Após a votação do impeachment Dilma Rousseff (PT) fez ameaças e anunciou que não dará tréguas ao presidente Michel Temer (PMDB), porque a ‘Luta continua!’. Lula e o PT, já distanciados da ex-presidente, continuam em campanha para as eleições de 2018 prometendo combate ferrenho ao “pacote de maldades” anunciado por Henrique Meirelles. Dilma, ao que tudo indica, voltará ao fisiológico PDT de Ciro Gomes.
Temer, por sua vez, de cenho franzido, punho fechado, falou grosso, batendo na mesa: “Agora nós não vamos levar ofensas para casa” e não mais se admitirá ser chamado de golpista, nem aceitar traições de “falsos aliados”. Para ele, o “aliado” está com o governo ou está contra o governo. Não há meio termo, contrariando o perfil histórico de seu partido. Foi um recado ao PSDB e aos dissidentes do PMDB.
A ex-presidente Dilma Rousseff, cassada pelo Congresso Nacional, quando no exercício do poder, desagradou muita gente importante ao mesmo tempo. Irritou os membros da Justiça ao vetar o aumento salarial do Poder Judiciário, que terá reflexos em todo o território nacional; irritou a família Marinho e Edir Macedo quando não aceitou perdoar a dívida que os canais de TV têm com o governo. Eles seriam os maiores beneficiados; desagradou profundamente os cartolas da CBF e dos clubes de futebol, que ficaram irados, porque ela não aceitou perdoar a dívida que eles têm com o governo. As torcidas organizadas “bateram panelas” em apoio aos dirigentes futebolísticos; os empresários não gostaram, e protestaram, quando ela se colocou contra a reforma trabalhista e a lei de terceirização.
Dilma foi, politicamente, muito inábil e mostrou as deterioradas entranhas do Poder Executivo ao grande público. O Congresso Nacional, por sua vez, proporcionou os debates mostrados ao vivo pelas televisões e comentados pelos “especialistas” engajados que apoiam esta ou aquela facção partidária. Foram cenas desagradáveis, dignas dos circos mambembes de outros tempos. Os parlamentares, entretanto, acreditam que cumpriram com seus deveres de representantes do povo.
Na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha comandou o espetáculo e recebeu a alcunha de “bandido do bem”; e continua na liderança de cerca de 300 deputados, segundo suas declarações. No Senado, o presidente Renan Calheiros, em acalorada discussão com a senadora Gleisi Hoffmann, comparou a Instituição a um hospício, depois de ter dito que a livrou, e ao marido Paulo Bernardo, de indiciamento no STF. A senadora o chamou de canalha. Foi um espetáculo deprimente.
Renan, que responde a oito inquéritos por suspeita de envolvimento no “petrolão”, é velho conhecido do povo brasileiro. Foi líder do governo Collor, ministro de FHC e aliado dos governos petistas, quando por quatro vezes presidiu o Senado. Em determinada ocasião renunciou ao mandato para não ser cassado, voltando depois com força total. Também foi desafeto de Michel Temer antes de ele assumir a presidência, mas agora está na base do governo.
Hoffmann declarou que o Senado não tinha moral para julgar a então Presidente afastada. E, para comprovar tal afirmativa, os senadores Ronaldo Caiado (líder da extrema direita) e Lindbergh Farias (ex-presidente da UNE quando do impeachment de Collor) encenaram um bate-boca com ameaças de agressão física, lembrando as hilariantes cenas cômicas dos antigos espetáculos circenses. Nesse grande teatro, os palhaços são os eleitores e o povo brasileiro, e o público é representado pela imprensa nacional e internacional. Tudo isso sob a coordenação do presidente do STF.
Dilma, presidente afastada, resolveu enfrentar de frente seus adversários e caiu de pé. Foi ao Congresso e fez o melhor discurso de sua carreira política, infelizmente muito tarde. Não conseguiu se redimir do estelionato eleitoral cometido na reeleição, nem corrigir os erros administrativos cometidos, principalmente o de abandonar as tradicionais bandeiras que a elegeram para aliar-se à elite conservadora que a levou para o cadafalso político.
Cassaram a Dilma e Temer assumiu a presidência da República. O que realmente muda com isso? No contexto macropolítico observa-se duas mudanças básicas: a) mudou o sexo do mandatário: era uma mulher e agora é um homem; b) o PT, que era coadjuvante do PMDB, trocou de lugar com o PSDB que liderava a oposição: o PT passou a ser oposição e o PSDB passou a coadjuvante.
No mais, tudo igual: a inflação, o desemprego e os juros continuam altos, sem indicativo de queda; a educação, a saúde e a segurança pública continuam no caos; os políticos continuam sendo beneficiados pelo Fundo Partidário (alimentado pelos impostos) e o “caixa 2” não foi extinto; os gastos e o endividamento públicos em nada mudaram; a geração e distribuição de energia, o saneamento básico e o transporte público não mudarão no curto prazo; também a corrupção e a estrutura partidária continuarão, ainda, por alguns anos; e o PIB continua caindo.
Entretanto, tudo o que acontecer daqui para frente, em termos de política econômica e de política partidária, será debitado à “herança maldita” deixada pelos governos petistas. Isso porque a cassação de Dilma trará poucas mudanças, considerando que os congressistas e demais políticos permanecem os mesmos.
Michel Temer, se quiser manter o apoio dos donos do mercado financeiro, terá que apresentar, em curtíssimo prazo, medidas consistentes porque a “banca está cobrando a fatura”, como diz Guilherme Boulos (colunista da Folha). Algumas medidas antipopulares estão em andamento no Congresso, mas não serão aprovadas com tranquilidade. Antes de mais nada, o novo Presidente teria que aderir à contenção de gastos proposto por ele. Mas, ao contrário, “superfaturou o rombo” deixado por Dilma criando condições para gastar mais, agradando os parlamentares da base aliada.
Muita polêmica e muitos debates ainda acontecerão antes que o País encontre o rumo certo para o sistema econômico. Hélio Schwartsman, que apoia cegamente o “Plano Meirelles”, diz que: “Em termos de atitudes, porém o governo Temer ainda não fez quase nada além de manifestar a disposição de aprovar um dispositivo constitucional que fixa teto para os gastos públicos e de promover reformas da Previdência e da CLT”.
O primeiro embate será contra a Consolidação das Leis do Trabalho: a) o PLC 30, que autoriza a universalização dos contratos que permitem a terceirização das atividades-fim; b) o PL 4193 que autoriza a prevalência do negociado sobre o legislado; c) o PL 427, que institui a negociação individual entre empregado e empregador.
O segundo embate diz respeito à reforma da Previdência que o governo quer aprovar ainda em 2016. Entre as medidas propostas estão a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres e a desvinculação do reajuste do salário mínimo com a aposentadoria. Os sindicatos arrepiam o pelo e não querem discutir tais coisas. Ao que tudo indica, não haverá acordo.
A terceira linha de discussão diz respeito è PEC 241 que pretende congelar o investimento público por 20 anos, atingindo gastos com educação, saúde e programas sociais previstos na Constituição de 1988. As classes de baixas rendas ainda não se conscientizaram do problema, caso contrário já estariam nas ruas protestando. Os partidos de esquerda e as organizações sociais não ficarão calados por muito tempo.
Nesse contexto pode-se dizer que a luta não continua, ela está começando.
LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.
Landes Pereira
Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.