O dilema da “terceira via”

Ler na área do assinante

O problema do Brasil não é Lula ou Bolsonaro, fariseu!

Ledo engano!

Mero jogo de cena!

O desafio maior – o único que interessa! –, posto no horizonte, é a superação, de uma vez por todas, do regime cleptocrático e patrimonialista que tem condenado a nação, há mais de século, à vala comum do atraso e do subdesenvolvimento – com o expurgo definitivo de seus renovados e malfadados representantes de ocasião (da “direita” à “esquerda”), conjuntamente com as correspondentes organizações criminosas de suporte.

Uma “terceira via” que não leve em consideração essa árdua missão e se reduza, unicamente, a um “nome alternativo” – que, para se eleger (e governar), tenha de ceder aos habituais “donos do poder” –, não passa de burlesca chanchada, de ignominiosa farsa, de ordinária pantomima.

De que adianta, pois, um Moro, ou Ciro, ou Mandetta, ou Leite et alii como “opção”, se o preço a ser pago para chegar ao (e exercer o) poder – a eufêmica “governabilidade” – supõe envolver, como pré-condição, o retorno da cessão dos espaços decisórios estratégicos do Estado aos seus costumeiros e sequazes inquilinos, para fins de ressarcimento da ladroeira e da patifaria de outrora?!

É o enfrentamento do sistema de corrupção, do “mecanismo”, do tradicional establishment – com sua sede de privilégios, secundada por conveniente apologia ao “politicamente correto” – o que, ao fim e ao cabo, da perspectiva dos cidadãos pilhados, interessa – e candidatos que tenham a coragem de encarar, abertamente, com coerência de atitudes e sacrifícios pessoais, o mister.

Quem se dispõe, afinal, à confrontação declarada com o status quo nesses termos imperativos? Quem tem arrojo e bravura para tal incumbência – descolando-se, francamente, dos famigerados delinquentes de plantão?

Foi essa postura – e não os dotes individuais – que elegeu Bolsonaro em 2018. É essa mesma condição que mantém em alta, até hoje – a despeito de toda a perseguição da grande mídia e dos partidos de oposição –, a sua inabalável (e visível) popularidade. É esse inalterado aspecto, radicado nas mais legítimas aspirações populares (a luta contra a corrupção), que o projeta, novamente, como forte candidato à reeleição, em 2022.

Sim, porque o povo, em sua percepção intuitiva, já está cansado (e não mais se ilude) de Renans Calheiros, de Rodrigos Maias, de Joões Dórias, de FHCs, de Davis Alcolumbres et caterva. O antipetismo – fenômeno objetivo e irrefutável – decorre, tal-qualmente, dessa mesma e fragorosa desilusão – só militante de carteirinha ou intelectual de gabinete (ou bem pago) não vê (ou finge desconhecer) o óbvio ululante.

Pois para onde forem esses safardanas de colarinho branco, aliançados aos artificiosos “esquerdistas” de fachada – pretensos “donos” do Brasil –, é justo para lá que a maioria do povo não vai mais.

Hoje, uma ampla e majoritária parcela dos cidadãos brasileiros, graças ao progressivo descortino da desonestidade e hipocrisia dos tradicionais mandantes, está aprendendo, finalmente, a discernir cada candidato pelas respectivas trajetórias e demais companhias de entorno:

“diz-me com quem andas (quem te apoia), que eu te direi quem és (se mereces o meu voto)”.

Além do mais – e para completar a paisagem –, por todo o descrédito acumulado ao longo dos últimos anos, qualquer sinalização de apoio por parte de uma Rede Globo, de uma Bandeirantes, de uma Folha de São Paulo ou de uma Isto É (e congêneres) redundará, fatalmente, em perda de votos para o(s) correspondente(s) ungido(s).

Assim se configura, régua e compasso, o quadro político de momento e as inevitáveis e incomplacentes incitações à pretensa “terceira via”.

Ela vai ter de apresentar, translucidamente, “lenço” e “documento” se quiser convencer, de fato, o público de que, realmente, não é o mais do mesmo.

Conseguirá?

Difícil (e espinhoso) desafio!

A carência de pretendentes à altura é assustadoramente retumbante!

Fato é que até as eleições de 2022 muita água vai rolar. E transbordar – para todos os lados!

Em plena guerra – como a que se desenrola em território tupiniquim –, nenhum candidato irresoluto ou de insólita aparência “murista” terá alguma chance de vitória nesse encarniçado campo de batalha. Tampouco aquele que quiser se projetar sob a imagem (ou miragem?) “imaculada” de um “equilibrado centrista” – como se o catado (e dissimulado) “equilíbrio” pudesse decorrer de uma simples negação retórica dos repudiados opositores “extremistas”.

“Nem Lula, nem Bolsonaro”, simplesmente, não cola!

Eis a questão!

Qualquer candidato terá de certificar, ao fim e ao cabo, pela própria biografia e pelas parceiragens selecionadas, de que lado da peleja está: da república democrática (por construir) ou da cleptocracia oligárquica (em plena reação) – assumindo a indumentária condizente à escolha e demonstrando o porquê, nessa linha de atuação, considera-se uma melhor opção que o paralelo concorrente.

Ou seja (e em resumo): uma “terceira via”, para ter sucesso, terá de ser uma alternativa aguerrida, ética e programática, arquitetada em padrão superior ao dos demais e notórios rivais, com apresentação de um diferenciado e convincente Projeto de Nação, radicado numa factível e confiável base coletiva de sustentação – e não, simplesmente, um antagônico e ocasional nome de candidato.

Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).

Ler comentários e comentar