A recente determinação monocrática do Ministro Alexandre de Moraes, do STF, em bloquear o TELEGRAM em todo o território brasileiro não representa, apenas, mais uma atitude arbitrária, totalitária e inconstitucional dentre tantas outras que, nos últimos tempos, com o compadrio das demais “eminências” togadas, têm enxovalhado e desacreditado uma Corte que, à condição “suprema”, na contramão de seus desígnios constitucionais, só tem diligenciado o crime e a injustiça.
Ainda que revista, posteriormente, por seu autor (o que não elimina a sua intencionalidade originária), a medida, em si, não somente escancara, a céu aberto (e sem qualquer pudor) que o país vive hoje, sim, sob uma brutal (e impune) “ditadura da toga”, mas, pior: que foi definitivamente solapado, em terras tupiniquins, o Estado de Direito, passando a inexistir, nesse turvo cenário, qualquer resquício de segurança jurídica ou de garantia de direitos, subsumida a dinâmica política e social, inapelavelmente, ao império do arbítrio e da barbárie.
Como bem resumiu a deputada e jurista Janaína Pascoal, em recente entrevista concedida ao jornalista Alfredo Bessow (19/03/22): “O que o STF está fazendo com o Direito é pior que juristocracia. É a subversão do Direito [em si mesmo].”
Não bastasse esta terrível constatação, outros significados de idêntica e simétrica gravidade emergem, igualmente, de tão lastimável episódio, completando os traços de um diagnóstico extremamente sombrio e preocupante, que desvela, ao fim e ao cabo, em toda a sua crueza epidérmica, o estágio avançado de degradação sistêmica em que se encontra, atualmente, o organismo político nacional.
Em primeiro lugar, fica exposta, mais uma vez, a fragilidade institucional do país, à medida que nenhuma entidade ou organização de maior relevância ou representatividade – seja do Estado ou da sociedade – se contrapôs, tempestivamente e à altura, ao autoritário e desmesurado ato “alexandrino”.
O Senado Federal, em especial, agachado e subserviente, como de costume, curvou-se, mais uma vez, à tirania monárquica de um espúrio ministro da Alta Corte, mantendo-se em seu silêncio cúmplice, covarde e pusilânime, desdenhoso do clamor popular e de suas prioritárias obrigações constitucionais.
Associações de classe como a OAB e a ABI, ou de representação religiosa, como a CNBB, que tradicionalmente costumavam se manifestar contra o despotismo do poder de Estado (como sucedia durante o regime militar), hoje parecem ter “esquecido” de suas consagradas praxes em favor das liberdades e dos direitos fundamentais, passando a mensagem de que não lutavam, tanto, por valores e princípios universais, mas por interesses corporativos e ideologias arrivistas.
A mesma lógica se aplica aos grandes e tradicionais grupos de comunicação, antes arautos (autoproclamados) da democracia e da liberdade, hoje aliados de primeira linha da censura e da repressão.
E se, mesmo assim, nesse imenso deserto republicano, ainda houve alguma digna e imediata reação a mais uma tentativa autoritária de quem se julga, acima da lei e da ordem, “editor” ou “curador” da sociedade, esta partiu, unicamente, das redes sociais, da relutante “ágora virtual” – não por acaso sob eterna vigilância e perseguição por parte dos pretensos “donos do poder”.
Eis, assim, configurado, em poucas linhas, de forma clara e objetiva, o que se entende por “mecanismo”, por “sistema” ou por aquilo que se denomina, com um pouco mais de sofisticação (de tempero anglicista), de establishment.
Sim, o Brasil, na presente conjuntura, está sob a artilharia reativa e implacável da convencional (e secular) cleptocracia patrimonialista que, por um lapso estratégico, não previsto, deixou escapar das mãos, em 2018, o habitual e absoluto controle do Poder Executivo e, com ele, o da chave-mestra de acesso aos cofres públicos – fonte de todos os costumazes (e cabulosos) privilégios, domínios de influência e poder de mando.
A “guerra brasileira”, em síntese, é isso!
Dispensa teorias rebuscadas de explicação.
E o que está em jogo é o avanço da democracia e da república (do interesse geral e do bem comum) ou o retrocesso da ditadura e da barbárie totalitária (do interesse oligárquico e das “franquias” seletivas).
Nem mais, nem menos.
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).
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