O risco da guerra civil no Brasil: Elementos para uma reflexão

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Toda ordem social se funda em duas alternativas possíveis: o consenso ou a força. Trata-se de uma lei sociológica imperativa e, portanto, de natureza incontornável. 

A inteira Ciência Política moderna – a começar de Maquiavel (séc. XVI) – se fundamenta nessa premissa básica, reconhecida desde os mais antigos tratados de filosofia política, celebrizados nas obras pioneiras dos expoentes gregos Platão e Aristóteles – alicerces de todo o edifício teórico que, desde então, pautado na observação rigorosa e cumulativa dos fatos, viria a se erigir nos séculos seguintes.

Os conceitos de “sociedade política” ou de “contrato social”, esculpidos por grandes intelectuais da modernidade – como Hobbes, Locke, Rousseau, Montesquieu – exprimem, exatamente, esse contraponto dialético entre ordem e desordem, guerra e paz, civilização e barbárie, em que o “pacto social” (racionalmente internalizado como valor supremo pela cultura humana civilizada), em nome do bem comum, sob a guarda e a supervisão do Estado, por delegação do interesse coletivo, firma-se em contraposição ao “estado de guerra” ou “de natureza”, em que a “ordem” social, instável e movediça, é determinada, unicamente, pelo arbítrio e pela força, sob o domínio dos mais fortes.

A condição do pacto social, contudo, preferível, em qualquer situação, à insegurança generalizada e ao barbarismo do “estado de guerra”, supõe, para a sua cimentação, a definição prévia e consensuada dos regramentos da convivência social e da competição política (a estruturação da “sociedade política”) e, por conseguinte, a correspondente assimilação e o devido comprometimento (ético e moral), por parte de todos os segmentos da coletividade envolvida, às cláusulas do “contrato” firmado, sob pena de inexorável implosão do arranjo politicamente concertado, com o retorno compulsório ao “estado de natureza”, de incontornáveis incertezas e vulnerabilidades.

As constituições modernas e contemporâneas têm o condão de espelhar e delinear esse acordo societário mais amplo – o pacto social de base –, estabelecendo princípios e preceitos, regras e compassos, direitos e deveres, por parte do Estado e da sociedade civil, em favor da preservação da estabilidade política de longo prazo e de parâmetros legalmente sólidos de referência à solução racional dos eventuais (e inevitáveis) conflitos interpessoais ou coletivos de rota, tanto quanto à dinâmica civilizada (e regrada) da competição política (Estado de Direito), condição  precípua e imprescindível de todo ordenamento social possível.

É na esteira desse rudimento preliminar (e somente então) que vêm definidos, em complementação, com o devido lastro de legitimidade, o regime político e a forma de governo que conferirão materialidade ao “pacto contratado”, cujas configurações podem variar de povo  para povo, de sociedade para sociedade, entre historicidades, culturas e mentalidades distintas,  conforme cada época e contexto.

Independentemente de ser democracia ou não, o regime político escolhido, ou presidencialismo ou parlamentarismo, a forma de governo priorizada, o ponto central à reflexão é que qualquer pacto social, para se sustentar no tempo, supõe a hegemonia e a prevalência dos valores e  normas convencionados (ora em cláusulas pétreas, ora nos demais regramentos decorrentes),  sem o que todo o arcabouço previamente arquitetado e sistemicamente ordenado resta  comprometido e abalado em seus pilares e fundações – com ameaça de desabamento iminente,  a qualquer trepidação mais contundente.

O Brasil de hoje, desafortunadamente, encontra-se nesse estado de abalo e agitação, com temíveis “rachaduras” há muito infiltradas em todas as colunas e estacas de sua desgastada edificação política, prestes a trincar e a desmoronar por repentino excedente de gravidade acrescido à sua já fragilizada (e carcomida) estrutura institucional – ao contrário do que afirmam  os arrivistas de plantão.

Sim, porque não se mantém por muito tempo nenhum ordenamento político em que a corrupção é recompensada e a honestidade enjeitada; o suborno escoltado e a justiça desdenhada; a farsa reverenciada e a decência desprezada, com motivações, atitudes e narrativas conspirando, permanente e descaradamente, pelo boicote às bases constitucionais do “contrato”, movidas pela desonestidade, pela hipocrisia e por meros interesses oportunistas de ocasião, de cabulosa serventia.

Em terra brasilis, hoje em dia, tudo se apresenta absolutamente invertido, de ponta-cabeça, sendo, justo e paradoxalmente, o próprio Poder Judiciário, na figura do STF – a quem caberia garantir a adequada dosimetria da estabilidade do pacto –, o fator preponderante de tamanha desestabilização institucional, de vez que, desviante de seus propósitos, não se obstou em locupletar-se, ilegítima e ilegalmente, de poderes que não lhe pertencem: os de legislar, de  governar, de perseguir, de acusar, de censurar, de boicotar, de militar politicamente,  promovendo e chancelando, sem cessar, abusos de autoridade e toda sorte de arbitrariedade,  substituindo-se, totalitariamente, aos demais Poderes da República, numa contraditória e  abominável afronta ao próprio Estado democrático de Direito que lhe caberia, antes de tudo e  de todos, por dever, proteger – assim consumando, por efeito material, o que se pode  caracterizar, sem contradita ou hesitação, como um verdadeiro (e indisfarçável) golpe de Estado. 

Por conta de todas essas anomias supremas – igualmente infectadas nos tecidos esponjosos do  TSE –, eleva-se a temperatura da atual disputa pela Presidência da República a um grau inaudito de animosidade, já sem freios e comedimentos, ingressando-se na atmosfera indomável do vale tudo, de sombria incivilidade, a sinalizar uma temporada carregada de extremo barbarismo, de  imponderável ferocidade: calúnias, difamação, mentiras, desrespeito, agressões, ameaças,  conspirações, manipulação, perseguições, sabotagens, corrupção, chantagens e, no limite (o  que não pode ser descartado), até assassinatos (de cidadãos comuns, autoridades ou candidatos) – com a culminação de todas as tensões canalizada para o controle das opacas urnas  eletrônicas (signo máximo de todo o desvario), cujos “gerentes” togados se negam, monocrática  e terminantemente, em estranha postura de irremediável suspeição, a corrigir as notórias e  graves fragilidades já publicamente detectadas (inclusive nas auditorias técnicas da Polícia  Federal e das Forças Armadas), usurpando, assim, corporativa e despoticamente, uma soberania  que, em regime democrático, não lhe pertence (mas ao povo), e colocando, por consequência,  à custa de tamanha presunção, ainda mais “lenha na fogueira”. 

Ou seja: vive-se, na prática, em razão do esgarçamento aguçado das relações entre poderes  constituídos, um verdadeiro “estado de guerra”, em que não há mais lei, não há regras, não há segurança (física e jurídica), não há direitos (nem deveres) em vigência – tampouco honradez, transparência e bom senso.

Autoridades de todas as camadas e esferas descumprem e exorbitam, impune e  desavergonhadamente, em escalada incontida e crescente, com a maior desfaçatez e  “naturalidade”, suas obrigações e papéis, condenando a sociedade à exasperação e à orfandade  e, o pacto social, à iminente e temerosa ruptura, graças à inusitada falência das instituições, em  permanente curto-circuito de egos e mesquinharias.

Instala-se, progressivamente, o caos e a desordem e, por conseguinte, o império da força – em  que paletós e togas, subitamente, para espanto dos próprios figurantes, perdem todo o poder  que pensavam, em “última instância”, por absoluta imprecaução (ou ignorância), possuir.

Sim, são ao próprias autoridades de capa preta e de colarinho branco que, por prepotência ou  omissão, irresponsabilidade ou perversão, estão criando as condições propícias para uma  imprevista (e indesejável) guerra civil no país, a exemplo de outros contextos históricos similares e correlatos – sempre desdenhados, por empáfia ou imprudência, pelos incrédulos tiranetes  tupiniquins.

Este desfecho torna-se ainda mais plausível e perigoso à medida que, às proximidades das  eleições, aumenta a insegurança e o ceticismo popular relativamente à integridade e higidez do  sistema de apuração das atuais urnas eletrônicas (de tecnologia vulnerável e ultrapassada),  colocando perigosamente sob suspeita e tensão – por nebulosa e obsessiva teimosia dos  monarcas do TSE – qualquer resultado final do pleito, com desdobramentos potencialmente  desastrosos e alarmantes. 

Se nada, na história, por certo, é preciso, exato (nunca foi!), nada, contudo, é impossível,  irrealizável (nunca será), inclusive um levante insólito e repentino das indignadas e estafadas massas (habitualmente cridas eternamente “passivas” e “ignaras”) – sobretudo quando já se  esvaiu, entre os “eminentes” (e desgastados) personagens da cena, a Prudência, a Compostura e a Razão.

Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).

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