Enfim, o “terrivelmente evangélico”. Ou: num dilúvio, nem todos os bichos entram na arca

03/12/2021 às 14:32 Ler na área do assinante

Finalmente, ocorreu a sabatina do novo ministro para o Supremo Tribunal Federal. Depois de cinco meses de espera, 47 Senadores votaram a favor de André Mendonça para ocupar a cadeira de Marco Aurélio Mello.

Foi por pouco. Eram necessários 41 votos. Ou seja, do total 32 senadores foram contra. O que até então parecia um jogo de cartas marcadas, um mero protocolo, mostrou-se que não é bem assim ao menos quando tem alguma relação com Bolsonaro (Mendonça foi indicado pelo Presidente).

O que isso quer dizer?

Bom, arrisco um palpite. Por causa de sua condição de ex-pastor presbiteriano? Por causa de sua posição pessoal e conservadora em temas polêmicos como aborto, drogas, união homoafetiva, armas, religião, etc.?

A tudo isso acrescento a aversão a um governo politicamente incorreto, que, para más línguas, quer dizer homofóbico, patriarcal, sexista, misógino, capitalista, liberal, conservador, enfim, fascista. Ufa! Mas coloquem todos esses predicados numa só designação: cristão. E não só cristão. Tem que ser cristão evangélico. Repito, são as más línguas que dizem isso.

Ora, qual o problema de se ter opinião ou crença divergente? Podemos dizer que Mendonça é o pior dos seres humanos se o seu pensamento é igual ao da maioria da população?

Mas, como todo diabo foge da cruz, por que tanta repulsa? A escolha de Mendonça foi com base apenas em atributos religiosos?

De acordo com a página do Senado Federal, “A relatora da indicação na CCJ, senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), defendeu a capacidade técnica do indicado. Ela reconheceu que a indicação veio carregada de polêmica e discussão, principalmente por conta do aspecto religioso. A senadora disse, porém, que ninguém pode ser vetado por sua condição religiosa e afirmou que não foi esse o critério para sua indicação.”.

Bolsonaro foi enquadrado como extremista por suas opiniões e sinceridade. Sei que no início falou contra homossexualismo, aborto, ideologia de gênero em escolas, comunismo, enfim, foi a favor da família, valores cristãos, etc., e manifestava rivalidade com o ativismo do STF, outro poder com o qual deve manter boas relações. Tudo que já sabemos. Os que não confiam nele o colocaram no lago de fogo e enxofre. E estes inquisidores, principalmente, foram maus políticos, artistas fracassados e falidos, jornalistas sem ter como pagar os seus boletos, enfim, toda uma classe militante de uma pauta anticonservadora que vê em Bolsonaro o pior de todos os ditadores antidemocráticos.

A Bíblia também é alvo de ataque. O Supremo Tribunal Federal e outros tantos desconsideram o seu valor histórico e emocional. Padres e pastores que se dizem cristãos dizem que a Bíblia permite casamentos homossexuais e outras causas comunistas e progressistas. Uma heresia.

De fato, a Bíblia em mãos erradas causa muito estrago, mas não por isso temos que ignorá-la.

Quando Judas viu Maria derramando caro perfume sobre Jesus indagou por que não dá-lo aos pobres. Como se vê, alguns que se mostram altruístas também têm alguma relação com satã.

Não é necessário chegar até nas regiões celestiais para ver que o que se passa é uma luta entre deuses e demônios. A bem da verdade (“em verdade, em verdade”, como dizia Cristo), Mendonça e Bolsonaro representam fé. Na Constituição existe lugar para a fé, ainda…

O preconceito contra causas socialistas dá lugar para o preconceito contra o preconceito (banalização do preconceito). Ao contrário do que se pensa, o cristianismo puro não é extremismo. E, pelo modo como vem se comportando aos nossos olhos, Bolsonaro também não, muito menos Mendonça.

Meras palavras não abusivas não provam nada. Em matéria de liberdade de expressão não pode existir censura prévia contra modos de pensar. Com aplausos ao fundo, fala-se, discursa-se tanto em diversidade mas, na “hora H”, foge-se dela como o diabo foge da cruz.

Hipócritas! Gritou Jesus na sua época.

Esse pessoal bonzinho não acredita em dilúvio.

Numa sociedade plural, infelizmente, vindo o dilúvio, nem todos os bichos aceitam entrar na arca.

Sérgio Mello. Defensor Público no Estado de Santa Catarina

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