"Golpe de estado" confesso

17/11/2021 às 19:17 Ler na área do assinante

Então o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, durante o recente Fórum de Lisboa (evento jurídico organizado pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, de Gilmar Mendes, em terras lusas), admite, em alto e bom som, sem qualquer desdoiro ou mínimo constrangimento, que o Brasil vive, atualmente, um regime semipresidencialista, sob controle do “poder moderador” do STF (sic!), e fica por isso mesmo?!!!

Ou seja: um membro da mais alta Corte do país, responsável pelo resguardo máximo do cumprimento integral da Carta Magna, em total desalinho com sua função institucional, arvora se em declarar, com manifesta e indomável prepotência – típica dos tiranos absolutistas –, que a Constituição não está mais sendo cumprida no Brasil (de vez que sabotada pelo próprio STF) e nada acontece em seguida?

Sim, porque a Constituição de 1988 consagra, explicitamente, o presidencialismo como única forma de governo – depois ratificada por ampla maioria da população em plebiscito de 1993 –, jamais tendo mencionado, ademais, a possiblidade de um “poder moderador” pairando sobre a Presidência da República e o Congresso Nacional (como referido pelo ministro togado) – tema este que sequer foi ventilado ou discutido durante os trabalhos constituintes, como comprovam os anais do evento.

Do que se conclui que a fala do ministro Dias Toffoli é, em primeiro lugar, um atestado cristalino da suprema empáfia que envolve os atuais membros da Suprema Corte – que se julgam acima da Lei (e a própria “Lei”) – e, no limite, uma gravíssima confissão (por ato falho) de um golpe clandestino (ainda que evidente) de Estado, em franca (e descarada) execução.

Trata-se de uma declaração preocupante e inaceitável que, por sua natureza, deveria deflagrar, no mínimo, uma crise institucional de monta, se instituições houvesse no país – e se honra, altivez e seriedade fossem as marcas daqueles que deveriam ser os legítimos representantes do povo, nos demais (e achincalhados) “Poderes da República”.

Mas os ministros do STF, há tempos, sentem-se imunes a tudo e a todos, em sua obstinada sanha autoritária. Presumem-se os verdadeiros “donos poder” (sem legitimidade para tal). Monarcas absolutos, reinando sobre o vazio institucional, a pusilanimidade dos demais órgãos de Estado (e da sociedade civil) e a atonia moral da classe política, subjugada em seu habitual (e manipulado) prontuário delinquente.

Não, não é apenas o presidencialismo que, há muito, está sendo impunemente boicotado e vilipendiado por oportunistas de toga em terras tupiniquins (com o aval de comparsas da grande mídia e do parlamento), mas a própria democracia e a república – estupradas, juntamente com a Constituição, pelos lesivos e espúrios usurpadores da soberania popular.

Vigora no Brasil, senhoras e senhores – este é o foco! –, não o “semipresidencialismo” – como tergiversado na sintomática arguição toffoliniana –, mas a ditadura da toga – a mais cruel de todas, porque revestida de “legalidade” e sem instância de apelação.

Não há outra ameaça maior no horizonte, no presente momento.

Ou se extirpa, enquanto é tempo, o tumor maligno em expansão, ou ele dizimará, com minaz brevidade, o que ainda resta de sanidade cívica e funcionalidade republicana no país.

Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).

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