“Assim como uma gota de veneno compromete um balde inteiro, também a mentira, por menor que seja, estraga toda a nossa vida”. (Mahatma Gandhi).
Sob o título de “Lula amplia vantagem sobre rivais em nova pesquisa eleitoral”, o Instituto Paraná Pesquisas ouviu 2.020 pessoas, em entrevistas face a face, em 162 municípios de todos os estados e do Distrito Federal, entre os dias 27 de janeiro e 1º de fevereiro.
A pesquisa foi registrada no Tribunal Superior Eleitoral sob o número BR-09055/2022.
Vamos analisar: o Brasil tem 26 estados e 1 distrito federal e “todos foram ouvidos face a face”. Muito bem! Ao todo foram ouvidos “27 regiões votantes do país”. Diz a revista Veja que publicou a pesquisa: foram ouvidas 2.020 (duas mil e vinte pessoas) em 162 municípios de todo Brasil. São esses os dados.
Vamos dividir o número de municípios pelo número de pessoas consultadas e saberemos quantas pessoas foram ouvidas pela pesquisa em cada município: 2.020:162=12,46. Como não existe meia pessoa nos municípios, vamos arredondar para o alto, para 13 pessoas.
Sim, amigos, inacreditáveis 13 pessoas foram ouvidas em cada município!
E a conclusão é que Lula ampliou a vantagem sobre todos os rivais!
Mas existem 5.570 cidades no Brasil!
Pasmem: a pesquisa fez entrevistas em 162 cidades e 13 pessoas deram opinião em cada cidade pesquisada e os pesquisadores chegaram à seguinte conclusão:
- Lula (PT) tem 40,1% dos votos;
- Jair Bolsonaro (PL) tem 29,1%;
- Sergio Moro (Podemos) tem 10,1%;
- Ciro Gomes (PDT) aparece com 5,6%;
João Doria (PSDB), 2,4%, e André Janones (Avante), 1,1%. Simone Tebet (MDB), Rodrigo Pacheco (PSD) e Alessandro Viera (Cidadania) tiveram menos de 1% das intenções.
Aí você entra em uma pizzaria onde estão sentadas 100 pessoas.
Você entrevista 13 pessoas perguntando: - “Você gosta de pizza”?
É uma pergunta óbvia, pois ali é uma pizzaria e as pessoas, provavelmente estão ali porque gostam de pizza. Mas isso pode e não pode ser verdade, pois algumas daquelas pessoas podem estar apenas acompanhando outra. Podem estar visitando o local. Podem não gostar de pizza ou estão ali por causa do amigo. Veja que você entrevistou apenas 13 pessoas das 100 que estavam presentes naquele ambiente fechado. E você chega à seguinte conclusão:
- 40,1% das pessoas dizem que estão ali porque gostam de pizza.
- 29,1% das pessoas dizem que estão ali porque os colegas de trabalho a convidaram.
- 10,1% das pessoas dizem que estão ali porque acompanham um amigo.
- 5,6% das pessoas dizem que estão ali porque estão visitando o local.
- 4,5% das pessoas dizem que estão ali e não sabem se gostam ou se não gostam de pizza.
A cidadezinha onde fica a pizzaria tem pouco mais de 5 mil habitantes. Então você conclui que, praticamente, todos os habitantes dessa cidade gostam de pizza e afirma que sua pesquisa tem 95% de acerto. É brincadeira?
Convenhamos, entrevistar 13 pessoas em um município sobre o voto para presidente e depois dizer que a opinião daquelas 13 pessoas é a opinião de todos os habitantes daquele município, além de ser um exagero é uma grande desonestidade.
Avancemos em nossa análise. Fomos a toca do leão, isto é, ao Instituto Paraná pesquisa e fizemos download de 19 páginas da pesquisa completa.
Primeira descoberta:
- Quem contratou a pesquisa foi a “BGC Liquidez Distribuidora de Títulos Mobiliários Ltda.”, com o objetivo de consultar à população sobre a situação eleitoral para o Executivo Federal em 2022 e avaliação da administração Federal”.
Curiosos? Eu também. Porque uma distribuidora de “Títulos Imobiliários” iria gastar dinheiro para realizar pesquisa sobre a “situação eleitoral para o Executivo Federal”. Qual o interesse? O que tem a ver a pesquisa para presidente com o que faz “BGC Liquidez Distribuidora de Títulos Mobiliários Ltda.”?
Segunda descoberta: O Instituto Paraná Pesquisas não cita e nem mostra quais municípios foram pesquisados, nem seus nomes, nem o número de habitantes que cada município possui e nem qual estado. A pesquisa é por região.
É tudo muito estranho. Mas vamos em frente.
Vamos analisar os dados obtidos na pesquisa por região:
- Na Região Sudeste foram realizadas 869 entrevistas (erro de 3,5%).
A região Sudeste tem 64.720.797, (sessenta e quatro milhões, setecentos e vinte mil e setecentos e noventa e sete eleitores).
Foram ouvidos 869 (oitocentos e sessenta e nove eleitores) que afirmaram a vitória de Lula e os pesquisadores do Instituto Paraná concluíram que mais de 64 milhões de eleitores que não foram ouvidos têm essa mesma opinião. É brincadeira?
- Na Região Nordeste, onde foram realizadas 545 entrevistas (erro de 4,5%).
A região Nordeste possui 40.654.818 (Quarenta milhões, seiscentos e cinquenta e quatro mil, oitocentos e dezoito eleitores).
Foram ouvidos 545 (Quinhentos e quarenta e cinco eleitores) que afirmaram a vitória de Lula e os pesquisadores do Instituto Paraná concluíram que mais de 40 milhões que não foram ouvidos têm essa mesma opinião. É brincadeira?
- Na Região Norte e Centro-Oeste foram feitas 304 entrevistas (erro de 6,0%).
A região Norte tem 11.908.196 (Onze milhões, novecentos e oito mil, cento e noventa e seis eleitores) e a região Centro-Oeste 10.943.887 (Dez milhões, novecentos e quarenta e três mil, oitocentos e oitenta e sete eleitores). Somadas as duas regiões temos: 22.852.083 eleitores.
Foram ouvidos 304 eleitores que afirmaram a vitória de Lula e os pesquisadores do Instituto Paraná concluíram que mais de 22 milhões que não foram ouvidos têm essa mesma opinião. É brincadeira?
- Na Região Sul, onde foram realizadas 302 entrevistas (erro de 6,0%).
O Sul contabiliza 21.781.949 (Vinte e um milhões, setecentos e oitenta e um mil, novecentos e quarenta e nove eleitores).
Foram ouvidos 302 eleitores que afirmaram a vitória de Lula e os pesquisadores do Instituto Paraná concluíram que mais de 21 milhões que não foram ouvidos têm essa mesma opinião. É brincadeira?
A pesquisa afirma, ainda, que “Lula venceria também nos cenários pesquisados para o segundo turno. Segundo a pesquisa, ele teria 48,8% dos votos contra Jair Bolsonaro (que teria 34,4%). Contra Sergio Moro, o placar seria 47,1% contra 29%. O eventual segundo turno entre o atual presidente e seu antigo ministro e ex-juiz da Lava Jato, terminaria com ambos empatados dentro da margem de erro (35,6% a 32,2% a favor de Bolsonaro).
É o cinismo elevado ao extremo.
As palavras mágicas para justificar o engodo de tais pesquisas são: “amostra cientifica ” e “dados do momento”. Ciência, dizem eles, os números não mentem. Então com grande alarde expõem, divulgam e publicam a tal pesquisa de opinião como se fosse uma descoberta científica incontroversa.
Mentem descaradamente.
Eis a diferença:
- A pesquisa cientifica descobre um dado concreto. Exemplo: (causas de morte no Brasil). Entre dez mil mortes, 950 foram de pessoas com malária, no ano de 2002. Está nos registros. É um fato.
- A pesquisa de opinião não mostra fatos, mas recolhe uma porcentagem de respostas a determinadas perguntas. E essas respostas foram dadas de diferentes maneiras, em um determinado município. No caso da pesquisa analisada, se o município possuir um mínimo de 50 mil pessoas e apenas 13 foram entrevistadas, nenhum pesquisador sério e nem qualquer pessoa que possua um mínimo de raciocínio, acreditará na validade da pesquisa.
Uma pesquisa cientifica mostra um fato, um dado concreto.
Uma pesquisa de opinião é apenas uma “estimativa baseada em uma amostragem mínima” referente ao município pesquisado, sem nenhum valor cientifico. É puro “chutômetro”. O seu acerto depende de sorte, de acaso.
Essas pesquisas servem tão somente para direcionar o voto e apostam na mudança da intenção do eleitor. Procuram moldar o futuro.
Sua divulgação de forma maciça pelos meios de comunicação tem um único objetivo: forçar o eleitor a mudar de opinião, pois a natureza humana tende sempre seguir o juízo da maioria. É uma espécie de arma invisível constrangendo o eleitor.
Agora você compreende porque toda semana “alguém” manda fazer pesquisa de intenção de voto.
Carlos Sampaio
Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)