Num instante você é rico, bonito, charmoso, bem-sucedido, admirado, protagonista de uma novela. Então, você dá um salto em um rio enquanto comemora a vida e não volta mais à superfície. Você vai embora dessa vida em uma viagem rumo ao desconhecido e não leva nada do que você tem ou de quem você é.
Certa vez Chico Anísio disse que não tinha medo de morrer, mas tinha dó. Essa ideia, para mim, é incrível! Afinal, ter medo de morrer é estranho, já que todos nós teremos que passar por essa experiência. O que temos não é realmente medo da morte, mas sim uma dó de deixar tudo o que fizemos, as relações estabelecidas, o patrimônio conquistado, a identidade que arquitetamos e na qual acreditamos tão piamente.
A morte desse ator da Globo é uma grande oportunidade para que nós lembremos, vez após vez, que todos os dias nós podemos não voltar à superfície e continuar nossos projetos, nossas relações, nossas brigas infantis, nossas difamações ao trabalho alheio ou nossos comentários maldosos sobre as convicções políticas dessa ou daquela pessoa. Todos os dias nós podemos ser obrigados pelas circunstâncias a deixar tudo o que temos sem levar nenhuma trouxa de roupa, sem nenhum dinheiro, sem nenhum amigo a nos fazer companhia. Nós, que temos medo de ir sozinhos ao cinema numa quarta-feira, teremos que partir rumo ao fim de nós mesmos sem alguém que nos apoie. Nós morreremos sós.
Esse é um bom momento para refletirmos sobre frases como "você sabe com quem está falando?", "você sabe quem é meu pai?", "você sabe quem é minha família?". A morte é muito democrática e mostra, mesmo que no último instante, que todos somos iguais e que todos temos o mesmo destino em comum. Nada do que temos, nada do que acreditamos que somos, nada do que experimentamos ou o status que possuímos. Nada disso pode comprar a nossa tentativa de não morrer. É por isso que todos nós devemos ter cuidado e humildade, mesmo que isso seja tão difícil. Afinal, nenhum de nós sabe se o próximo instante será o nosso último mergulho.