MOINHO DE VENTO, a política como alucinação: O que os inimigos de Bolsonaro ainda não entenderam

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Os ataques sistemáticos e intermináveis ao atual Presidente, Jair Bolsonaro, por parte de seus adversários de plantão – grande mídia, partidos de oposição, ministros do STF, artistas, acadêmicos e algumas entidades da sociedade civil (como OAB, CNBB, ONGs) – sugerem um ângulo de abordagem para o fenômeno que extrapola os cânones da Ciência Política.

Não se trata, o caso, de um exercício normal de oposição, pautado na liberdade de opinião e expressão, como é próprio – e legítimo – no contexto de regimes democráticos. Nem de acusações fundadas em fatos graves e notórios de irregularidades no desempenho do mandato – como corrupção, ludíbrio à Constituição, atos totalitários, interferência nos demais Poderes, etc. –, passíveis de denúncias e de reação institucional, em situações-limite de afronta ao Estado de Direito.

Por razões outras, bater em Bolsonaro, o tempo todo, sem descanso, não importa o pretexto – como se ele não tivesse legitimidade para ocupar o lugar em que se encontra –, virou uma verdadeira obsessão; um acontecimento que, há muito tendo extrapolado os limites da razoabilidade, recomenda sua plena elucidação em outros patamares de cognição, a exemplo da Psicologia Social e, mesmo, da Literatura – esta, sempre, a máxima “Sociologia”, em forma romanceada.

Sim, porque o “tosco” Presidente, apesar de sua resiliente popularidade – para o desespero de seus difamadores –, continua a ser reputado, pelos “cavaleiros” da velha ordem, como o máximo “perigo” ao sistema vigente, contra quem se justificaria toda a belicosa e orquestrada artilharia ora em curso, nas suas várias frentes e trincheiras de combate, não importa os artifícios (!) – inclusive a burla aos contornos constitucionais, se necessário (como já acontece).

O édito é cravar na imagem do “bronco” mandatário, a qualquer custo – inclusive da calúnia (fake News) –, uma estampa repulsiva, capaz de subtrair-lhe a estima popular (o seu principal escudo): “fascista”, “misógino”, “racista”, “inepto”, “xucro”, etc. A última tentativa se concentra na inculpação de “genocida”, imputando-lhe a responsabilidade exclusiva – como se isso fosse possível – pelas centenas de milhares de mortes por Covid no país – ainda que disfarçadamente saudadas por muitos de seus acusadores.

Só não se apercebem, tais “cavaleiros”, que Bolsonaro se transformou, para si próprios, involuntariamente, numa espécie de “moinho de vento”, contra o que lutam inútil e desesperadamente, imbuídos de “certezas” que apenas espelham suas próprias idiossincrasias, incoerências e contradições.

Miguel de Cervantes, por intermédio da figura de D. Quixote – célebre personagem de seu clássico e monumental romance –, já expusera, de forma magistral, desde o início do século XVII, o dilema humano plasmado pelo limiar tênue (e imbricado) entre sonho, imaginação, racionalidade, alucinação e loucura.

O personagem principal, em sua aparente insânia, parece ser mais racional do que a grande maioria dos homens, que não conseguem entender as mais profundas aspirações das pessoas e, por conseguinte, a ter uma leitura sóbria da realidade, sempre elegendo “moinhos de ventos” de ocasião para o exercício do autoengano, encobrindo a si mesmos de suas intenções mais profundas de interesse meramente egoísta – em especial, o poder e a riqueza a qualquer custo.

O mesmo enredo é reverberado no livro O idiota, de Dostoiévski – outro clássico da literatura mundial (do final do século XIX) –, sendo que, no caso, o escritor russo acrescenta ao drama uma visão mística e um referencial moral em conformidade com o cristianismo ortodoxo, em que o Príncipe Míchkin, personagem central do romance, portador de uma grave doença degenerativa, ao invés do enfrentamento de “moinhos de vento”, à la D. Quixote, luta contra o niilismo, contra a cultura do ateísmo (em moda na época), num momento em que a Rússia passava por grandes turbulências sociais e políticas.

A grande similaridade entre os personagens, de tempos distintos, é o fato perene de terem que lidar com o fracasso, em tipos de sociedades que valorizavam, tão somente, o poder, a riqueza e a posição social – a exemplo da atual. O personagem de Dostoiévski, ademais, parece sofrer uma derrota ainda maior que D. Quixote, à medida que nada lhe resta, ao final, que a derrota absoluta, até no campo dos sentimentos (dos ideais).

A lição embutida nas duas ficções é que tudo, nessa vida, é ilusão, falseamento, fetiche. Os homens se empenham em enganar aos outros, enganando-se a si mesmos. E que a luta pelo poder não passa de uma farsa, de um pastiche, de uma pantomima – condenada ao fracasso e à desilusão, mais cedo ou mais tarde.

O que os inimigos de Bolsonaro ainda não entenderam, porque só pensam no poder e em riqueza, é que a sua popularidade não deriva de seus dotes pessoais, de seus atributos individuais, mas do simbolismo coletivo que ele (ainda) representa e encarna: o da revolta e da contestação contra a ordem secular e patrimonialista vigente no país – na contramão da vontade e do desejo justo daqueles que sempre se apropriaram e beneficiaram das benesses do Estado. É isso – e apenas isso – que faz de Bolsonaro um “mito”. Nada mais.

Assim, quanto mais lhe batem e profanam; quanto mais lhe humilham e desprezam – porque o povo, o tempo todo, é massacrado, profanado, humilhado e desprezado pelas tradicionais “elites do poder” – mais ele cresce no índice de popularidade – para a cólera e o desalento dos iludidos “cavaleiros”.

Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).

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