A candidatura de Lula: A egolatria do ex-presidiário frente a uma iminente derrota para um capitão
03/03/2022 às 12:57 Ler na área do assinanteCondenado por unanimidade em três instâncias da Justiça brasileira, Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva – até recentemente “ficha suja” – é novamente candidato à Presidência da República graças a um licencioso e desfaçado artifício do Supremo Tribunal Federal (STF) que, para favorecê-lo, recorreu a subterfúgios de natureza estritamente procedimental, com imputação de nulidade ao julgamento do caso sob a estranha e tardia alegação (da lavra do ministro Edson Fachin) de “inadequação” da vara jurisdicional de origem (a de Curitiba, à cura do ex-juiz Sérgio Moro) – na impossibilidade de invalidar as fartas provas condenatórias presentes nos autos.
Lula ressurge num momento extremamente crítico para os habituais inquilinos do poder, derrotados nas eleições presidenciais de 2018, particularmente em razão da resiliente popularidade do atual Presidente, Jair Bolsonaro, principal adversário na disputa, e da notória insolvência das estratégias de instauração de uma factível “terceira via” – cujos candidatos, até o presente, não decolaram.
O líder do PT restou, assim, como a única alternativa viável à retomada da Chefia do Executivo pelas forças do tradicional patrimonialismo oligárquico (e seus “sócios” de ocasião), que, não por acaso, em afinado arranjo e sincronia, entoam idêntico “samba de uma nota só” contra o execrado inimigo comum: partidos de oposição (ávidos do resgate de cargos e mandos); grandes grupos de comunicação (de olho na recanalização das verbas públicas aos seus cofres privados); portentosos banqueiros e empreiteiras (que mais lucram no compadrio governamental); certas corporações profissionais e sindicais (costumeiros quinhoeiros do “espólio”) – todos circundados por destacados jornalistas, acadêmicos e artistas (“consumidores” e “passistas” do mesmo “samba-enredo”), além de governos estrangeiros (interessados no acesso “amigável” às riquezas do solo, subsolo e biodiversidade tupiniquim) e organizações criminosas, como o narcotráfico (em busca de maior “liberdade” de ação e locomoção).
Todos, com a parceria e a retaguarda “militante” de alguns ministros do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), apostam sofregamente as suas fichas numa intransferível e urgente subversão do atual quadro político nacional, notadamente adverso aos seus perseguidos e delituosos propósitos, com empenho concertado na retomada imediata do controle absoluto do Estado para a consecução dos conhecidos e cabulosos desígnios – os mesmos que sempre moveram as discricionárias elites ao longo de toda a história.
É nos contornos desse delineado e incestuoso cenário que se projetam as tendências e as expectativas mais salientes quanto ao retorno do PT ao poder.
Um partido que, após treze anos de governança absoluta, sem oposição efetiva (amortecida pelas pecúnias do “mensalão”), ao invés de ter implementado um projeto de Nação – como falsamente alardeava –, nada mais afirmou que um indigente e nefasto projeto de Poder, colocando inclusive em dúvida, pelos escombros legados, as reais intenções que o haviam motivado no atendimento parcial dos latentes anseios populares, por meio de políticas sociais estrategicamente (ou taticamente?) implementadas – como nos casos do Bolsa Família e das cotas sociais.
O PT, com todo o domínio e hegemonia que chegou a deter sobre as arenas máximas de decisão estatal (do Congresso Nacional ao STF), não foi capaz – ou não teve interesse (por concessão populista-demagógica aos grupos de pressão) – de promover, para além do assistencialismo mais imediato e circunstancial, as reformas estruturais de longo prazo de que tanto o país necessitava – já devidamente diagnosticadas àquela altura –, condição inexorável ao seu tempestivo ingresso, com vigor e sustentabilidade, no ritmo e na sintonia do século XXI, altamente globalizado e de fortes exigências competitivas, tecnológicas e pulsante dinamismo mercadológico – a exemplo da China (comunista!) e dos “tigres” asiáticos.
Devido à baixa “imunidade” macroeconômica perpetrada e, desafortunadamente, não combatida em tempo hábil com as prescrições congruentes e apropriadas, na receita, recomendadas, o “gigante” permaneceu, sob os governos petistas, extremamente vulnerável, resumido à sua crônica condição de colônia dependente da exportação de commodities, com os habituais e quebradiços “pés de barro” ainda mais flácidos e atrofiados – sofrendo até hoje, em consequência, as sequelas e os efeitos colaterais adversos de tal irresponsável e negligente omissão.
Por exprimir a única liderança efetivamente nacional egressa das hostes petistas, Lula acabou por personificar, em sua figura mitificada, todo o esforço coletivo honestamente empreendido por tantos atores e segmentos sociais ao longo de décadas, reduzindo a si, equivocadamente – ao velho estilo caudilhesco –, qualquer esforço de renovação e de retomada da primeva e aspirada trajetória, inviável sob a impostura de sua já desgastada regência e de seus respectivos consortes – publicamente desmoralizados em suas famigeradas aleivosias e perfídias.
Fato é que o PT virou Lula. E Lula, tornado maior que o partido, reduziu-o – por oportunismo e sovinice – a si, gangrenando de vez, por seus malfeitos, a integralidade da organização e condenando à amputação o que deixou de ser vascularizado, oportunamente, por novas ideias, correções tempestivas de rota e uma criteriosa, honesta e necessária autocrítica.
Sim, o PT da “ética na política” e do “combate à corrupção” metamorfoseou-se, sob a autoridade de Lula et alii, no PT do “mensalão”, do “petrolão”, do enriquecimento ilícito e da farsa, cujo atestado, em última instância, é estampado na arrogante pretensão de impunidade aos atos praticados por seus representantes; pelo cinismo e sordidez da negação dos fatos revelados (com deboche à inteligência mediana da população); e pelo embuste da ladainha da “prisão política” de seu líder maior – depois de tantas evidências e provas avaliadas e julgadas por tribunais das várias instâncias da Justiça.
Lula-candidato carrega, por conseguinte, irrevogavelmente incrustado em sua figura, um pungente e ominoso espólio: a) traiu as expectativas mais legítimas e genuínas de mudança semeadas; b) pactuou e amalgamou-se à mais “alta burguesia” (a quem sempre condenara), cedendo às suas práticas, “costumes” e “delícias”; c) trocou causas por “cousas”, lambuzando se (como tantos que criticara) com o “discreto charme” e os privilégios do poder; d) contribuiu à institucionalização do crime organizado nas entranhas dos aparelhos de Estado (deep state); levou às últimas consequências o “capitalismo de compadrio”, deixando saudades em banqueiros e grandes empreiteiros (hoje, não por acaso, seus maiores apoiadores); e) e legou, por fim, como herança, nos rastros do mau exemplo plantado, o que de pior poderia ter legado às gerações presentes e futuras (da perspectiva de um honesto idealismo): a percepção de que o “socialismo” (uma nobre utopia humana) é, por definição, sinônimo de corrupção, de cilada e de fake – num colossal desserviço à causa.
O que fica estampado, à vista disso, na imagem da candidatura de Lula – mas escondido na raiz de todo o movimento ora em curso, capitaneado pelas velhas oligarquias, em conluio com a “nova esquerda” –, não é tanto, pois, a “ameaça” do “comunismo” ou do “socialismo” (conforme propalado), mas o vetusto e convencional patrimonialismo, sedento de revanche; a posse privada e totalitária do Estado; o enriquecimento ilícito e as mordomias indecorosas, sustentados pela extorsão criminosa e imorredoura do povo brasileiro – continuamente saqueado em seus direitos, sua soberania e sua dignidade.
E para culminar o nebuloso e alarmante quadro, deteriorado em sua traçada e corroída moldura, não se pode olvidar que, em indisfarçados pronunciamentos públicos, o candidato Lula, de hoje, eivado de rancor e ódio (e não de “paz e amor”), parece ter assumido, de vez, o lado oculto de sua lídima (e dupla) personalidade, deixando às claras, sem reservas, perante o eleitorado brasileiro, as suas reais e despudoradas intenções, pautadas em explícita e intransigente plataforma política petista, de resoluto tempero “bolivariano”: controle totalitário do poder de Estado (citando a China como exemplo a ser seguido); censura à imprensa e às redes sociais; rompimento do teto de gastos do orçamento da União (com desfazimento do equilíbrio fiscal); revisão de todas as privatizações (com reestatização da economia); interferência política nas empresas estatais e no BNDES; revogação da autonomia do Banco Central (o que favorece o monopolismo dos grandes bancos); revogação da reforma trabalhista (com restituição do imposto sindical); revisão da reforma da Previdência; liberalização do consumo de drogas (amplamente vantajoso ao narco-negócio); desmilitarização das Polícias Militares (beneficiando o crime organizado); extinção dos atuais Colégios Militares (com reestruturação radical do tipo de organização educacional castrense e de seu respectivo conteúdo de formação); ampla e politicamente direcionada “reforma” das Forças Armadas (somada à eliminação do art. 147 da Constituição, que garante a tutela militar sobre o Estado em situações-limite de desordem social); subtração da autonomia do Ministério Público (subordinando-o aos interesses governamentais); ampliação dos critérios favoráveis à legalização do aborto; reaproximação do Brasil de regimes ditatoriais de “esquerda”; etc.
É tudo isso, em resumo, o que representa, ao fim e ao cabo, a candidatura de Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva – a “alma mais honesta do Brasil”.
Uma candidatura que, contudo, será abortada pelo próprio candidato caso os reais indicadores eleitorais, às proximidades do sufrágio, sejam-lhe desfavoráveis – ou que um controle mais rigoroso sobre o sistema de apuração do TSE (notoriamente vulnerável a fraudes) venha a ser, efetivamente, implementado.
A única coisa que Lula jamais toleraria, a essa altura do campeonato, do alto de sua egolatria, seria uma fragorosa derrota, nas urnas, justo para um “tosco”, “miliciano” e “genocida” capitão – com o sepultamento de sua “mitificada” biografia não pelas “abomináveis elites” (como costuma, hipocritamente, dramatizar), mas pelo próprio povo (outrora reverenciado como “soberano”, hoje difamado como “gado”).
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).
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