No dia 23 de junho de 2020, entrava no ar aquele que seria o último programa “Aqui na Band”, da TV Bandeirantes, com a formação composta pelos apresentadores Luís Ernesto Lacombe e Nathália Batista. A atração que era apresentada todas as manhãs, de segunda à sexta, havia levado naquele dia com o seguinte tema de debate: "Você sabe o que é Conservadorismo?” e contou com as presenças de Allan dos Santos, do Portal Terça Livre, Flávio Morgenstern, do Senso Incomum e do cientista político Marcus Vinícius Freitas.
A presença de convidados que se colocaram à disposição do programa como estudiosos do Conservadorismo, trouxe à tona na mídia mainstream, um tipo de debate que até então parecia não ter espaço para prosperar nos principais veículos de mídia.
A explicação de termos como: direita, liberal e conservador, eram vitais para que o público (o cidadão médio) daquele programa matinal pudesse se colocar cada vez mais amadurecido diante de tais significados, sabendo distingui-los e tendo a clareza da definição mais próxima à realidade possível deles.
O programa exibido naquela manhã obteve a maior audiência desde o início da atração matinal alguns meses antes, fenômeno esse que também se repetiu na transmissão pelo Youtube, no canal responsável pela exibição daquele programa e recortes dos trechos mais importantes para determinado público.
Aqui não cabe discutir, e nem é o ponto central deste artigo especular a origem de tal fenômeno, se era devido a presença de Allan, jornalista de um canal do Youtube líder de audiência nas transmissões ao vivo de programas do gênero ou de Morgen que possui um podcast que também apresenta ótimos números de ouvintes ou ainda se o tema em si teria sido o responsável pelo salto registrado na aferição de audiência em relação à atração matinal. O caso é que uma simples “análise pragmática” como, por exemplo, a de alguma empresa que é anunciada dentro do programa ou mesmo na análise pela emissora em si, todos em sã consciência, diante desse prognóstico entenderiam que o programa estava no mínimo dentro do “caminho certo” e que deveria continuar sendo exibido, segundo uma simples “conclusão mercadológica”, tão simples quanto uma fórmula de lógica em que um programa bem recebido pelo espectador geraria, por sua vez, aumento nos índices de audiência e, por consequência, maior visibilidade tanto da emissora de TV em questão, quanto para os anunciantes que teriam suas marcas cada vez mais divulgadas, no que seria uma simples estratégia de propaganda.
Mas no decorrer do programa, o assunto Conservadorismo foi levado à um caminho onde os comentaristas políticos se viram obrigados a discutirem questões relacionadas à China, mais especificamente sobre notícias veiculadas na própria mídia brasileira, em especial pela revista mainstream Veja, que traziam denúncias sobre possíveis violações de crença e consequente perseguição à religião católica dentro do país asiático.
“Liberdade e desenvolvimento exigem também e, acima de tudo, proteção às minorias. A menor minoria possível é naturalmente o indivíduo.” (Extraído de: Rainer Erkens, “Liberdade e Desenvolvimento”, 2009).
A situação em si poderia ser colocada como uma discussão trivial que também está sob o escopo do Conservadorismo, em se discutir o que essa corrente política vis-a-vis defende em relação ao que é praticado em países com visões políticas completamente opostas, como é o caso da China. Mas, uma parceria formada entre o Grupo Bandeirantes e o China Media Group, firmada e noticiada pelo portal Rádio Band News FM em 11 de novembro de 20194, mostra que a situação envolvendo a demissão de Lacombe e demais profissionais envolvidos no programa, além de uma “reformulação” do mesmo em poucos dias, parecia muito mais “nebulosa” do que um simples acordo entre as partes de que o programa não estaria no caminho esperado.
As razões para o desmantelamento do programa, após as discussões sobre as políticas de Estado realizadas pelo Partido Comunista Chinês em cima do próprio povo em sua considerável parcela são católicos, mesmo com a presença de Marcus Vinícius, que “jurava de pé junto” (com o argumento de que havia morado no país por algum tempo) que os direitos humanos e mais especificamente os cristãos viviam em plena normalidade naquele país não foram suficientes para que o programa sobrevivesse nesse formato para além daquele dia.
Teria essa decisão algo a ver com o conceito de hegemonia política e cultural aplicado como diretriz pelo Partido Comunista da China nos veículos de comunicação chineses?
Seria algo como um modus-operandi com algumas similaridades aplicado à brasileira?
Qual seria o escopo dessa parceria entre a principal mídia chinesa e um dos principais grupos de comunicação brasileiros?
Antes de terminar a análise, citarei aqui um texto jornalístico de outra mídia mainstream (que até onde eu sabia não é um “blog bolsonarista”) Folha de São Paulo, apenas para que o leitor possa se alimentar ainda mais sobre as relações Brasil e China, em um tempo em que essas começavam a ser tecidas de forma mais profícua (2001) e que desembocaria anos depois no país asiático se tornando o maior parceiro comercial brasileiro a partir de 2009. Mas poucos lembram que para esse feito ter sido possível foi necessário um diálogo “institucional e de intercâmbio”, como rotulou Aloízio Mercadante naquela ocasião, entre o PT e o Partido Comunista Chinês (PCC), que tinham suas divergências ideológicas dentro do campo da esquerda (maoismo x gramscismo/progressismo), mas que na iminência de um provável governo Lula, menos de dois anos depois, era necessário que o alinhamento fosse construído o mais breve possível.
O interessante é que o partido que estava no comando do poder executivo à época (PSDB), de viés social-democrata, realizava conversas produtivas naquela altura com o PCC, o que foi inclusive usado como justificativa pelo próprio Mercadante, diante de possíveis críticas ao aceno político realizado pelo Partido dos Trabalhadores naquele momento, "Por que o PSDB pode ter uma relação com o PC chinês, e nós não? Na semana passada, uma delegação chinesa reuniu-se com tucanos".
“(...) em países sem liberdade reina o conformismo, reina o medo de ser e de pensar diferente da maioria, reina o medo de irritar os poderosos e de romper tabus, Países como Arábia Saudita, Cuba, Zimbábue ou a Venezuela, sob o comando de Hugo Chávez, mostram aonde isto leva.” (Extraído de: Rainer Erkens, “Liberdade e Desenvolvimento”, 2009).
“Os socialistas têm o apoio de instintos herdados, ao passo que a manutenção da nova prosperidade produzida pelas novas demandas exige uma disciplina adquirida, a qual os bárbaros ainda não domesticados entre nós, que se denominam a si mesmo de “alienados”, se recusam a aceitar, embora exijam todos os seus benefícios.” (Extraído de: Friedrich. A. v. Hayek, Três palestras sobre democracia, justiça e socialismo, Tubingen, 1977).
Ah, mas as conversas com a China eram inevitáveis, o país já era um player respeitado e influente no mundo! Esse questionamento pode até ter algum eco sob o ponto de vista político, mas em termos “pragmáticos”, no quesito “intercâmbio comercial”, o país representava em 2001 cerca de 12% do volume de exportações e importações se comparado ao volume de comércio Brasil-EUA no mesmo período, segundo dados do Atlas MIT67. Talvez Mercadante tivesse se referindo a outros tipos de “intercâmbio”. O interessante é que a mesma retórica desse tradicional quadro do PT paulista se encaixaria perfeitamente nos tempos atuais, mais especificamente no início de 2019. Mercadante poderia muito bem questionar a ida dos deputados do PSL à China naquele período e se perguntar porque o partido do qual ele faz parte também não poderia participar de tal “intercâmbio”.
Não vou aqui julgar o quanto à retórica de Mercadante é válida ou não ao “reivindicar uma igualdade de oportunidades” entre o seu partido e o PSDB para com o Partido Comunista Chinês, mas deixo uma reflexão aos pacientes e questionadores que se dispuseram a assistir ao programa, no qual este artigo centra sua análise, se estes após entenderem a definição de Conservadorismo, sua visão de mundo e o peso de suas bandeiras, atuariam com a mesma postura dos “tais deputados bolsonaristas” ou se isso não estaria ferindo as pautas nas quais os mesmos congressistas foram eleitores, segundo essa plataforma de governo/visão de mundo.
A conclusão desse dilema fica ainda mais clara quando se leva em consideração tanto o que os comentaristas políticos conservadores levaram como pauta ao programa da TV Bandeirantes sobre a China, como ao fato de esta viagem mencionada acima ter sido realizada em janeiro, quando sequer os políticos mencionados na reportagem haviam tomado posse de fato.
“O conhecimento provavelmente mais valioso do pensamento Conservador é sua crítica do progresso, ou seja, que a evolução no nível do saber e tecnologia pode servir para objetivos igualmente cruéis e loucos, como, por exemplo, a organização de campos de extermínio e de trabalho de massas, como também à melhoria e libertação” (Extraído de John Gray, “Liberalism, Milton Keynes”, 1986).
Espero que a partir da análise, dos questionamentos e do diagnóstico apresentado nesse texto o leitor possa entender, a importância de discussão sobre o Conservadorismo no âmbito mainstream, ou seja, para o grande público, mesmo que um ano e meio depois de essa pauta ter sido eleita pelo cidadão brasileiro, já que pelo menos para alguns desses parlamentares que foram eleitos sob essas bandeiras, determinados valores morais, básicos e inegociáveis que parecem ter sido ignorados à torpe e à direito em nome da “boa e inocente diplomacia”. Seja no exemplo do programa do Lacombe ou no caso PSL e PCC. Parece então que em ambos os casos os valores que guiaram tanto os players midiáticos e principalmente os congressistas “de direita” são tão porosos quanto suas ações, mas essa análise guardo para outro artigo pertinente ao assunto.
Rodrigo Ribeiro de Lima
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