A candidatura de Moro: Fantasia e Realidade

25/01/2022 às 08:25 Ler na área do assinante

Em 2018, ao aceitar o convite do então candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro, para ser o seu futuro Ministro da Justiça – o que implicava em abandonar a carreira de magistrado que o havia consagrado nacionalmente por conta da Operação Lava Jato –, Sérgio Moro sinalizou ao país que passara a apostar em duas novas possibilidades à sua subsequente trajetória profissional, abdicando de seu convencional status: (1) ora a sua indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo póstero mandatário da nação (àquela altura Bolsonaro já despontava como provável vencedor do pleito), (2) ora o seu ingresso na carreira política – neste caso (considerado o sacrifício da renúncia enunciada), para voos mais audazes e arrojados.

Ambas eram apostas de alto risco, de bosquejo incerto e denodado (ponderada a conjuntura gelatinosa que se anunciava), mas que assinalavam, não obstante, em seus simbólicos e alusivos tracejos (e independentemente das verdadeiras motivações de foro íntimo do protagonista), uma decisão intrépida e ousada, própria de alguém que, nos limites da parada, havia decidido ir para o tudo ou nada – quem sabe, com uma pitada traiçoeira de incontrolável egolatria.

Transcorridos, desde então, os imprevisíveis lapsos do tempo, com suas inexoráveis flutuações e vicissitudes, eis que, frustrado o apetecido e (talvez) prioritário “plano A”, restou, ao personagem, tão somente o “B” – cujo pretencioso e aspirado fito, a seu turno, tampouco decresceu ou subtraiu-se em patamar de ambição e audácia: a chefia suprema do Estado e do Governo.

Se Moro, com prévio reconhecimento público em seu desempenho ministerial (do que careceu), houvesse aguardado um pouco mais para tomar a decisão de seu afastamento do Governo Bolsonaro (e em estilo menos espetaculoso e controverso) para se anunciar candidato alternativo ao poder, provavelmente o seu intento estaria obtendo resultados bem mais positivos que os irrisórios quocientes de momento, de difícil progressão. Talvez já fosse até o virtual Presidente, alavancado pela imagem “mítica” que, a muito custo, já houvera erigido e, nesse caso, conseguido manter – encarnando a opção preferencial à malfadada e reducionista disputa entre lulismo e bolsonarismo.

Mas Moro precipitou-se. Pisou na bola. Seguiu maus conselhos. Foi usado. Instrumentalizado. Traiu-se no próprio ego. E hoje carrega o irreversível fardo de uma figura controvertida e suspeitosa, às avessas de suas cintilantes e saudosas insígnias do passado. Ao final de tudo, para arranhar ainda mais a sua já prejudicada e vulnerável moldura, colocou em dúvida, com suas atitudes suspicazes, o próprio caráter e honradez – replicando em si mesmo o mal que costuma imputar aos seus mais notórios e sabidos adversários.

A forjada candidatura de Moro, hoje em dia, sem perspectivas reais de sucesso (inclusive porque o carisma de reluzente magistrado não se transplantou para o nebuloso e insosso político), está servindo apenas para inviabilizar, na largada, a denominada “terceira via”, em todas as suas plantadas e cobiçadas expectações: atrapalhou as pretensões ambiciosas do atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco; implodiu os anseios presunçosos do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta; esvaziou as aspirações megalomaníacas e oníricas de Ciro Gomes; reduziu a zero as chances (de antemão microscópicas) de Simone Tebet; e naufragou, de vez, as fantasias gananciosas e burlescas de João Dória – ao que Bolsonaro e Lula agradecem.

Tivesse Sérgio Moro permanecido na magistratura, com a sua popularidade em alta, dificilmente o STF (na essência, um tribunal “político”), por temor da repercussão social, teria avançado em sua sanha de rever e implodir a Operação Lava Jato, ao passo que o país poderia ter prosperado, sem retrocessos, em seu esforço institucional de luta contra o crime e a corrupção e, assim, prosseguido num outro rumo, àquela altura esperançoso, tendo por orientação o enfrentamento calibrado e progressivo do pernicioso e malfadado patrimonialismo devasso (o “câncer primário” do sistema) – como inspirava a (até então) vitoriosa Operação.

Mas a história – para o regozijo da cleptocracia reagente – não foi essa. Brecou. Retrocedeu. Involuiu. E, agora, a “contribuição” morista, esvaziada dos resultados de outrora, não passa de mais um sonho frustrado, de uma sôfrega quimera – em cuja ficção a envaidecida “biografia” do autor, hoje manchada e apequenada (a exemplo de tantas), cogitou-se mais relevante que os

compromissos mais largos e nobres para com os destinos do país.

Ao fim e ao cabo, pesado tudo na balança, a conclusão realística é que Moro perdeu (para si mesmo) a ocasião e a chance. Atravessou o samba. Desacertou na régua e no compasso. E sairá do jogo menor do que entrou.

Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).

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