Desenvolvimento tecnológico & radicalismo político
27/08/2016 às 21:03 Ler na área do assinanteAo término do belo espetáculo de efeitos especiais apresentado na abertura e no encerramento dos Jogos Olímpicos, um produtor rural, filho de um oficial da reserva remunerado do EB, comentou: “Isso só aconteceu porque os governos militares investiram em telecomunicações e informática. Antes e depois deles não houve investimentos significativos nessas áreas”. Há verdades e inverdades nessa afirmação.
Os militares realmente investiram pesado em telecomunicações e informática, mas os investimentos continuaram, em menor escala e com muitos erros, nos governos seguintes. Nos períodos de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubistchek, a tecnologia ainda era precária e os investimentos modestos, até porque os telefonemas intercontinentais eram feitos via cabo telefônico transatlântico que transportava 84 conversações nos dois sentidos ao mesmo tempo.
A primeira transmissão (experimental) de televisão no Brasil aconteceu em 1948, e a primeira transmissão comercial (TV Tupi SP) ocorreu em 1950. Em janeiro de 1951 foi inaugurada a TV Tupi do Rio de Janeiro. A mais antiga rede é a Rede Record de Televisão, fundada em 1953. A Rede Globo de Televisão foi fundada em abril de 1965, no Rio de Janeiro.
A empresa norte-americana Computing Tabulating Recording Company surgiu no Brasil em 1917 e, em 1924, sob a liderança de Thomas J. Watson foi registrada nos EUA como Internacional Business Machines Corporation (IBM). No mesmo ano foi autorizada a operar no Brasil por um decreto assinado pelo presidente Arthur Bernardes. Em 1939 inaugurou uma fábrica no bairro de Benfica (Rio de Janeiro), mas não produzia computadores.
O primeiro computador (um Univac-120) chegou ao país em 1957, adquirido pelo governo do Estado de São Paulo e, em 1959, a Anderson Clayton importou um Ramac 305 da IBM. Como trabalho de fim de curso de engenharia eletrônica do ITA e um aporte de US$ 350 do CNPq, em 1961, quatro alunos sob a orientação do professor Richard Wallauschek, construíram o “Zezinho” – um computador didático para uso em laboratório. No mesmo ano a IBM iniciou a montagem de computadores da linha 1401.
Somente em outubro de 1957 é que a URSS, via Programa Sputnik, lançou o primeiro satélite artificial da Terra, do Cosmódromo de Baikonur. O Sputnik era uma esfera de aproximadamente 50 cm e pesava 83,6 quilos. Sua única função era transmitir um sinal de rádio (beep) que podia ser sintonizado por qualquer radioamador. Mesmo assim proporcionou substanciais informações científicas. A partir daí a densidade da atmosfera superior podia ser deduzida pela resistência que o satélite aguentou em órbita, e a propagação dos seus sinais de rádio deu informações sobre a ionosfera. Em novembro do mesmo ano, Baikonur lançou o “Sputnik 2” levando em seu bojo a cadela Laika, que morreu poucas horas após o lançamento da nave, que pesava 543,5 quilos.
A Força Aérea Norte-Americana, em abril de 1962, a partir de um satélite-balão Echo, a 1.500 quilômetros acima da Terra, realizou a primeira transmissão de imagem de TV através de satélite. A imagem saiu das proximidades de São Francisco e foi recebida em Westford, no Estado de Massachusetts.
O satélite Telstar, de propriedade dos Laboratórios Telefônicos Bell, filial da American Telephone & Telegraph Co., pesando 77 quilos e tendo 10.000 peças eletrônicas foi lançado em 1962, orbitando em altitudes que variavam de 800 a 5.000 quilômetros. Passava em horas fixas sobre o Atlântico Norte e permutava programas com Andover, no Maine (EUA) e Goonhilly Downs, na Inglaterra.
Esses fatos abriram espaço para o desenvolvimento acelerado das telecomunicações brasileiras a partir dos anos 1960. A Revolução (ou Golpe) Militar aconteceu em março de 1964, um ano antes da fundação da Rede Globo. Mais tarde foi criado um sistema de “órbita sincronizada” (Syncom) onde as estações de retransmissão ficavam suspensas a uma altura de 35.680 quilômetros sobre o equador, tendo uma velocidade equivalente à rotação da Terra, dando a impressão de serem fixas.
Em dezembro de 1964 o governo, influenciado pelo engenheiro do ITA Tercio Pacitti e pelo general José Fonseca Valverde, então diretor da Faculdade de Engenharia da Unicamp, criou o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). O objetivo do órgão era modernizar e dar agilidade a setores estratégicos da administração pública. Em 1969 foi criada a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp).
Nos anos 50 e 60 do século passado a telefonia no Brasil era precária e obsoleta. Em 1965, no governo Castelo Branco, foi criada a Embratel, empresa de economia mista de controle estatal, para atuar na longa distância do sistema de telefonia. Em 1972, pela lei nº 5.792, foi criada a Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás) com a incumbência de centralizar, padronizar e modernizar as diversas empresas de telecomunicações concessionárias de serviços públicos que existiam, além da Embratel.
Na década de 1970 a demanda por computadores já justificava a instalação de montadoras multinacionais, o que provocou a concorrência tecnológica no país, a partir do trabalho de algumas universidades pioneiras. Em 1971 entrou em operação a fábrica da IBM em Sumaré-SP.
A USP, em 1972, construiu o primeiro computador nacional o “Patinho Feio”. O segundo computador nacional surgiu em 1974, fruto do projeto G-10 (USP e PUC do Rio de Janeiro) incentivado pela Marinha de Guerra, que necessitava de equipamentos para seu programa de nacionalização de eletrônica de bordo. Foi, então, criada a empresa estatal Cobra (Computadores Brasileiros S.A.) que recebeu a missão de transformar o G-10 em um produto comercializável.
A Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico (Capre), órgão cujo objetivo era promover o uso mais eficiente dos computadores na administração pública e traçar uma política tecnológica para a área de informática foi criada em 1972. Com a reestruturação da Capre, em 1976, e a criação de uma reserva de mercado na faixa de minicomputadores, para empresas nacionais, além da instituição do controle das importações, iniciou a segunda etapa do desenvolvimento da informática brasileira. O governo autorizou cinco empresas nacionais a fabricarem e comercializarem minicomputadores, inicialmente utilizando tecnologia estrangeira.
Em 1976 foi criada a Prológica, uma das maiores fabricantes de equipamentos de processamento de dados, entre eles o Sistema-700 e o CP-500, ambos micros de 8 bits, e o SP-16, compatível com o PC-XT. Entretanto, o primeiro minicomputador totalmente projetado, desenvolvido e fabricado no Brasil a alcançar, efetivamente, o mercado foi o Cobra 530, lançado em 1980.
A reserva de mercado, teoricamente, terminou em 1979, com a criação da Secretaria Especial de Informática (SEI), vinculada ao Conselho de Segurança Nacional, órgão superior de orientação, planejamento, supervisão e fiscalização. A SEI substituiu a Capre na formulação da Política Nacional de Informática instituída pela Lei nº 7232, de 1984.
A Microdigital, fundada em 1981, ficou famosa pelos seus micros da linha Sinclair, como o TK-85, TK-90X e TK-95. No mesmo ano foi desenvolvido o Sistema 700 da Prológica, microcomputador profissional de 8 bits. A empresa Softec, em 1983, lançou o micro EGO, primeiro brasileiro a utilizar a tecnologia dos microprocessadores de 16 bits, compatível com o IBM PC, era baseado no microprocessador 8080 da Intel e clock de 5 MHz.
O primeiro sistema de videotexto brasileiro foi lançado pela Companhia Telefônica de São Paulo (Telesp), em 1984. O teste piloto ocorreu de 1982 a 1984, com 1500 assinantes. A empresa Fácil Informática, criada em 1987, desenvolveu o primeiro editor de textos brasileiro, o Fácil.
A Telebrás foi desativada pelo governo FHC em 1998 e reativada por Luiz Inácio Lula da Silva em 2010 para gerir o Plano Nacional de Banda Larga, as infraestruturas de fibra ótica da Petrobrás e da Eletrobrás e o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações.
As empresas do Sistema Telebrás eram responsáveis pela operação e gerenciamento das redes de telecomunicações no Brasil, ou melhor, pelos sistemas de telecomunicações. O serviço era limitado e as linhas de telefone fixo eram supervalorizadas no mercado paralelo, isto porque o cliente aguardava pelo prazo de três a seis anos para receber uma linha telefônica fixa.
O Sistema Telebrás foi privatizado em função de uma mudança constitucional no ano de 1995 e a promulgação da Lei Geral de Telecomunicações, que visava a ampliação e a universalização dos serviços de comunicação e o enxugamento da máquina estatal. Seguiu a orientação preconizada pelo Consenso de Washington.
Os governos militares investiram pesado na infraestrutura de telecomunicações e de informática, em nome da segurança nacional. Criaram o sistema Telebrás para atender todo o território, mudando as características do país. A partir de 1985, no governo Sarney, os investimentos no setor diminuíram substancialmente, enquanto as necessidades cresciam. No governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), final dos anos 90 (depois de Fernando Collor e Itamar Franco), o sistema Telebrás estava dilapidado e exigia investimentos na ordem de R$ 100 bilhões. O neoliberalismo estava em plena efervescência e o Tesouro Nacional não tinha caixa para tal investimento. O governo, então, decidiu privatizar a telefonia brasileira.
Para consecução do programa de privatização, a Eletrobrás foi dividida em 12 empresas que seriam leiloadas em lotes. Três empresas de telefonia fixa (Telesp, Tele Centro Sul, Tele Norte Leste), oito empresas de telefonia celular (Telesp Celular, Tele Sudeste Celular, Telemig Celular, Tele Celular Sul, Tele Nordeste Celular, Tele Centro Oeste Celular, Tele Leste Celular e Tele Norte Celular) e uma empresa de telefonia de longa distância (a Embratel). O patrimônio era avaliado em US$ 92 bilhões, e o governo detinha o controle acionário do sistema com 20% das ações.
Ocorreu que parte dos lotes (Telesp e Telebrás) era o “filé” cobiçado pelas multinacionais do setor, mas para grande parte dos lotes não havia comprador, exigindo a interferência do setor público. O Ministério das Comunicações, veladamente, organizou um consórcio de empresas nacionais para a empreitada.
Sergio Mota, então ministro das Comunicações, estruturou o modelo que seria utilizado no processo de privatização. Entretanto, morreu meses antes do leilão ser realizado. Foi substituído por Luiz Carlos Mendonça de Barros. O leilão para “venda” (melhor seria dizer doação) das ações aconteceu em 29 de julho de 1998, na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, arrecadando (apenas) R$ 22,058 bilhões.
O sucesso da mundialização das comunicações é consequência natural do desenvolvimento da tecnologia, apesar das diatribes dos políticos nacionais.
LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.
Landes Pereira
Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.