ler na área do assinanteAbaixo, a íntegra do texto enviado pelas advogadas Gleyce Kelly Mello dos Santos e Andreza Mendes Quaresma:
"Depois de sua prisão em flagrante, em 9 de dezembro de 2020, acusado de golpes em hotéis de luxo, junto de seu então namorado e produtor Jhony de Sousa Oliveira, o diretor de cinema Aaron Salles Torres sequer chegou a se tornar réu em processo algum. A Justiça determinou em novembro do ano passado a extinção da punibilidade do cineasta e de Jhony. O inquérito por estelionato foi extinto e o referente a associação criminosa foi arquivado pela Justiça, por recomendação do próprio Ministério Público estadual, por falta de mínimos indícios do envolvimento de Aaron e de Jhony em qualquer esquema.
Para Aaron, a decisão judicial em seu favor não é minimamente suficiente para reparar os danos morais, emocionais e profissionais causados pela divulgação de fake news, em meios de comunicação de massa, com a sua imagem vinculada a suposto envolvimento em crimes. Aaron foi levado por policiais civis à 13ª DP (Copacabana) ao tentar dar entrada no Santa Teresa M. Gallery, hotel da Rede Accor, após as reservas providenciadas pelo operador de viagens Edivaldo de Oliveira da Silva. Estranhamente, o operador não chegou a ser ao menos citado em reportagens e nem investigado no inquérito.
O diretor de cinema, que morava em São Paulo na época, estava no Rio para gravar um filme de propaganda de joias para o diretor da MTV-EUA Max Joseph, estrelado pela atriz Thayla Ayala.
Aaron e Jhony foram acusados do suposto uso de cartões clonados para pagar estadia no Hotel Fairmont, em Copacabana, entre o Réveillon e 12 de janeiro de 2020, e desde então estariam sendo monitorados pela polícia carioca. Aaron sequer passou, no entanto, aquele Réveillon no Rio de Janeiro, mas, sim, em Mato Grosso do Sul com a sua família, de onde voou em 2 de janeiro de 2020 para São Paulo, onde cumpriu obrigações profissionais como diretor da série Noturnos, do Canal Brasil, que trouxe no elenco a atriz Marjorie Estiano.
Aaron e Jhony permaneceram presos durante três dias, sem contato com a família ou com advogados, período no qual ambos sofreram tortura psicológica, ameaças à integridade física e agressões verbais. Ambos foram obrigados, por exemplo, a desfilar algemados, sob a mira de um fuzil, numa simulação do momento da prisão. Essa cena foi transmitida diversas vezes no noticiário da RecordTV. Aaron jamais recebeu, no entanto, voz de prisão, o que é inconstitucional. Chegou à delegacia sem algemas e na condição de acompanhante, apesar de terem retirado os seus documentos, cartões, laptop e celular ainda no hotel. Os eletrônicos foram devolvidos em janeiro deste ano, por ordem judicial. No presídio de Benfica, os policiais incitaram dezenas de homens a estuprá-los, por serem LGBTQIA+, mas o cineasta e seu produtor foram respeitados pelos detentos.
Quando a Justiça determinou a sua soltura, Aaron se deparou com a forte repercussão social das notícias sobre o caso em diversos veículos impressos e digitais, de rádio e TV, da imprensa tradicional e da sensacionalista, assim como de blogueiros bolsonaristas. Os textos foram ilustrados com fotos replicadas de seu próprio perfil nas redes sociais. As fotos foram usadas fora de seu contexto, pois se referiam à prestação de serviços de divulgação (#publi) de destinos turísticos e hotéis rústicos pelo Brasil, em Bonito, Chapada dos Veadeiros, Lençóis Maranhenses, Ilha Bela, entre outros. Nesses casos, como de praxe, o cineasta não pagou pela hospedagem nos locais cuja imagem promoveu a trabalho.
A maioria dos veículos reproduziu o conteúdo da primeira publicação sobre o assunto, na revista Época, em texto assinado pela jornalista Paolla Serra (Paolla da Silva Serra), no dia 11 de dezembro de 2020. Aaron nunca chegou a ser ouvido pela imprensa, e nem os seus advogados, embora em alguns veículos tenha constado a informação falsa de que teria sido procurado por jornalistas e até dado declarações. Embora em algumas reportagens a delegada Natacha Alves de Oliveira tenha afirmado que Aaron e Jhony prestaram depoimento, isso não ocorreu de fato. O que houve foi um interrogatório ilegal, sem a presença de advogados ou da própria delegada, e que durou sete horas ininterruptas.
Duas horas após o início do interrogatório, Aaron e Jhony ouviram um inspetor, em telefonema, dizer em tom de entusiasmo: “Doutora, doutora, estamos com a rainha aqui. Podemos soltar a resenha? Podemos soltar a resenha?”. Isso fez Aaron concluir que era ele o alvo central da operação policial no hotel da Rede Accor, que nunca chegou a representar contra o cineasta.
Entre as suspeitas relacionadas à motivação de tal operação, o ex-diretor do humorístico Vai que Cola, da TV Globo/ Multishow acredita que possa ter se tornado objeto de uma perseguição política por parte de setores organizados na extrema direita, em função de seu forte ativismo contra o presidente Bolsonaro e em defesa da democracia, nas redes sociais.
Sem até hoje ter tido a oportunidade de poder falar sobre a prisão e as suas circunstâncias, diante da recusa de diversos veículos em publicar a verdadeira história, Aaron decidiu escrever um livro inspirado em sua experiência e que em breve será lançado. Neste momento, o cineasta, em função de sua dolorosa experiência, dedica-se a lutar pelo seu direito a ter a sua dignidade restabelecida.
Mesmo após a Justiça ter reconhecido a falta absoluta de provas em relação às acusações feitas, Aaron continua a enfrentar um ambiente de suspeição, sob o argumento de que ele não teria sido declarado inocente. Para o advogado criminalista Frederico Donati Barbosa, que defendeu Aaron no caso, tal interpretação representa inegável inversão de um dos valores fundamentais do ordenamento constitucional brasileiro: a presunção da inocência.
Gleyce Kelly Mello dos Santos. Advogada OAB/RJ 219.936
Andreza Mendes Quaresma. Advogada OAB/RJ 219.751