O deputado federal Kim Kataguiri, DEM-SP, quer que o Ministério Público Federal (MPF) vá para cima do secretário nacional de justiça, Vicente Santini, aplique-lhe um mata-leão e o denuncie por "atrasar o processo de deportação e prisão do jornalista Allan dos Santos".
Fique claro, desde logo, que a questão aqui não é se Allan dos Santos praticou ou não algum crime, nem se deve ou não ser deportado.
Agora, será que Kataguiri tem clara noção do que está fazendo?
Santos é alvo do controverso Inquérito das Fake News.
Tudo começa em 2019, quando Dias Toffoli, presidente do STF, depois de mandar apreender edições da revista Crusoé e do site O Antagonista com certa matéria que falava dele, deu ordem para instaurar esse inquérito.
"(...) inquérito do fim do mundo, que nasce natimorto", atirou Marco Aurélio Mello, então ministro do STF, mostrando que, por irregularidades do início ao fim, o inquérito não passa de um cadáver constitucional.
E Raquel Dodge, ex-procuradora-geral da República, comparou o STF a um "tribunal de exceção", lembrando regimes totalitários.
Ao analisar o famigerado inquérito na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572, Marco Aurélio apontou-lhe os vícios insanáveis que o tornam totalmente inconstitucional.
Há uma inconciliável diferença entre "direito inquisitório" e "direito acusatório". O "inquisitório" é o que havia na Idade Média e subsiste nos regimes totalitários, em que agentes do sistema fazem julgamentos abusivos com interesse ideológico e pouca ou nenhuma ciência jurídica.
Já o "direito acusatório", para evitar abusos, prevê que "aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes", como está escrito no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, CF (que, aliás, o STF deveria resguardar...).
Assim, no processo criminal, para ser efetivo, o "direito acusatório" distribui a órgãos diferentes os papéis de "investigar e produzir provas", de "acusar", de "defender" e de "julgar".
Pois isso é desrespeitado no Inquérito das Fake News, conforme foi denunciado por Marco Aurélio Mello e entidades representativas do Ministério Público e da magistratura, entre outros.
Nesse inquérito, é o STF que define o que é ou não "fake news" (função do legislativo); é o STF que investiga (embora isso seja, conforme a CF, privativo do Ministério Público, da Polícia Judiciária e de outros órgãos de controle); e o STF, que se diz parte ofendida, é quem julga.
No que pode dar uma tal concentração de poder?
Tem mais! Esse inquérito atropela o "princípio do juiz natural". Só para entender: o acusado de roubar uma galinha não pode ser julgado pelo STF.
Só o juiz do 1º grau tem competência para julgá-lo. O STF não tem!
Neste momento, só um juiz de 1º grau poderia julgar Allan dos Santos.
E vem a cereja do bolo: Marco Aurélio fez saber que Alexandre de Moraes "foi escolhido a dedo" (palavras suas) para ser o relator do inquérito, o que desrespeita o sistema de distribuição automática, regra do STF.
Por trás desse imbróglio há uma emboscada cognitiva. É fácil ver. A extrema imprensa, a parasitária casta acadêmica e outros "influencers" (espécie que Charles Darwin não estudou) ocupam-se de passar a ideia de que Allan dos Santos é um demônio que quer destruir a democracia.
Quer dizer, por um lado, satanizam Santos, que parece mais caso de psicoterapia que de polícia; por outro, fazem vistas grossas à inconstitucionalidade com que tudo está sendo conduzido.
Emboscadas cognitivas servem sobretudo para manipular o pensamento dos presunçosos que se imaginam intelectualmente invulneráveis.
E funciona! Os patetas (inclusive com diploma universitário) caem na armadilha. E, não percebendo que apoiam a insegurança jurídica de que também são alvo, aceitam métodos antidemocráticos para punir quem está sendo acusado de... atacar a ordem democrática. Não é uma beleza?
Voltamos a Kim Kataguiri. Ele é só mais um que caiu nessa emboscada e assimilou aquela máxima do nefasto Juan Domingo Perón que virou lema das esquerdas:
"Aos amigos, tudo; aos inimigos, nem a justiça!".
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Renato Sant'Ana
Advogado e psicólogo. E-mail do autor: sentinela.rs@uol.com.br