Uma análise lógica de um discurso ilógico: Um exercício hermenêutico para compreender Luiz Fux

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A fala do ministro Luiz Fux, em resposta à maior manifestação popular já ocorrida no Brasil neste Sete de Setembro, parece revelar o devaneio de quem está inebriado pelo poder e também um completo descolamento da realidade, a ponto do ministro perder a sensibilidade pela angústia de um povo que foi as ruas retomar sua liberdade, momentaneamente usurpada.

Afim de mostrar esse descolamento, farei a análise de alguns pontos do discurso do ministro Fux. Por análise “lógica” eu me refiro a ser objetivo na exposição de contradições e parcialidades no que Fux falou ao contrastar sua fala com situações bem conhecidas que o leitor provavelmente se lembrará. Que o leitor tire então suas próprias conclusões se o raciocínio argumentativo de Fux merece algum crédito.

Visivelmente incomodado, como evidenciado pelo tom de voz alterado, Fux inicia seu discurso afirmando:

“O Brasil comemorou na data de ontem 199 anos de sua independência. Em todas as capitais, em diversas cidades do país, cidadãos compareceram as ruas. O País acompanhou atento o desenrolar das manifestações. [...]
Este Supremo Tribunal Federal também esteve atento a forma e ao conteúdo dos atos realizados no dia de ontem. Cartazes e palavras de ordem vincularam duras críticas à corte e aos seus membros, muitas deles também vocalizadas pelo senhor Presidente da República em seus discursos em Brasília e em São Paulo.“

Críticas, ainda que duras, são parte do exercício da livre opinião como bem lembrou um dos ministros da corte, Alexandre de Moraes, que declarou em 2018:

“Quem não quer ser criticado, quem não quer ser satirizado, fique em casa. Não seja candidato, não se ofereça ao público, não se ofereça para exercer cargos políticos. Essa é uma regra que existe desde que o mundo é mundo. Querer evitar isso por meio de uma ilegítima intervenção estatal na liberdade de expressão é absolutamente inconstitucional”.

Não consta que Fux tenha feito qualquer objeção à fala de Alexandre de Moraes em 2018. Assim, por que esse estranhamento de Fux com as críticas de agora? Será porque, dessa vez, as críticas são dirigidas contra os ministros do STF? Se for, exibimos uma primeira contradição no discurso de Fux.

Continuando seu discurso, Fux declara:

”Neste contexto, em toda a sua trajetória, nestes 130 anos de vida republicana, o supremo tribunal federal jamais se negou e jamais se negará ao aprimoramento institucional em prol do nosso amado país. No entanto, a crítica institucional não se confunde e nem se adequa com narrativas de descredibilização do supremo tribunal federal e de seus membros, tal como vem sendo gravemente difundidos pelo chefe da nação.“

Ora, a descredibilização a que se refere o ministro Fux só existe pela percepção de quem se sente diminuído com a crítica.

É conveniente lembrar o que a escritora e mística cristã Simone Weil certa vez escreveu:

“É impossível perdoar quem nos fez mal, se esse mal nos rebaixa. Devemos pensar que ele não nos rebaixou, mas sim que revelou nosso verdadeiro nível [“O Peso e a Graça”, Simone Weil].

Weil é leitura apropriada e se aplica apenas a consciências livres e a espíritos verdadeiramente elevados e engrandecidos que são capazes de entender a dimensão transcendente que ela delineia. Se assim for, a queixa de Fux quanto a suposta “descredibilização” da corte pelas críticas que lhe são feitas se encaixa no primeiro enunciado de Weil:

“É impossível perdoar quem nos fez mal, se esse mal nos rebaixa.”

Mas, a condição de quem é realmente elevado o faz observar o antídoto mostrado no segundo enunciado de Weil:

“Devemos pensar que ele não nos rebaixou, mas sim que revelou nosso verdadeiro nível”.

Ora, a grandeza de espírito é então a capacidade de perceber o nível em que estamos e, de forma corajosa e humilde, permitir uma reflexão interior que nos faça mudar o rumo. Talvez o ministro Fux e seus colegas de toga tenham muito a aprender com Simone Weil, mesmo sendo seus escritos profundamente impregnados de uma mística cristã, algo que pode incomodar alguns.

Fux continua seu discurso declarando:

“Ofender a honra dos ministros, incitar a população a propagar discurso de ódio contra a instituição do supremo tribunal federal, incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas e ilícitas e intoleráveis em respeito ao juramento constitucional que todos nós fizemos ao assumirmos uma cadeira nesta corte.“

Vemos que o ministro Fux fala em “discurso de ódio”, mas não exemplifica o que ele entende por isso, o que gera dúvidas se a mera crítica às autoridades e à atuação das instituições constituem um discurso de ódio. Ora, há outra inconsistência aqui e, para demonstrá-la, cito apenas dois casos bem conhecidos.

O primeiro refere-se a uma declaração de um ator da Rede Globo em franco ostracismo que de forma abjeta lamentou que a facada contra o Presidente Bolsonaro foi dada de uma maneira “mais ou menos correta” quando mencionou:

‘Tem os deuses, tem o imponderável, tem a facada no peito, no meio da multidão. Isso aí não estava previsto, ninguém tinha previsto que ia aparecer um maluco e golpear a camisa amarela onde estava escrito ‘Brasil acima de tudo’. Ia cravar uma faca ali de uma maneira mais ou menos correta, mas não total. Desgraçado’.

Em outro caso bem conhecido, os ministros da suprema corte também não desaprovaram publicamente manifestações duvidosas em que pessoas aparecem jogando futebol com a cabeça do Presidente da República.

Ora, se os ministros não desaprovam tais declarações e performances contra a pessoa do Presidente da República, por analogia, que tipo de declarações contra as instituições e seus membros seriam consideradas discurso de ódio por eles? Será que há por parte dos ministros alguma parcialidade em relação a quem pode ser feito tais críticas?

Outro ponto a ressaltar é: Em que sentido o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis? É lícito cumprir uma decisão judicial que não encontra respaldo na Lei?

Segundo Fux, “questionamentos a decisões judiciais devem ser realizados não através da desobediência, não através da desordem, não através do caos provocado, mas, de certo, pelos recursos que as vias processuais oferecem”.

O que Fux falou só faz sentido se houver o sentimento de que o recurso as várias instâncias do judiciário levam (não por necessidade, apenas estatisticamente) a uma justa decisão, algo que pressupõe um judiciário saudável. Mas, o problema reside quando a suprema corte descumpre as leis. Com efeito, com bem explicado por vários advogados e juristas em programas da mídia independente, a prisão de Daniel Silveira foi um contorcionismo jurídico escandaloso feito pelo ministro Alexandre de Moraes. Já a prisão de Roberto Jefferson também não se justifica, na verdade, não tendo foro privilegiado Jefferson sequer deveria ter sido indiciado em um inquérito conduzido por Alexandre de Moraes, onde ele se põe como vítima, investigador e juiz.

Uma vez que tais decisões judiciais são vistas como ilegais e foram tomadas no âmbito do STF, a última instância, fica impossível o recurso processual que Fux mencionou, logo, qual é a argumentação que obrigaria tais decisões a serem cumpridas? Não seria o seu descumprimento uma questão de justiça? Infelizmente, os policiais federais que cumpriram os mandados de busca e apreensão e realizaram as prisões não entenderam dessa forma. E, assim, injustiças foram cometidas.

Há um trecho no discurso de Fux que chama atenção por seu teor messiânico que coloca os membros da suprema corte como juízes supremos diante de um povo iletrado que é visto como ralé a ser tutelada:

“Os juízes da suprema corte e todos os mais de vinte mil magistrados do país têm compromisso com sua independência assegurada nesse documento sagrado que é a nossa constituição, que consagra as aspirações do povo brasileiro e faz jus as lutas por direitos empreendidos pelas gerações que nos antecederam.”

Não, ministro Fux, a constituição não é um texto sagrado, pois é fruto da elaboração de seres humanos que são falhos. Soma-se a isso uma segunda camada de imperfeição que é a interpretação da constituição, algo que depende da subjetividade e da “criatividade” de quem advoga interpretá-la. É muita pretensão, então, achar que as aspirações de um povo possam ser sintetizadas em um documento tão sujeito a falhas como a constituição, ainda mais quando sabemos que um grande segmento da população do Brasil, representado nos cristãos, tem a Bíblia como regra de vida, a única fonte documental que merece reverência por ser a palavra do próprio Deus. O que Fux falou sobre a constituição ser um documento “sagrado” soa como mais uma idolatria a qual os cristãos não se sujeitarão, assim como não prestarão obediência a nenhum regramento injusto ou a qualquer ser humano que exerça poderes efêmeros pensando que são deuses.

A lição que fica das massivas manifestações do Sete de Setembro é a percepção generalizada por parte da população de que a suprema corte e seus tribunais associados, como o TSE, são injustos quando usam aberrações jurídicas como o inquérito das ditas “Fake News” ou dos “Atos Antidemocráticos” para calar cidadãos comuns, ou quando impedem a contribuição financeira voluntária a conservadores que produzem conteúdo nas redes sociais. É contra esses abusos que o povo foi as ruas clamando por justiça contra quem, ironicamente, deveria zelar por ela.

Finalizo analisando brevemente o discurso de Fux quanto à sua “forma”, comparando com o discurso de Bolsonaro.

Bolsonaro falou em Brasília e em São Paulo ao vivo diante de milhões de pessoas reunidas a sua frente, não usou textos previamente escritos para guiar a sua fala, pois falou de improviso com a convicção que vem do coração. Assim, em relação a suas ações, o povo percebe que Bolsonaro até pode errar, mas se o faz é tentando acertar.

Fux fala circunscrito ao ambiente confortável e “acolhedor” da suprema corte, olha para uma câmera, longe do olhar do povo, e se ilude achando que está mesmo falando com o povo (talvez ele possa confirmar isso convocando o povo para falar com ele diretamente, como fez Bolsonaro), e se limita a ler um texto que segue sem nenhum improviso e de forma milimetricamente planejada. Assim, em relação as suas ações, Fux pode até errar, mas se o faz .... (deixo que o leitor conclua a sua maneira).

A diferença na forma do discurso expressa um fenômeno significativo que não passa despercebido, mas que salienta uma diferença abissal que há entre Bolsonaro e Fux e, consequentemente, também em relação aos outros ministros da suprema corte e que se estende igualmente aos membros do Congresso, algo facilmente visto na forma efusiva e calorosa como Bolsonaro é recebido pelo povo, tratamento que não é dado a nenhuma outra figura pública.

Em sua história, talvez o povo brasileiro nunca tenha demonstrado de forma tão consciente seu anseio por liberdade quanto agora. E as manifestações de Sete de Setembro mostraram que o povo deseja agir de forma pacífica. Há algo grandioso demais aqui que incomoda pessoas como Fux e seus colegas da suprema corte, apoiados pelos puxa-sacos de ocasião da grade mídia que apenas endossam as narrativas das “verdades” do STF. De fato, o incômodo tem sua origem em uma força que sempre esteve presente, mas contida, e que emana de uma consciência que se afirma livre diante de Deus e que está disposta a se sacrificar por essa liberdade, sabendo que tal sofrimento será um testemunho deixado as futuras gerações pelos que foram presos, aleijados, desmonetizados e, quem sabe, mesmo mortos pela violência dos que odeiam os conservadores e os valores que eles defendem.

Aos que nos tratam com violência ficará o testemunho negativo da história e a certeza da justiça que vem do alto. E a nós que lutamos com espírito resoluto e inquebrantável a certeza de que “Deus é nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações”, e que vemos no horizonte o prêmio a nós reservado:

“Há um rio, cujas correntes alegram a cidade de Deus, o santuário das moradas do Altíssimo. Deus está no meio delas; jamais será abalada.” [Salmo 46]

Diante de um prêmio tão valioso, somos mais que vencedores e não é uma suprema corte avessa a nossos valores que nos intimidará na luta pela nossa liberdade. Saiba então, ministro Fux, que cada texto, cada documentário que um de nós produzir será um testemunho da nossa luta pacífica contra o arbítrio de vocês exercido em inquéritos persecutórios do “fim do mundo” e que cada um de nós que cair, sendo preso ou mesmo morto, será substituído por outro que tomará nosso lugar e continuará nossa luta.

Marcelo Carvalho. Professor da UFSC.

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