Por dentro da mente de Putin

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“Pego a primeira parte para mim porque me chamo leão, a segunda, sois vós a dar-me porque sou robusto, a terceira cabe a mim porque valho mais. A quarta, pobre daquele que ousar tocá-la”. (Fábulas - Fedro).

Putin nasceu em 1952. Eis um resumo de sua vida: 

“Acabei a escola e fui para a universidade. Licenciei-me na Universidade e fui para o KGB. Terminei o meu trabalho no KGB e regressei à Universidade. Depois da Universidade, fui trabalhar para Sobchak. De Sobchak, para Moscovo e para o Departamento Geral. Depois para a Administração Presidencial. Daí, para o FSB. Depois fui nomeado Primeiro Ministro. Agora cumpro as funções de Presidente. É tudo!”

Simples assim. O resumo data de 2001. Está contido no livro “Primeira Pessoa”. Putin ainda não era famoso, por isso detalhes de sua vida que hoje são escondidos, aparecem somente na entrevista que foi transformada em livro.

Vera Dmitrievna Gurevich, Professora de Putin do 4º ao 8º ano da Escola Nº 193, em São Petersburgo, relata:

“Tinham um apartamento horroroso. Era comunal, sem os requisitos necessários. Não havia água quente, nem chuveiro. O wc era horrível. Estava virado para o patamar da escada. Era tão frio, medonho e a escada tinha um corrimão de metal gelado. As escadas não eram seguras, havia lacunas em todos os lugares… Praticamente não havia cozinha. Era um canto quadrado, escuro e sem janelas. Num lado tinha um fogão a gás e uma banca no outro. Não havia espaço para poder circular”.

Em outra parte da entrevista, relata Putin:

- “Aí, no patamar das escadas, aprendi uma lição curta e duradoura sobre o significado da palavra ‘encurralado’. Havia inúmeras ratazanas na entrada. Os meus amigos e eu, costumávamos persegui-las com paus. Uma vez, encontrei uma ratazana enorme e fui atrás dela até à entrada do apartamento e encurralei-a num canto. Ela não tinha para onde fugir. De repente, deu meia volta e atirou-se a mim. Fiquei surpreendido e assustado. Agora a ratazana estava a encurralar-me. Saltei através do patamar e corri escadas abaixo. Felizmente, fui um pouco mais rápido e consegui fechar a porta mesmo no nariz dela”.

Esse episódio marcou profundamente Putin. Diz ele: - “Só uma estratégia funciona em tais casos: partir para a ofensiva. É preciso golpear primeiro, e tão forte que seu oponente não consiga levantar”.

No livro citado (“Primeira Pessoa”) Putin discorre sobre sua educação, de como tinha orgulho de sua familia, apesar dela não ser rica. O avô foi cozinheiro de Lênin e Stalin. De como era a vida na cidade de Lenigrado onde os pais tinham o apartamento de como sonhava ser espião:

- “A ideia que eu tinha da KGB vinha de histórias romanticas de espionagem”

Aos 16 anos Putin procura a KGB; ... 

“Para saber como ser um espião, perto do nono ano tinha ido à Secretaria da Directoria do KGB. Veio um funcionário e escutou-me. “Queria trabalhar para vós”, disse-lhe. “Excelente, mas há várias questões”, respondeu-me. “A primeira, não empregamos pessoas que venham ter conosco por sua iniciativa. A segunda, só pode abordar-nos depois da tropa ou depois de qualquer tipo de educação superior civil.”
Eu estava intrigado. “Que tipo de educação superior?” perguntei. “Qualquer uma!” respondeu. Provavelmente queria despachar-me. “Mas qual é a preferida?”perguntei. “A Faculdade de Direito”. E foi assim. A partir desse momento, comecei a preparar-me para a Faculdade de Direito da Universidade de Leningrado. E ninguém me pôde impedir”.

Quatro anos depois:

“Mas então, quando estava no meu quarto ano da universidade, um homem veio e pediu-me para me encontrar com ele... Concordámos encontrar-nos no vestíbulo da Faculdade...Então fui trabalhar para as agências com uma imagem romântica do que eles faziam”.

Sergei Roldugin, violoncelista líder da Orquestra Sinfónica do Teatro Mariinsky, amigo dos Putins, e padrinho da filha mais velha de Putin, Masha:

“Nunca inquiri Volodya (Putin) sobre o seu trabalho. Claro que estava curioso... Mais tarde, disse-lhe: “Sou violoncelista. Toco violoncelo. Nunca poderia ser um cirurgião. Ainda assim, sou um bom violoncelista. Mas qual é a tua profissão? Sei que és um espião. Não sei o que isso significa. Quem és? O que fazes? ”

Ele respondeu: “Sou especialista em relações humanas”. E esse foi o fim da nossa conversa”.

Putin permaneceu cerca de 10 anos na antiga União Soviética. Em 1985 foi enviado à Alemanha Oriental, para trabalhar em Dresden. Sua carreira no serviço secreto era inexpressiva. Então aconteceu o segundo momento marcante em sua carreira, (o primeiro foi o ataque de uma ratazana) e aconteceu com o fim da guerra fria. Em 1989, caiu o Muro de Berlim. A central de operações da KGB em Dresden foi cercada pela multidão em dezembro de 1989. Ele ligou para o Exército Vermelho para pedir proteção, mas Moscou – sob o comando de Mikhail Gorbachev – não respondeu:

- “Os ânimos estavam exaltados”, recorda ele no livro. “Convoquei nossas forças e me disseram: “Não podemos fazer nada sem ordens de Moscou. E Moscou está em silêncio”. Algum tempo depois os soldados dispersaram a multidão, mas o episódio permaneceu gravado na mente de Putin:
-“Ao ouvir aquela história de Moscou está em silêncio”, lembra ele, “tive a sensação de que o meu país não existia mais”.

Putin volta a Rússia e vai para Lenigrado e começa a subir na carreira.

O impulso foi dado por Anatoly Sobchak, Prefeito da cidade, antigo professor de Putin que teria se lembrado do aluno quando assumiu a prefeitura. “Na antiga Alemanha Oriental, Putin tinha sido parte de uma rede de pessoas que perderam seus antigos cargos, mas foram muito bem posicionados para prosperar pessoal e politicamente na nova Rússia. Sua experiência como espião se mostrou útil no novo regime pós-Soviético. Ele cultivou antigas amizades, fez novos contatos e aprendeu a jogar pelas novas regras. Em pouco tempo se tornou vice de Sobchak”.

O espião comunista da KGB, agora vivia em um novo mundo.

Em 17 de março de 2018, Eva Ontiveros, em reportagem para BBC de Londres, intitulada “Como Putin virou Putin: os momentos que transformaram um burocrata da KGB no homem mais poderoso da Rússia”, assim descreve a subida meteórica de Putin:

“Desde o tempo que estava em Dresden, Putin vinha aprendendo como fazer conexões com as pessoas certas da elite. Mudou para Moscou e prosperou na FSB (agência de inteligência russa sucessora da KGB). Acabou conseguindo um posto no Kremlin – a sede do governo russo de Boris Yeltsin.
Graças a essas amizades, o espião comunista se tornou um político e teve uma subida rápida: em 1997 foi tornado chefe interino da administração presidencial. Em 1999, Yeltsin o escolheu para o cargo de Primeiro Ministro da Rússia.
No fim daquele mesmo ano, Yeltsin, cujo comportamento tinha se tornado cada vez mais errático, anunciou que entregaria o cargo”. Putin, o escolhido.

Em menos de três meses no poder, Putin domina toda mídia russa. Rapidamente remove os dissidentes e controla os magnatas dos negócios que exerciam poder sobre Boris Yeltsin, antes que eles o controlassem. Dessa forma, grandes empresas e conglomerados russos gradualmente foram parar nas mãos de aliados de Putin, mudando conforme as alterações nas alianças políticas.

Em 1999, Putin iniciou uma segunda guerra na Chechênia. Gradualmente tomou controle das 83 regiões da Rússia nomeando políticos em que confiava para governador. Em 2004, ele acabou com as eleições para governador. No seu lugar, estabeleceu uma lista de três candidatos para que legisladores escolhessem o governador entre eles.

Em 2014 invadiu e anexou a Criméia. Interviu na Guerra da Síria, em apoio às forças do ditador Bashar al-Assad.

Em novembro de 2017, Putin inaugurou na Criméia, um monumento para o czar Alexander 3º, pai do último imperador da Rússia, Nicolau 2º.

A mensagem é inequívoca: Putin diz ao mundo, com essa inauguração do monumento em homenagem ao último imperador da Rússia, que ele será o novo Czar Russo e quem é sua inspiração para tanto.

Em 2022, Putin, o novo Czar Russo, invade a Ucrânia.

São muitos os livros escritos sobre Putin. Sua vida e seu governo foram esmiuçado pelos escritores e analistas ocidentais e russos. Sua personalidade foi estudada e discutida. Todos conhecem seu comportamento ditatorial, mas todos os líderes mundiais se curvam a ele.

No livro a “A Mística de Putin”, de Anna Arutunyan, uma das perguntas da jornalista e escritora é: se todos (ou quase todos) sabem quem é Vladimir Putin, por que tem tanto apoio?

Eis alguns livros sobre Putin: “Todos os Homens do Kremlin” - de Mikhail Zygar; “O Novo Czar” - de Steven Lee Myers; “Alerta Vermelho”- de Bill Browder; “Putin: A Face Oculta do Novo Czar”  - de Masha Gessen; “A Era dos Assassinos - A Nova KGB e o Fenômeno Vladimir Putin”, dos historiadores Yuri Felshtinsky e Vladímir Pribilovski; “O Laboratório dos Venenos - A Indústria do Assassinato da Rússia de Lênin a Putin”, de Arkadi Varsberg; “De Gorbachev a Putin - A Saga da Rússia do Socialismo ao Capitalismo”, de Angelo Segrillo; “As Entrevistas de Putin - As Conversas Que Deram Origem ao Documentário”, de Oliver Stone; “A Rússia de Putin” - Maria Raquel Freire; “A Mística de Putin”  - de Anna Arutunyan.

No livro “Putin: A Face Oculta do Novo Czar” - de Masha Gessen, deduzimos a verdadeira face de Putin:

“Vladimir Putin é um mentiroso. Esperto, engabela a população russa, mente a chefes de estado, faz acordos e inventa sua própria versão dos fatos. O mundo está lidando com um homem que foi e ainda é um burocrata da KGB, hoje FSB. Um ex-comunista que fez acordos com a Igreja Ortodoxa. Vingativo, agressivo, imprudente.
Vende ao planeta a imagem de machão e de incorruptível, mas foi descoberto seu patrimônio espalhado em todo mundo: Putin tem cerca de US$ 40 bilhões de dólares em ativos, incluindo um palácio no Mar Negro no valor de US$ 1 bilhão, tudo acumulado por roubos descarados e negócios obscuros.
Masha Gessen, cita o sociólogo húngaro Bálint Magyar, para definir o estado russo como estado mafioso, administrado como uma família por um patriarca que distribui dinheiro, poder e favores, punindo quem merece, mas muito generoso com quem gosta e o apoia. Seu patriotismo em relação à Rússia também funciona a seu favor, tudo isso se juntando para evocar a personalidade de alguém que é duro, mas justo. Mas que no fundo não passa de um gangster da KGB, ou FSB”.

Os americanos Barack Obama, George W. Bush e Donald Trump; a alemã Angela Merkel; os chineses Hu Jintao e Xi Jinping; os britânicos Tony Blair e David Cameron; os brasileiros Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro; o italiano Silvio Berlusconi e o israelense Binyamin Netanyahu, todos beijaram a mão de Putin.

Putin mentiu a todos. 

Armou uma arapuca e os que nele acreditaram caíram como patinhos inocentes.

Sua brutalidade fez com que o Ocidente abrisse os olhos. A Europa, envergonhada descobriu que depende da Rússia, e uniu-se novamente. As grandes empresas e eventos se retiraram do solo russo.

Putin é um carniceiro selvagem. É um “homem-besta-fera” ainda hoje aterrorizado pela ratazana que o fez correr de medo.

As nações democráticas precisam entender que Putin não tem valores ou prioridades, tem apenas ambições. Por isso não vai parar.

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Foto de Carlos Sampaio

Carlos Sampaio

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

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