A presença do Forte de Coimbra em Mato Grosso do Sul representa um dos mais importantes marcos no desenvolvimento histórico da nossa fronteira.
Fundado na margem direita do rio Paraguai, por orientação do capitão-general Luiz de Albuquerque em 1775, teve de início um grande tropeço. A orientação era fundá-lo num estratégico local conhecido dos portugueses, chamado Fecho dos Morros. Por um erro do encarregado daquela tarefa, capitão Matias Ribeiro da Costa, as suas paliçadas foram construídas 44 léguas distantes do ponto escolhido, numa região parecida com o Fecho dos Morros. Como era de se esperar, Matias Ribeiro perpetuou-se na história regional como o primeiro servidor público demitido por incompetência.
Desde o início, os militares conviveram com civis e seus familiares, partindo da premissa de que, além de objetivos defensivos, as autoridades desejavam também o estabelecimento de assentamentos coloniais naquela região lindeira. Portanto, a convivência de militares e civis no forte de Coimbra data desde os primeiros tempos. Dois anos depois de sua fundação, as suas toscas paliçada e os alojamentos cobertos de palhas de acuri foram consumidos por um incêndio. Foi apenas um dos muitos dissabores na história do velho forte.
Em 1778, um fato inusitado aconteceu com o massacre de 54 soldados pelos índios Guaicuru (segundo um acordo entre antropólogos usa-se a terminologia no singular quando se refere a tribo ou nação indígena). Usando como isca as suas próprias mulheres, todas nuas como era costume tribal, os índios conseguiram atrair para fora das paliçadas os soldados que, envolvidos pelas formosas índias, foram mortos a pauladas. Assim, marcados pelo abandono e pelo isolamento, os soldados não resistiram ao encanto feminino e literalmente perderam a cabeça.
Em fins do século XVIII, assumiu o comando do forte Ricardo Franco de Almeida Serra com o projeto da construção das muralhas de pedra. Naquela época, o velho forte não ficava imune aos conflitos coloniais das nações europeias, o que levou o governador do Paraguai, Lázaro de Ribera, a subir o rio Paraguai com uma frota e ataca-lo enquanto ainda existiam as velhas paliçadas. Ricardo Fraco tinha sob seu comando 49 praças e, mais uma vez, 60 civis para a sua defesa e, mesmo assim, conseguiu segurar Lázaro de Ribera que atacou o forte com uma grande força.
Bem mais tarde, em 27 de dezembro de 1864, novamente o forte foi colocado à prova com o ataque dos paraguaios. Estava no comando o tenente-coronel Hermenegildo de Albuquerque Portocarrero com uma guarnição de115 soldados e um grupo de índios mais civis. Após a resistência inicial, não restou a Portocarrero senão a retirada de todos os defensores do forte para Corumbá. Era o início da grande guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança.
Este resgate serve como alerta sobre uma antiga ideia, aliás infeliz, baseada na aplicação de uma legislação federal que prevê a desocupação de terras da União, indo de encontro às próprias raízes históricas da região. Segundo esse desatino, a ideia era transferir 75 famílias ali residentes para a região urbana de Corumbá. Seria o absurdo de quebrar a convivência secular de militares e civis que, unidos, lutaram e resistiram em defesa dessa região fronteiriça.
Felizmente, prevaleceu o bom senso e foi mantida no local a população civil de Coimbra. Lembro disso porque a lei ainda existe e algum oportunista ainda pode tentar colocá-la em prática, como ocorreu em relação aos moradores de Porto Esperança. Afinal, a existência de população na região é, de certa forma, uma garantia a mais, reforçando os direitos do país na fronteira que já foi questionada um dia, a despeito de tratados e acordos internacionais.
Essas questões fronteiriças ainda são muito delicadas em toda a América Latina. De qualquer forma, as fronteiras são focos permanentes de tensão. E todo cuidado é pouco.
Valmir Batista Corrêa
Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.