Pouco tempo atrás, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tombou o complexo ferroviário da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil em Campo Grande (MS). Na verdade, foi tombado o que restou da ação dos predadores de colarinho branco que trataram com desconsideração uma das referências mais importantes do estado. Contudo, penso que a memória ferroviária local está protegida por leis de preservação municipal e estadual.
Será mesmo? Atualmente, esse espaço ainda corre perigo pela ignorância da população, como a ideia de “jerico” de construir no interior de uma de suas casas uma grande arena para shows musicais. E eu que pensava que o complexo ferroviário estivesse salvo por estar nas proximidades do IPHAN.
É cegueira ou omissão mesmo? Quem passa ao longo da estrada de ferro vê com tristeza o estado de abandono e de destruição das estações, verdadeiros monumentos históricos de nossa região.
Vou mais além, pois não basta querer conservar e preservar sítios e prédios da ferrovia pela simples vontade de alguns. É preciso haver disponível uma soma considerável de recursos financeiros e técnicos para restaurar o que foi degradado desde a sua privatização. Não custa ressaltar que a privatização foi um desatino e os prejuízos provocados jamais serão recuperados.
Uma bela história acompanhou a construção da cidadania e da cultura sul-mato-grossense e foi jogada no lixo pela truculência dos governantes da época (com a retirada dos trilhos da capital, por exemplo). E o que é pior, a maciça campanha dos opositores às privatizações, que varreram o país de norte a sul, foi considerada na época contrária aos interesses nacionais e ao progresso. Pelo contrário, foi batalha perdida para os que realmente defendiam a cultura e a história brasileiras contra os verdadeiros entreguistas que, com uma política de “terra arrasada” também desnacionalizaram grandes e ricas empresas de vital importância econômica para o país.
Como é triste ver, ao longo dos trilhões que restaram, estações abandonadas à mercê de vândalos e de ladrões que se aproveitaram da situação para roubar telhas, telhados, móveis, tijolos. É uma pena não preservar uma história construída desde os primeiros tempos do século XX, de muitos sacrifícios e de muitas históricas alegres e marcantes para quem viveu e vive aqui. Por tudo isso, é preciso entender que o tombamento pelo IPHAN de parte da ferrovia, por circunscreve-lo somente à estação central de Campo Grande e de seu entorno, não soluciona o abandono do extenso patrimônio de toda a ferrovia.
Entendo ser necessário continuar a campanha para que a ex-NOB seja preservada pela legislação do tombamento. Não podemos nos iludir tolamente com o pouco que foi feito, sem correr o risco de ir de encontro aos que os espertos chamam de “politicamente correto”. Defendo ainda de forma intransigente a existência de uma política estadual de tombamento de bens histórico-culturais que possa assessorar as prefeituras na conscientização popular e na montagem de legislações municipais de preservação em que Corumbá foi pioneira.
Como um estado com raízes históricas importantes também no nível nacional, seus pioneiros deixaram registros arquitetônicas que devem ser preservados, a exemplo de Porto Murtinho, Bela Vista, Nioaque, Miranda, Aquidauana e Anastácio. Nesta última cidade existe um conjunto único onde funcionou, e ainda funciona, a histórica Casa Cândia. Não se pode entender a história política e econômica das cidades gêmeas, Aquidauana-Anastácio, sem passar pelas portas da Casa Cândia.
Como a palavra “tombamento” ainda provoca arrepios em certos proprietários que imaginam perder seus direitos de propriedade, creio ser sensato, além de uma política de esclarecimentos e de debates públicos, a inclusão na legislação de contrapartidas como abatimento de IPTU e outros impostos. Cada imóvel tombado também necessita de um projeto de uso sem a perda de suas características históricas e o máximo de sua originalidade.
Creio que o maior entrave nessa luta pela defesa de nossa história reside na ambição desenfreada de alguns poderosos, no âmbito público e privado, que colocam em primeiro lugar seus interesses e lucros fabulosos e pouco estão se lixando para a nossa cultura e história que pertencem a todos nós.
Valmir Batista Corrêa