Há um cheiro de podre no ar em todo o reino. O fétido odor da corrupção alastrou-se como a lama em Mariana, Minas Gerais. A cada dia novas denúncias de ladroagens e espertezas aparecem na imprensa, não somente nos altos escalões da república como nos mais distantes grotões deste país.
A ânsia do enriquecimento fácil é uma má conselheira dos políticos, empresários e empreiteiras, funcionários públicos e também para os ratinhos menores.
Essa imagem enlameada é a visão interna e externa desse país, infelizmente. Chamo a atenção para a expressão “mar de lama” usada na virulenta campanha que Carlos Lacerda imprimiu contra o presidente Getúlio Vargas com denúncias de corrupção que ocorria no Palácio do Catete em meados dos anos 50 do século passado. O episódio culminou com o suicídio do presidente e provocou uma grave crise política.
Agora, nestes novos tempos revoltos, nossa preocupação reside no futuro próximo, após tantas turbulências. O que se espera é a continuidade da operação Lava Jato para o restabelecimento da ordem democrática, da lisura pública e da justiça.
Com esta reflexão, retomo como oportuno os anos 70 do século passado, quando iniciei minha carreira de pesquisador de história regional e passei uma temporada em Cuiabá (MT) debruçado na rica e antiga documentação do Arquivo Público Estadual. Entre leituras e conversas agradáveis, soube de um episódio que mais parece ser do anedotário político. Dizia-se que, no período da República Velha (1889-1930), havia uma cidadezinha do chamado “nortão” do estado, onde a corrupção era endêmica. Ou seja, nenhuma autoridade estadual resistia à pressão de compra e dos favores dos coronéis políticos locais. Tentando conter essa desmoralização pública, o governador da época transferiu para o local um juiz historicamente incorruptível.
No início foi uma festa com prisões, cadeia abarrotada de condenados e fuga de contraventores. Houve um período de tranquilidade na cidadezinha. Tempos passaram e o governador recebeu um telegrama daquele juiz com o seguinte teor: “Excia. pt. Favor transferir-me.pt. Chegaram no meu preço. pt.”.
Lembro-me desta estória para refletir sobre o preço de um homem ou uma mulher. Para uns, o preço será sempre a dignidade, a honradez e a consciência. Mesmo com pressões e sacrifícios, uma pessoa com valores e princípios éticos não tem preço e não se vende nunca. Para outros (exemplos de esperteza para muitos), os preços são bem mais baratos, pois se vendem até por migalhas; mas alguns conseguem amealhar grandes recursos. É a vitória da corrupção aliada à impunidade, que enoja e ofende a dignidade do país. Apesar de entender que os corruptos não representam a maioria da população, esses maus exemplos, vistos quase diariamente da imprensa nacional, dão-nos a impressão de que a sociedade brasileira está se afogando no “mar de lama”. Aliás, é uma ideia que, lamentavelmente, se espalha por todo território nacional.
De acordo com o ranking da ONG Transparência Internacional, que vi tempos atrás, no Índice de Percepção da Corrupção coletado entre 180 países, o Brasil estava classificado no desonroso 75° lugar, sendo o número 1 o menos corrupto e o 180º o mais corrupto. Esse resultado representava a percepção que se tem dos países relacionados por uma série de organismos internacionais, como o Banco Mundial e o Fórum Econômico Mundial.
Portanto, apesar da ideia que nos vendem de “Brasil Grande”, a nossa imagem lá fora não é grande coisa. Mais do que isso, é amplamente divulgada a venalidade dos negócios públicos e das criminosas no país. Ficou famosa uma frase atribuída (creio que é mais folclórica) a um dos maiores políticos de S. Paulo, o carismático e populista Adhemar de Barros, que é “rouba, mas faz”. O que é pior, este mote ainda vale até hoje.
Em uma pesquisa assustadora, foi detectado que 49% dos entrevistados afirmaram que, de uma maneira ou de outra (ou seja, por dinheiro, benefícios ou favores) venderam o seu voto em eleições passadas. O que causa espécie é que esses vendedores de votos afirmaram cumprir “honestamente” o trato e entregaram seu voto sem a percepção de que estavam sendo aviltados em seus direitos de cidadania. Quem vende o voto perde também o direito de cobrar, criticar e fiscalizar os políticos e administradores públicos.
Ressalva-se que a convivência com a corrupção não é algo recente, mas secular. Na verdade, o mal chegou ao Brasil com a colonização portuguesa, quando seus representantes procuravam tirar o máximo proveito da burocracia colonial e do trabalho dos colonos. Entretanto, isso não justifica a epidemia de corrupção de assola o Brasil até hoje, que poderia ser erradicada há muito tempo.
Agora, existe uma corrente para impedir a participação na política e nos empregos públicos dos chamados “ficha suja”. Acho, porém, que não se resolve o crônico problema colocando a raposa para cuidar do galinheiro. Corrupção é doença maligna e de difícil cura, mas como sou um teimoso incorrigível, creio que um dia será possível debelar esse mal.
Para finalizar, lembro-me de quando era vereador de Corumbá (MS). Quando visitava a parte alta da cidade, num bairro humilde, sempre encontrava um senhor que me dizia: “vereador, eu priciso me arrumá”. O que será que ele pensava: em sobreviver, ou melhorar de vida a qualquer preço?
Valmir Batista Corrêa