A herança cultural latino-americana é de uma colonização ibérica (espanhola e portuguesa) que utilizava, perversamente, o trabalho escravo para uma produção rural predadora. O proprietário de terras era senhor de tudo, lembrando a estrutura feudal europeia, com o apoio irrestrito do governo colonial. Sua vontade era lei, e quando alguém se antepunha, de alguma forma, à sua autoridade (escravo ou homem livre) era severamente punido.
Aos poucos, lentamente, foram surgindo pessoas corajosas com ideias libertárias e as disputas políticas foram tomando corpo. Entretanto, as estratégias políticas patronais permaneceram as mesmas: os adversários das elites dominantes são inimigos da pátria e como tais devem ser tratados. O modo de produção se modernizava devagar, apesar da revolução industrial explodir no além-mar, não acompanhando os anseios das classes menos favorecidas, que formavam expressiva maioria social.
As ideias de liberdade, igualdade e fraternidade que chegavam da Europa foram se confundindo, também, com o temperamento brasileiro e perderam suas características originais. Os teóricos do socialismo, iluminismo, trabalhismo, positivismo, comunismo e populismo, todos eram considerados subversivos a serem eliminados, se necessário, fisicamente. E assim era. As condições sociais dos trabalhadores, mesmo no pós-escravismo eram desumanas, cruéis e sem perspectivas de melhoria.
O socialismo teórico surgiu no final do século XVIII entre os intelectuais e os movimentos políticos da classe trabalhadora que criticavam os efeitos da industrialização na sociedade e sobre a propriedade privada. Mas não existia unidade de pensamento. Karl Marx ao analisar o comportamento operacional do modo de produção capitalista concluiu que a luta de classes levaria a uma revolução do proletariado que, por sua vez, levaria a um processo de trasição do capitalismo para um modelo de sociedade sem classes sociais hirerarquizadas.
Dessa hipótese básica surgiriam várias correntes socialistas, muitas delas confundindo-se com o trabalhismo. Outras correntes, utopicamente, tenderam para o comunismo (do latim comunis, que significa comum) apregoando que é possível se “restabelecer” o que chamavam de “estado natural”, onde todos teriam os mesmos direitos mediante a abolição da propriedade privada.
Os socialistas utópicos perceberam que o capitalismo concentra a riqueza e o poder nas mãos de pequenos grupos da sociedade (a burguesia) que controla o capital, de onde deriva a riqueza e a renda determinando, dessa forma, as relações de produção e as relações sociais. Perceberam que sociedade desigual tende a aumentar permanentemente a desigualdade, tornando os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, mas não souberam construir propostas viáveis para mudar essa realidade.
Trabalhismo é uma vertente política surgida na Inglaterra a partir de ideias relacionadas à defesa de interesses políticos e econômicos levantadas por setores do movimento operário, com o apoio de intelectuais universitários, no decorrer da revolução industrial. Esse movimento chegou ao Brasil no término da Primeira Guerra Mundial (1918/1920), junto com o anarquismo, e tomou forma de estrutura política com a fundação do Partido Trabalhista Brasileiro, em 1948, por Getúlio Vargas.
O positivismo chegou ao país no século XIX nos braços dos maçons iluministas, de forma sorrateira e românticva. A Maçonaria teve importante participação política com seus antagonismos e divisões internas, sem consolidar teses consistentes no processo doutrinário. Nos anos 20 do século XX o positivismo encantou os militares, principalmente os oficiais de baixa patente (tenentes e capitães), sendo confundido com o materialismo histórico dos poucos “comunistas” atuantes nos países latino-americanos.
Em 1922, no Rio de Janeiro, fundou-se o Partido Comunista do Brasil que se propunha, na década seguinte, lutar contra o anarquismo e o trabalhismo no movimento sindical. Atraiu para suas fileiras o positivista Luiz Carlos Prestes (o Cavaleiro da Esperança) que deu visibilidade e estrutura ao movimento. Representou, desde então, a figura de “inimigo da Pátria” muito bem manipulada pela classe dominante, pela Igreja Católica e pelos militares da Escola Superior de Guerra.
No decorrer das décadas de 1930 a 1980, o trabalhismo foi a principal vertente da esquerda moderada nacional, atraindo setores que não se identificavam nem com a direita nem com a esquerda radical (onde se encontravam os positivistas). Os principais expoentes teóricos, nessa época do getulismo operativo, foram Alberto Pasqualini e Santiago Dantas.
Vargas construiu uma liderança carismática durante o Estado Novo propagandeando a democracia-social, a filosofia do trabalhismo e a valorização do trabalhador e do trabalho. Com isso criou a imagem de “pai dos pobres” que o acompanhou para a posteridade, até os dias atuais.
Após a morte de Vargas, o PTB atuou dentro das regras do jogo liberal-democrático como herdeiro do legado getulista. Nessa fase apareceram João Goulart e Leonel Brizola, além de outras lideranças menores, mas sem o carisma político deles. Todos cairam no arremedo do populismo, assim como seus opositores udenistas e pessedistas, bem como os militares da Escola Superior de Guerra.
Após o regime militar, nos anos 80, os sindicalistas criaram o PT, com o objetivo de sepultar o trabalhismo e estruturar um partido operário operativo, associado às correntes da esquerda acadêmica alojadas nas Universidades. Um grupo de políticos vindos do extinto MDB, autodenominados “autenticos do PMDB”, por sua vez, tentou criar um movimento social-democrata mas, devido aos vícios de origem, também cairam no populismo.
O PMDB e o DEM (ex-ARENA, ex-PDS, ex-PFL) prefiriram seguir o fisiologismo puro, que é pior que o populismo. É a prática política em que líderes se arrogam em defensores dos interesses das classes de menor poder aquisitivo, as excluídas do poder econômico-social dominante, para desfrutarem das benesses do poder. Esse comportamento objetiva a conquista da simpatia e a aprovação popular, sem que haja efetivo comprometimento com esses grupos sociais.
O populismo é marcado pela ascensão de lideranças carismáticas que buscam sustentar sua atuação no interior do Estado via apoio das massas populares. Uma das principais características desse movimento é que, de diferentes formas, propaga a crença em um lider acima de qualquer outro ideal (ideológico ou programático).
A tendência do populismo é priorizar o atendimento das demandas das classes menos favorecidas, colocando essa opção como “política maior” e como necessidade frente aos “inimigos da nação”, sem que nem sempre expresse claramente esse lema. São muitas as contradições do populismo, mas todas levam ao predomínio de grupos, às vezes familiares – de pai para filho, ao comando político regional e nacional. Pregam a aproximação às massas de excluídos, mas estabelecem mecanismos eleitorais que não permitem o aparecimento de oposições significativas.
O assistencialismo e o autoritarismo são realidades intransponíveis quando o cenário é de populismo associado ao fisiologismo. Por outro lado, o populismo sempre está associado a eficientes meios de comunicação (emissoras de rádio e televisão, jornais, revistas, blogs, etc) alimentados pelos cofres públicos e pelas benesses do poder constituído.
Esse quadro político é predominante na América Latina desde as décadas de 1920 e 1930, assumindo formatos diferentes em cada momento histórico. Quando os antagônicos interesses econômicos e sociais das elites e das classes trabalhadores se aprofundam, surgem as crises e as mudanças dos prepostos no comando das nações. Assim foi com Getúlio Vargas, com Juscelino, com os Generais, com Fernando Henrique Cardoso, com Peron, com Salvador Alende, com Hugo Chaves e agora com Lula, para citar alguns.
LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.
Landes Pereira
Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.