O gaúcho Getúlio Vargas que assumiu o governo da República com a Revolução de 1930, impôs anos mais tarde a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Foi um ditador contraditório, maquiavélico, contrapondo, de um lado, a imagem de político bonachão e simpático e de outro, enchendo as masmorras com seus opositores usando uma polícia truculenta. Baixinho, com uma imensa barriga e fumando um enorme charuto que alternava com largo sorriso, Vargas estabeleceu toda uma legislação em benefício dos trabalhadores, tornando-se o mito “pai dos pobres”.
Contando com recursos modernos de propaganda e marketing da época, Vargas soube usar com maestria uma imagem pública em benefício próprio, tanto que após quatro anos da queda do seu governo ditatorial logrou voltar à presidência pelos braços do povo. A violência e os abusos do Estado Novo não foram suficientes para impedir a sua vitória.
De fato, Getúlio foi o protótipo do político populista que sabia manipular como ninguém as massas desinformadas através do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Reunia, por exemplo, em espetáculos circenses, milhares de trabalhadores na comemoração de 1º de Maio no estádio do Vasco da Gama; distribuía fotos e simpáticos bonequinhos brancos com sua imagem. Apesar da ferrenha censura imposta, permitia a divulgação de paródias e piadas especialmente musicadas pela dupla caipira Alvarenga e Ranchinho. Chegava ao ponto de convidá-los para shows no próprio palácio do Catete. Teve, porém, um fim trágico ceifando a sua vida com um tiro. Depois de Vargas, muitos políticos usaram, de forma populista, uma imagem cuidadosamente urdida como forma de projeção política e eleitoral, destacando-se dentre eles Adhemar de Barros e Jânio Quadros. Os historiadores, hoje, desnudam esses mitos populistas.
No atual estágio de inovação tecnológica e de globalização via Internet, com acesso facilitado pelas redes sociais, um político populista repaginado e auto definido como de esquerda, utilizando-se de políticas públicas de combate à pobreza (as tais “bolsas”), vive um momento crítico. Refiro-me ao ex presidente Lula que soube utilizar a sua imagem pública com maestria. Longe dos tempos em que foi combativo líder sindical e da criação de um partido que propunha o ideal de uma sociedade mais justa e solidária, o Lula de hoje pouco difere dos políticos que tanto combateu. Não passava um dia em que ele não aparecesse nos meios de comunicação dando as mais diversas opiniões, muitas delas de uma fragilidade espantosa. Foi uma prática que lhe rendeu bons resultados, pois basta ver os altos índices de popularidade “nunca antes vistos neste país” após 8 anos de governo, sem contar que ainda tem muitos simpatizantes mesmo com tantas revelações escandalosas pelo poder judiciário e pela imprensa. Para quem acreditou e votou nele, não deixa de ser uma situação de risco e/ou constrangimento.
Ainda no período do seu governo, uma emissora de rádio europeia transmitiu uma longa entrevista com o presidente, falando dos mais diversos assuntos de interesses internacionais. Dias depois, descobriu-se que era um gaiato fazendo-se passar pelo Lula. Que eu saiba, nada aconteceu com este irresponsável falsário, que poderia ter provocado um constrangimento internacional. Nesse período, Lula e seu poste, digo pupila, Dilma Rousseff, pré-candidata presidencial, tiveram suas respectivas imagens usadas numa propaganda de papel higiênico. Uma agência de propaganda utilizou sósias e simulou uma cena típica num banheiro para vender uma determinada marca de papel. Surpreendentemente, não houve nenhuma manifestação do Palácio Planalto para tão descabida imagem.
Entretanto, não creio que esta é a melhor forma de reforçar a popularidade desses políticos. A minha perplexidade cresceu com o lançamento do filme “Lula, o filho do Brasil”, de Fábio Barreto, fiasco de crítica e de público. Barreto usou a prática corriqueira da bajulação no filme financiado por empreiteiras (hoje estão passando apertadas na operação Lava Jato) que tem relações empresariais com o próprio governo. Pelo que foi divulgado na imprensa, é um filme direcionado a fins eleitorais e na construção de um perfil mítico de Lula.
A invenção dos mitos na história da humanidade nem sempre produziu bons resultados. A despeito de tanta bajulação e de meias verdades, creio que está na hora de retornar os caminhos da sensatez. Agora, no sentido contrário dos elogios fáceis, está sendo produzido um documentário chamado “ Lula – nunca antes”, com roteiro escrito por Sergio Sá Leitão junto de Guilherme Fiuza e o humorista Marcelo Madureira, opositores do PT. Aguardemos.
A história humana é apreendida por aproximações da verdade. O mito, para o bem ou para o mal, é uma invenção nem sempre próxima do real. A imagem de um herói pode até ser importante para um povo, mas um belo dia as máscaras caem e o que aparece de fato não é nada agradável de se ver.
Valmir Batista Corrêa
Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.